terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Dez mais de 2010, segunda parte


Vejamos agora no campo da ciência quem se destacou este ano. Muitos são os ecos que nos chegaram da excelência do trabalho efectuado no Departamento de Oceanografia e Pescas da nossa Universidade, pólo da Horta que Frederico Machado ajudou a fundar. E, de facto, o seu mais alto responsável, Ricardo Serrão dos Santos, em razão do trabalho desse departamento universitário que dirige, foi convidado para integrar o prestigiado Conselho Científico do Instituto Oceanográfico de Paris juntamente com os outros nove cientistas europeus que o compõem. Justa consagração para quem elevou bem alto o nome dos Açores em terreno de tanta complexidade e debate. Na pessoa de Serrão dos Santos (lembrando os seus notáveis colaboradores), é justo colocar o título de cientista do ano. Como contista sublime, escolho Daniel de Sá, cuja escrita atingiu a perfeição da simplicidade (o seu último conto de Natal é uma obra prima), a beleza dum estilo inimitável e a medida universal do açorianismo, esse sim, património da Humanidade. Para político do ano, a escolha não é fácil porque Carlos César apenas cumpriu, corajosamente é certo, mas o que era a obrigação do seu alto cargo. Sérgio Ávila, porém, ergueu-se, sem descurar a sua postura como terceirense, a um patamar de mentor do ritmo seguro da política açoriana, que fundamentou (sempre que teve de falar no Parlamento) com lógica e equilíbrio, uma opção divergente porque indispensável à defesa dos nossos legítimos interesses colectivos. É para ele, portanto, a palma de melhor político de 2010. O acontecimento do ano não pode deixar de ser a deliberação dos grupos parlamentares do PS, CDS/PP, BE (cuja líder continua a marcar pontos) e do PCP, pela confirmação (não obstante as pressões políticas em contrário) do vetado Orçamento de 2011. Bom Ano.
Carlos Melo Bento
2010-12-28

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Dez mais de 2010

Há sempre entre nós pessoas que se distinguem de forma a deverem ser apontados como exemplo a seguir, se quisermos melhorar o nosso viver. Vislumbrá-los entre o dilúvio de críticas que todos os anos chovem contra nós, não é fácil mas não é impossível. O melhor jornalista de opinião, de belo estilo, contundência, coragem e verdade no amor à Terra dos nossos pais foi sem dúvida Jorge do Nascimento Cabral cuja morte em plena idade da sabedoria ainda o elevou mais pelo tremendo vazio que deixou. Dos artistas, saliento o fotógrafo José António Rodrigues por trabalhos como as Sete Maravilhas, de Almeida Mello e Dos Vulcões dos Açores, de Victor Hugo Forjaz e Zilda França. Empresário apontaremos os Euromotas como exemplo de dinamismo e profissionalismo, traduzido num grande investimento na Ribeira Grande em plena época de recessão, exemplo de coragem e confiança no futuro de todos nós. O livro mais belo que se publicou este ano foi o Minha Ilha, Minha Casa, do florentino Alfredo Luís 1902-1977, (traduzido do inglês Home is an Island, publicado na América, em 1951, como Alfred Lewis), grito de alma dum açoriano genial, forjado na Ilha das Flores, romancista, contista e dramaturgo. Patrícia Carreiro, Emanuel Botelho e Álamo de Oliveira, também produziram obras de vulto, no romance (aquela) e na poesia (estes) mas fiquei-me pelo Alfredo Luís pois a sua leitura tem muito da violência telúrica que fabrica o nosso espírito, nele acossado pela diáspora açórica. João Ponte continua a ser o autarca que se distingue pelo equilíbrio, isenção e dinamismo e foi ele que em 2010 voltou a merecer a palma. Para desportista do ano proponho o angrense Pedro Bartolomeu que no quadriatlo (natação, cayak, ciclismo e corrida) ficou entre os seis melhores do mundo, praticamente sem apoios oficiais! Dos outros direi para a semana. Bom Natal.
Carlos Melo Bento
2010-12-21

