terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Água suja

Não sei que sentimento me invadiu quando das declarações de Jorge Miranda, pai biológico da Constituição, sobre a polémica gerada na ajuda à classe média açoriana que o Parlamento decretou. Que ia considerar inconstitucional, era adquirido. Que tivesse a temeridade de o justificar com argumentos jurídicos, parecia impossível. Um professor universitário, em fim de carreira (ele andava na Faculdade um ano ou dois à minha frente e eu já faço este ano o “curioso número”), não vai deixar ir o seu eventual prestígio desaguar no mar dos fanatismos onde tudo é “lixo estruturado”. Enganei-me. Que o princípio da solidariedade e da igualdade tinham sido violados. Pois sim! Então, lá porque um concidadão nosso passa fome, os outros todos têm de ser solidários e passar fome com ele? Que raio de conceito jurídico! Ainda se fosse dar-lhe de comer ainda vai que isso sim é solidariedade. Agora, porque o Jorge Miranda morre de sede no deserto do Sará onde a sua má cabeça o levou sem cantil adequado, eu tenho que morrer de sede aqui, que chove todos os dias como se sabe pela lúcida previsão meteorológica diariamente elaborada de Verão e Inverno. Já a regra da igualdade, aí sua excelência tem toda a razão. É preciso retirar a todos os funcionários da administração central os subsídios que aqui recebem há anos que isso não se faz. Jorge Miranda dixit. E devolver os que receberam desde que concebeu a dita filha biológica (1976!). Ora, valha-me Nossa Senhora, como diz Eduardo de Medeiros quando certo social-democrata lhe manda notas para o Alevá. A igualdade em situações desiguais é coisa diferente de alinhar por baixo. Para que uma rapariga baixa fique na passerelle da altura da mais alta, dá-se-lhe sapatos altos, não se corta os pés à outra. Só que estamos como na fábula do lobo e do cordeiro: se não foste tu foi tua mãe quem sujou a água.
Carlos Melo Bento
2010-12-14

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