terça-feira, 20 de julho de 2010

A Escritora Cândida Arruda Botelho

Senhor vice-Presidente da Câmara
Escritora Cândida Arruda Botelho
Minhas Senhoras e meus senhores

Gostaria de começar por sublinhar a presença do senhor vice presidente nesta cerimónia e o significado que temos de retirar desse facto, pois que os poderes públicos raramente dão o seu apoio a iniciativas culturais desta natureza. Apraz-me registar a postura diferente da Câmara de Ponta Delgada que vem acarinhando com cuidado e atenção tudo o que diz respeito à nossa preciosa cultura, o único bem verdadeiramente valioso que a humanidade conquistou à natureza, e faço votos para que a promessa da Senhora Presidente, Dr.ª Berta Cabral, de conseguir para esta Biblioteca uma estrutura física que satisfaça melhor as imensas iniciativas que aqui têm tido lugar, tenha a sua concretização a breve trecho.
Agradeço ao Dr. José de Almeida Mello, digno e dinâmico director desta Biblioteca Municipal, a gentileza deste convite para apresentação do livro de Cândida de Arruda Botelho, D. Pedro I Navegando Pelos Açores, oportunidade que aproveito para falar dum problema histórico ligado à Família da escritora, nesta ilha, onde, por volta dos anos 40 do século XV chegou o primeiro e mais ilustre dos Botelhos açorianos, que Canto da Maia esculpiu em bronze e que o grande benemérito Visconde Botelho, José Honorato, ofertou à primeira capital de S. Miguel.
Com efeito, Gonçalo Vaz Botelho, o Grande, por o ser de corpo e alma, era filho de Pero Botelho, Comendador-mor da Ordem de Cristo. Convém aqui esclarecer que a Ordem de Cristo, em Portugal herdeira da Ordem dos Templários que o Papa extinguiu, era a mais importante, rica e poderosa das Ordens Militares portuguesas, à qual presidia o Infante em pessoa. As outras Ordens eram as de Avis, Santiago de Espada e Crato (esta apenas um priorado teoricamente dependente da sua congénere espanhola) que, obrigadas a manter cada uma pelo menos cem cavaleiros combatentes, e seus cavalos de batalha, constituíram no Alentejo uma formidável e imbatível muralha humana no tempo da reconquista. Os Mestres e Priores destas Ordens foram sempre poderosas figuras geralmente da Família Real.
Ora, o Chanceler mor da Ordem de Cristo era uma espécie de general e certamente o mais poderoso deles. Num tempo em que isso era decisivo, ser-se filho dele não era coisa de pouca monta e por isso, o Infante, Mestre da Ordem, o enviou a povoar S. Miguel, ilha que por ter sido descoberta por Gonçalo Velho lhe foi dada e aos seus sucessores.
Gonçalo Vaz Botelho, por ser tão abalizado fidalgo e muito favorecido na casa do infante D. Henrique, recebeu esse encargo (com outros fidalgos) para o fazer, de sua nobre geração. Aqui onde chegou dez anos depois do descobrimento, trazia consigo sua mulher já grávida do primeiro micaelense, e dela teve pelo menos mais quatro filhos.
De todos os primeiros habitantes que desembarcaram na Povoação ele era o mais velho e tinha muita autoridade entre eles.
Assim, não há dúvida portanto que Gonçalo Vaz Botelho, que era Fidalgo de “marca”, foi um dos principais povoadores desta ilha de S. Miguel, e foi tão feliz aqui que chegou a ter duzentos moios de renda. Dos cinco filhos homens (porque das filhas nada diz Frutuoso), o quarto chamava-se João Gonçalves Botelho, foi casado com Isabel Dias da Costa, de que houve os filhos seguintes, João de Arruda da Costa, morador em Vila Franca, homem muito principal e rico, nesta ilha, o qual casou com Catarina Favela, natural da ilha da Madeira, irmã de Margarida Mendes, da cidade da Ponta Delgada; se calhar é deste filho que descende a nossa escritora, pois os outros filhos, Pero da Costa, deitou-se ao mar para sustentar Arzila e a filha, Maria Roiz, casou com Rui Martins Furtado, de que houve dois filhos, grandes de corpo, muito valentes, discretos, músicos e bons cavaleiros. Os Arrudas da Costa foram uma das mais poderosas famílias açorianas e mesmo assim não escaparam ao destino brasileiro que arrastou para a sua infinita imensidão milhares de açorianos, ora à busca de ouro ora de aventura.
As armas, dos Botelhos, símbolo que distinguia, nesse tempo, as famílias mais importantes umas das outras, foi portanto e também o dos seus descendentes, têm o seu brasão, e são as seguintes: um escudo com o campo de ouro e quatro bandas de vermelho; elmo de prata aberto, guarnecido de ouro; paquife de ouro e de vermelho; e por timbre um meio leão de ouro, banda de vermelho, e alguns têm por diferença uma merleta de prata. Os primeiros descendentes dos primeiros povoadores foram homens poderosos, ricos e abastados, e tiveram grandes casas, vivendo à lei de nobreza, com cavalos, criados e escravos, e grande família.
O problema que sujeito à vossa consideração, consiste nas relações entre Gonçalo Vaz Botelho e o Capitão do Donatário.
O primeiro Botelho não chegou aqui sozinho; com ele vieram outros fidalgos, dos quais, refiro, Gonçalo de Teve Paym, filho Gonçalo Dornelas Paim, que veio para esta ilha mandado pelo Infante, a cuja casa pertencia, que lhe deu grandes poderes para repartir e dar terras, e com o cargo de almoxarife (uma espécie de Director de Finanças), que foi o primeiro a desempenhar; portanto foi este Paim e não outro com o Capitão, em nome do Rei, quem fazia as dadas das terras e a repartição delas.