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Água suja

Não sei que sentimento me invadiu quando das declarações de Jorge Miranda, pai biológico da Constituição, sobre a polémica gerada na ajuda à classe média açoriana que o Parlamento decretou. Que ia considerar inconstitucional, era adquirido. Que tivesse a temeridade de o justificar com argumentos jurídicos, parecia impossível. Um professor universitário, em fim de carreira (ele andava na Faculdade um ano ou dois à minha frente e eu já faço este ano o “curioso número”), não vai deixar ir o seu eventual prestígio desaguar no mar dos fanatismos onde tudo é “lixo estruturado”. Enganei-me. Que o princípio da solidariedade e da igualdade tinham sido violados. Pois sim! Então, lá porque um concidadão nosso passa fome, os outros todos têm de ser solidários e passar fome com ele? Que raio de conceito jurídico! Ainda se fosse dar-lhe de comer ainda vai que isso sim é solidariedade. Agora, porque o Jorge Miranda morre de sede no deserto do Sará onde a sua má cabeça o levou sem cantil adequado, eu tenho que morrer de sede aqui, que chove todos os dias como se sabe pela lúcida previsão meteorológica diariamente elaborada de Verão e Inverno. Já a regra da igualdade, aí sua excelência tem toda a razão. É preciso retirar a todos os funcionários da administração central os subsídios que aqui recebem há anos que isso não se faz. Jorge Miranda dixit. E devolver os que receberam desde que concebeu a dita filha biológica (1976!). Ora, valha-me Nossa Senhora, como diz Eduardo de Medeiros quando certo social-democrata lhe manda notas para o Alevá. A igualdade em situações desiguais é coisa diferente de alinhar por baixo. Para que uma rapariga baixa fique na passerelle da altura da mais alta, dá-se-lhe sapatos altos, não se corta os pés à outra. Só que estamos como na fábula do lobo e do cordeiro: se não foste tu foi tua mãe quem sujou a água.
Carlos Melo Bento
2010-12-14

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Firme, Presidente!

O 6 de Junho da esquerda democrática era esperado. É que, estando a esquerda no poder, haveria de chegar o momento em que os interesses dos Açores teriam de conflituar com os do resto do País e, então, os nossos esquerdistas teriam que decidir o que tivesse de ser decidido e os outros haveriam de fazer os escarcéu do costume, com as habituais consequências. Até aqui, a esquerda centralista (!) não admitia que os Açores retirassem aos trabalhadores um cêntimo, pois que os separatistas (nome porque lá fora são conhecidos os açorianos que gostam de administrar isto sem terem de pedir licença) eram uns terratenentes fascistoides que exploravam sem consciência os trabalhadores e os mais desfavorecidos para irem depois dançar e jogar a dinheiro para o clube. A coisa virou, a esquerda subiu ao poder (e bem, diga-se) e eis que os governantes começaram a tomar as medidas que têm que ser tomadas para vivermos um pouco melhor e, apesar do muito que foi feito no social, ainda longe da média nacional. Preocupados com a previsível fuga de cérebros da classe média, chaga que sempre nos atormentou desde que somos gente, os nossos deputados criaram uma compensação para aqueles dessa classe que iriam sofrer com as diminuições salariais tornadas necessárias pela construção de mil milhões de euros em estádios de futebol e outras tolices de novos ricos que por lá se fizeram. Sérgio Ávila arrecadou algumas poupanças e chegou a altura de jogar pelo seguro e manter aqui os que mais falta nos fazem. Ardeu Troia. Que esse dinheiro era deles! Que a solidariedade etc. etc. O dinheiro não é deles, é nosso: 600 milhões das Misericórdias, 1832; 250 milhões da moeda de ouro virada papel, 1898; 50 milhões da moeda fraca em 1931; a Base etc.; o pouco que deram (vindo da Europa) nem dá para o juro. Deixem-nos governar o que é nosso. Aprendam connosco a não fazer asneiras e bico calado.
Carlos Melo Bento
2010-12-07

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dependência

O sucesso espectacular e indiscutível da reunião da NATO em Lisboa, elevou o prestígio internacional de José Sócrates e de Portugal a um tal nível que só um ódio irracional impede certas pessoas de o reconhecer. Eis porém que as negociações sobre Lages ficam congeladas. Sabendo-se que os USA se encontram em grave crise financeira, até se percebe que eles não queiram conversas pois é de admitir que Lisboa esteja interessada em dinheiro. Só que, nós, Povo Açoriano, o único que corre o risco da existência da Base, não queremos dinheiro. Queremos outras coisas. Queremos que recebam e integrem com a dupla cidadania a que por direito natural têm direito, os repatriados que injustamente nos enviaram depois de deixarem estragar a gente sã que receberam. Queremos que nos enviem professores que ensinem aos futuros emigrantes a língua, o direito, a economia e os costumes da terra para onde continuarão a ir. Queremos que os esperem nos aeroportos os oficiais da emigração americana, para os encaminhar para os lugares certos, para que não fiquem ali apavorados em terra estranha, vítimas fáceis dos escroques que os levam a trabalhar sem seguros, sem direitos e sem defesa para sabe-se lá onde são explorados durante tempos sem fim até que percebam o que lhes está a acontecer. Queremos que legalizem automaticamente todos os açorianos ilegais há mais de 5 anos, permitindo-lhes existência legal, deixando de ser foragidos na terra da promissão, no terror de que os oficiais da emigração os descubram e os livrem de sequestradores sem escrúpulos que os chantageiam e exploram. Somos dependentes porque os outros usam a nossa independência (José de Almeida) mas exigimos justiça que entre os nossos “tutores” pode haver alguém clarividente que nos dê razão com medo do juízo da história.
Carlos Melo Bento
24XI2010

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Discurso do Embaixador Manuel Pracana Martins


APRESENTAÇÃO DO IV VOLUME DA «HISTÓRIA DOS AÇORES 1935-1974», DA AUTORIA DE CARLOS MELO BENTO, NO «SOLAR DO CONDE», CAPELAS, SÃO MIGUEL, AÇORES, EM 5 DE OUTUBRO DE 2010.