Gonçalo Botelho, portanto, apesar de ser o mais importante dos povoadores e a ele ter sido concedido um rendimento enorme, não aparece com o importante cargo de dar terras e apenas (o que não era pouco) com o de ouvidor do capitão da ilha. Com poderes para dar terras só o Paim e o capitão do donatário, ou seja, Gonçalo Velho, até perto da morte do infante em 1460, João Soares de Albergaria, dessa data até 1474, e Rui da Câmara, outro grande povoador, a partir dessa data em que compra a ilha ao Albergaria. Só com a chegada do Câmara terão surgido problemas, pois os poderes do capitão do donatário eram imensos e só os direitos adquiridos dos primeiros fundadores poderiam, de certo modo, opor-se ao novo senhor da ilha que foi o único deles que passou a residir nela e a mandar de facto. É toda uma questão que está por desvendar e que espero os investigadores universitários esclareçam para se poder perceber o relacionamento destas duas grandes famílias cujo destino não foi o mesmo.

Quanto à autora propriamente dita, a Professora Cândida Arruda Botelho, sabemos pela pena do embaixador Sérgio Telles, que é escritora consagrada, pesquisadora competente, olhar sensível, talentosa reconstrutora de ambientes e de personagens a que dá vida e lugares a que dá cor. Intérprete profundamente brasileira do nosso D. Pedro, o Homem que terminou definitivamente com a escravatura nos Açores, que libertou o Corvo da servidão, que nos deu o Tribunal da Relação, e semeou a autonomia com que caminhamos para a emancipação açórica.

Do livro direi que é uma recolha interessante de informações importantes da estadia do Imperador entre nós e da obra que ele estimulou e aprovou. Eu próprio já tinha percorrido os caminhos da investigadora brasileira, na esteira dos do rei, da sua corte e das suas leis revolucionárias e posso testemunhar os difíceis obstáculos que Cândida Botelho ultrapassou para nos dar uma visão mais completa do homem do fico e da independência ou morte, o último e único brasileiro que governou dois impérios e que empurrou à força os portugueses para a frente, retirando-os duma apagada e vil tristeza em que viveram tempo de mais.

Dou os parabéns à escritora, e dou-lhe as boas vindas à terra dos seus maiores, porque aqui, está sempre em sua casa.
Ponta Delgada 14 de Julho de 2010
Carlos Melo Bento

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