Considero uma honra estar hoje aqui para apresentar o quarto volume da história dos Açores da autoria do Dr. Carlos Melo Bento, a quem me encontro ligado por uma antiga e sólida amizade e por um sentimento de admiração pela sua personalidade multifacetada de jurista, investigador, professor, publicista e cidadão com relevantes serviços prestados à comunidade, que lhe valeram a atribuição pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores da medalha de Mérito Cívico por ocasião das celebrações oficiais do Dia da Região Autónoma dos Açores que tiveram lugar este ano.
Para mim, falar de MB é desfiar um rosário de gratas recordações e episódios marcantes que remontam ao início da década de sessenta do século passado e à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Quando ali comecei o meu curso MB estava já no 3°ano e tornara-se notado por ser um bom aluno e por participar activamente nas actividades da Associação Académica a cuja direcção tinha sido candidato.
Aproximei-me logo daquele colega e conterrâneo que me acolheu de braços abertos.
A circunstância de ambos frequentarmos a sala de convívio e a cantina da Cidade Universitária fez com que nos passássemos a encontrar todos os dias à hora das refeições que tomávamos na mesma mesa juntamente com colegas açorianos, madeirenses e ultramarinos, formando um grupo que ficou conhecido pelo «grupo dos açorianos» e em que MB naturalmente pontificava com a sua forte personalidade, o seu dom da palavra e o seu enorme sentido de humor.
À medida que o nosso convívio se intensificou, fui conhecendo outras facetas da personalidade do meu amigo de que salientarei a independência de espírito, a força e a sinceridade das suas convicções, a sua grande vocação para o Direito, para ele indissociável da Justiça e da solidariedade, e a paixão pelos Açores. Não escondia, aliás o desígnio de, uma vez terminado o curso, voltar para os Açores e contribuir para o seu progresso e valorização.
Vale a pena lembrar um caso interessante em que a vocação jurídica e a paixão pelos Açores se conjugaram:
Quando MB estava ainda no 2° ano resolveu apresentar na cadeira de direito administrativo, regida pelo Prof. Marcelo Caetano, um trabalho sobre a organização político-administrativa dos Açores, estimulado pela leitura da conferência sobre autonomia que o Dr. José Bruno Carreiro fizera em 1950.
Note-se que os trabalhos escritos não eram obrigatórios e que muitos estudantes, por comodismo ou desinteresse, se dispensavam de os apresentar.
Recordo que não foi só em Direito Administrativo que MB se empenhou em apresentar trabalhos.
Fê-lo também em Direito Processual Civil, no quarto ano, e o seu trabalho foi comentado e elogiado pelo professor Castro Mendes durante o seu exame oral naquela cadeira a que eu tive o privilégio de assistir.
Ainda no contexto da ciência jurídica, lembro-me do enorme prazer que MB sentia em citar de cor alguns pensamentos do grande filósofo do Direito Francesco Carnelutti que viera a Lisboa proferir uma conferência na Faculdade de Direito quando MB estava no primeiro ano.
O cinquentenário da Faculdade ocorre quando MB frequenta o último ano de Direito.
No âmbito das comemorações, os finalistas decidiram organizar uma sessão de cumprimentos ao director, Prof. Raul Ventura, e MB é escolhido para falar em nome dos colegas.
As palavras que proferiu sobre o espírito universitário e a missão da Faculdade impressionaram o director que, ao discursar pouco depois na sessão solene comemorativa daquela efeméride, fez questão de citar uma das passagens da alocução de MB.
Graças à sua capacidade de trabalho e ao seu espírito metódico e disciplinado, MB teve tempo e energia para se dedicar em Lisboa, paralelamente à vida académica, a outras actividades que representam também um marco importante da sua biografia.
Refiro-me àquelas que desenvolveu como sócio e membro da direcção da Casa dos Açores.
Conseguiu então convencer outros colegas a fazerem-se sócios (eu fui um deles) e com eles formou um núcleo de estudantes, orientando algumas actividades de carácter cultural de que recordo a sessão dedicada a Antero de Quental em 1963.
Nessa altura, MB teve a ideia de convidar para orador oficial o seu antigo professor e ilustre anterianista, Dr. Ruy Galvão de Carvalho que, embora impossibilitado de se deslocar a Lisboa, aceitou o convite e enviou à Casa dos Açores, para ser lida naquela cerimónia, uma valiosa comunicação intitulada «Perfil psíquico de Antero».
Em 1964, uma série de abalos sísmicos causou várias mortes e estragos materiais na ilha de S. Jorge e Casa dos Açores esteve no centro da campanha nacional de auxílio às vítimas da catástrofe.
MB, na qualidade de vogal da direcção, foi incansável na colaboração que prestou a todas as iniciativas então tomadas para minorar o sofrimento dos nossos conterrâneos jorgenses.
É neste mesmo ano que MB conclui o seu curso.
Obtido o diploma de licenciatura, ingressa na Magistratura do Ministério Público e é colocado como Delegado do Procurador da República na comarca da Ribeira Grande.
Ali o visitei em 1965 e pude aperceber-me do elevado profissionalismo com que exercia aquelas funções e o prestígio e simpatia de que gozava entre as autoridades e a população.
Um dia tive oportunidade de o acompanhar numa visita à cadeia comarca, de que ele era director por inerência de funções, e testemunhar a especial atenção que dedicava aos reclusos, interessando-se pela história de cada um, pelos trabalhos que executavam na cadeia e providenciando para que lhes fossem asseguradas condições dignas de alojamento e alimentação.
Concluído o período de serviço necessário para se apresentar ao concurso para delegado efectivo, MB é aprovado neste concurso, o que lhe permite inscrever-se na Ordem dos Advogados com dispensa de estágio.
Começa então uma brilhante carreira profissional em que depressa se distingue entre os seus pares.
Em reconhecimento do mérito do seu trabalho na advocacia e dos serviços prestados à Ordem dos Advogados, onde exerceu vários e honrosos cargos, esta distinguiu-o este ano com a Medalha de Honra.
Mas a sua actividade não vai circunscrever-se ao escritório de advogado e às salas dos tribunais.
Com efeito, o interesse pelos problemas políticos e administrativos da sua terra que, como atrás referi, já se tinham manifestado nos seus tempos de estudante levam-no a iniciar uma intervenção cívica que se prolonga até aos dias de hoje, na imprensa, na administração pública (como vereador da câmara municipal de Ponta Delgada), no ensino (como professor na Escola Industrial e Comercial) e como militante e dirigente político.
Interessado em conhecer os EE.UU, o modo de funcionamento das suas instituições e a diáspora açoriana na América, MB visita pela primeira vez aquele país e as nossas comunidades na Nova Inglaterra no final da década de sessenta, conhecendo diversas personalidades luso-americanas em destaque naquela região, onde é entrevistado por alguns órgãos de comunicação social.
Mas em 1967 dá-se um acontecimento importante e decisivo que é a causa remota de nos encontrarmos hoje aqui reunidos.
É nesse ano que volta aos Açores, de que há muito tempo se encontrava afastado, o Dr. Manuel Sousa de Oliveira, professor, investigador e arqueólogo, a quem fora concedida pela Fundação Calouste Gulbenkian uma bolsa para proceder à recolha de peças do teatro popular açoriano e para efectuar prospecções arqueológicas em Vila Franca do Campo, vila a que MB se encontra especialmente ligado por vínculos familiares e profissionais.
Como os bons espíritos se encontram, Manuel Sousa de Oliveira, ao formar a equipa com a qual montou e dinamizou a Estação Arqueológica de Vila Franca do Campo, teve a sorte de encontrar em MB um dos seus principais e entusiásticos colaboradores.
E é interessante registar como duas personalidades com posições ideológicas tão diferentes e até antagónicas, e por isso aparentemente inconciliáveis, se deram as mãos e sentiram profundamente ligados por um objectivo comum: servir a cultura e os Açores.
Foi a amizade com Sousa de Oliveira e o convívio com este, preenchido com debates constantes e discussões por vezes acaloradas mas sempre afectuosas e frutuosas, que trouxeram à superfície e estimularam uma outra vocação de MB- a vocação para a história - e o levaram a lançar-se na grande e arriscada aventura de escrever uma História dos Açores, baseando-se em ensinamentos e orientações recebidas daquele seu amigo em quem também reconhecia um verdadeiro mestre e cujo legado se empenhou em preservar através da Fundação Sousa de Oliveira que foi criada graças à acção benemérita e eficaz de MB que, cuidadosa e pacientemente, nela tem vindo a reunir e a classificar o espólio do Mestre, grande parte do qual que se encontrava disperso por Viana do Castelo, Caldas da Rainha e Lisboa.
Ao falar de MB e de Sousa de Oliveira tenho necessária e gostosamente de evocar Natália Correia porque foi através de Sousa de Oliveira que MB conheceu e se relacionou com a grande poetisa nossa conterrânea e porque os laços de admiração e amizade que com ela manteve lhe proporcionaram um convívio extraordinariamente enriquecedor com uma das personalidades mais fascinantes da nossa cultura, admirada aquém e além-fronteiras.
Devo acrescentar que Natália Correia, por sua vez, não escondia a amizade e a consideração que tinha por MB.
Estou a ouvi-la exclamar no fim de uma discussão que teve com ele no célebre botequim e durante a qual as posições se extremaram e não houve entendimento entre ambos: «Mas eu gosto muito do MB!».
E é MB quem toma a iniciativa de apresentar à comissão municipal de toponímia a proposta para que seja dado o nome de Natália Correia a uma das novas avenidas da cidade de Ponta Delgada.
Como remate de trinta anos de investigação, surge agora o quarto volume da sua História dos Açores, que é também o último, uma vez que MB prefere incluir em livro de memórias o relato dos acontecimentos posteriores à Revolução de 25 de Abril de 1974.
Não tenho formação na área das ciências históricas, pelo que o meu depoimento sobre esta obra é o de um simples leitor interessado em conhecer a História dos Açores sem pretensões a uma análise académica para a qual evidentemente não estou habilitado. Este quarto volume, bastante maior do que os antecedentes, cobre um período de 39 anos, muito rico em acontecimentos nos planos regional, nacional e internacional. No plano internacional, o período em análise abrange a guerra civil de Espanha, a segunda guerra mundial, a nova ordem mundial subsequente a este conflito, a guerra-fria, a criação da NATO e o movimento de integração europeia.
No plano nacional, é o período de crescimento, apogeu e declínio do Estado Novo, abrangendo portanto os trinta e seis anos de governo salazarista e os seis anos finais de governo marcelista.
É durante ele que Portugal concede facilidades nos Açores aos ingleses e aos americanos em luta contra as potências do Eixo, entra em 1949 na Aliança Atlântica devido à importância estratégica dos Açores, ingressa em 1955 na ONU e é confrontado com o movimento de emancipação dos territórios coloniais que atinge sucessivamente o Estado da Índia, Angola, Guiné e Moçambique.
MB traça um panorama geral da vida açoriana durante aquele período e aponta alguns dos condicionamentos que lhe são impostos pela política do governo da República e pela evolução da conjuntura internacional.
Julgo que nenhum sector de actividade escapou à sua atenção e deixou de ser mencionado nesta obra: agricultura, pecuária, pescas, indústria, energia, turismo, saúde, assistência social, emigração, ensino, obras públicas, transportes e comunicações, portos e aeroportos, justiça, cultura, desporto, actividade religiosa, segurança pública e defesa militar, administração pública e actividades políticas.
Gostaria de salientar e de transcrever passagens de alguns capítulos que respeitam ao Congresso Açoriano de 1938, às Semanas de Estudos realizadas na década de sessenta e ao início do planeamento regional na mesma década.
Escolhi-os, entre a vasta gama de matérias tratadas pelo nosso autor, por estarmos perante iniciativas e movimentos precursores da actual autonomia na medida em que contribuíram significativamente para ultrapassar as limitações da visão distrital dos problemas dos Açores e para a sua abordagem numa perspectiva regional.
Escreve MB quanto ao Congresso de 1938:
«Os mais lúcidos atribuíam à nossa falta de união as dificuldades que enfrentávamos perante o poderoso poder central.
Por isso germinava há muito a ideia de um congresso que unisse todos os açorianos válidos para discutirem os problemas comuns e proporem, a partir de posições unânimes, as respectivas soluções.
Armando Narciso, pedagogo e médico, é a alma da iniciativa que vai decorrer com êxito na Sociedade de Geografia e no Grémio Açoriano.
Hoje parece absurdo que os Açorianos, para se reunirem, tivessem que viajar até à capital.
As comunicações apresentadas foram reunidas num livro editado em 1940 pela Casa dos Açores, em Lisboa, e reeditado em 1995 pelo Jornal de Cultura, em Ponta Delgada pela mão do Professor Medeiros Ferreira.». Fim de citação.
No segundo texto que seleccionei, respeitante às Semanas de Estudos, MB comenta nos seguintes termos essa iniciativa:
«Em Abril de 1961, vai assistir-se nos Açores a um acontecimento cultural que marcou um ponto de viragem e progresso da até aí desorganizada intelectualidade açoriana.
Ao Instituto Açoriano de Cultura coube a glória de iniciar um movimento que haveria de gerar incomensuráveis benefícios para o povo destas ilhas.
Tratou-se das famosas Semanas de Estudo cujo sucesso foi de tal ordem que se repetiram dez vezes através dos anos e sempre com mais prestígio e êxito; quando a última se realizou em 1966 já tudo era diferente».
E mais adiante acrescenta:
«Começa a germinar a unidade açoriana e atacam-se as taxas alfandegárias no comércio inter-ilhas.
Aproveita-se o espírito da unidade açoriana gerado pela II Semana de Estudos e proclama-se que essa unidade só se conseguirá pela união dos interesses açorianos com o livre-trânsito das mercadorias». Fim de citação.
E é nessa década que se inicia o planeamento regional a que, diz o nosso autor, está indissociavelmente ligado o nome de Deodato Magalhães de Sousa. Escreve a este respeito:
«Deodato de Magalhães vai ser o precursor da unidade açoriana promovendo em 1965 uma reunião das nossas Juntas Gerais (até aí viradas de costas umas para as outras quando não se hostilizavam) para preparar pela primeira vez na nossa história o planeamento regional açoriano, tornando-se o verdadeiro criador da Região Autónoma dos Açores consagrada oficialmente pela Constituição de 1976». Fim de citação. Ao concluir este quarto volume da História dos Açores, que tem uma sentida dedicatória a sua mulher, Maria de Fátima, julgo que MB tem a sensação de ter realizado a grande obra da sua vida.
Diz que a fez com gosto e dela obteve um prazer inexplicável e faz votos para que os seus leitores o tenham também.
Felicito-o e presto-lhe homenagem por tê-la realizado contra ventos e marés e associo-me de alma e coração aos votos que formulou. Muito obrigado pela vossa atenção.
5 de Outubro de 2010.
Manuel Pracana Martins

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Golpe de estado

Vivemos num clima que se aproxima do golpe de estado continuado. Dum golpe de estado financeiro-fiscal. Parece que os estrangeiros (que, como se sabe, são todos boas pessoas) olham para Portugal como uma mina, cheia de mineiros pouco espertos, a quem se pode impunemente tirar o ouro sem grandes dificuldades. Levantam-se umas dúvidas, compara-se com a Grécia, assusta-se o pagode e vão daí mais de 7% de juros da dívida pública (ou como se diz agora que perdemos parte da soberania, da dívida soberana). O estado social, criado desde Marcello Caetano, teve impulso com Cavaco Silva, Guterres e Sócrates (estes últimos duma forma mais ambiciosa já que o erário, a Europa, a banca e os mercados o permitiam). Passámos a viver muito acima das nossas posses, principalmente as classes pobres que saltaram para a antiga classe média, com casa, carro, viagens e, em certos casos, com o rendimento mínimo ou lá como isso se chama e porventura com uma piscina, para não falar nos telemóveis (mínimo 2), internet, TVCabo, jogos e o mais que antes os ricos tinham, que o sol quando nasce é para todos. Até a droga passou a fazer parte da dieta dos pobres e, quando o preço dela subiu nos insondáveis mercados onde circula, o estado passou a fornecer metadona não fossem tais cidadãos padecer da respectiva carência. As cadeias encheram-se, o crime contra o património disparou e por aí fora. Tudo corria bem no reino da Dinamarca mas, eis senão quando, um banqueiro americano borrou a pintura por causa dum roubozito que baralhou as contas e pôs a careca à mostra de certa banca nacional sempre seguidista do que de melhor se faz lá fora. Face à tragédia, uniram-se os cérebros do país em busca da salvação em mar revolto? Qual quê! Começaram a brigar como cães. Que os de fora nos ataquem, é de esperar. Que as baratas tontas comecem a disparatar, é que era mais difícil de prever e suportar.
Carlos Melo Bento
2010-11-16

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

No Lançamento do Livro de Victor Lima Meireles

Reverendíssimo Vigário Episcopal
Senhora Presidente da Junta de Freguesia de Água Retorta
Senhor Administrador da Fundação Sousa d’Oliveira, Dr. António Pracana Martins
Senhor Secretário-geral da Fundação Sousa d’Oliveira, Dr. José d’Almeida Mello
Minhas senhoras e meus senhores
Amigo Victor Meireles
O livro que aí está, laborioso e precioso trabalho que reúne os Extractos dos Livros dos Óbitos da Freguesia de Nossa Senhora da Penha de França de Água Retorta, de 1835 a 1905, encerra o ciclo que o poeta e escritor micaelense Victor Meireles se propôs realizar, após a publicação dos Extractos dos Casamentos (1835-1905) e dos Baptismos (1768-1905), já praticamente esgotados.
Os nossos livros paroquiais, a seguir a uma campanha publica que Sousa d’Oliveira encetou na primeira metade do século XX, “Salvemos os nossos Arquivos”, foram arrecadados na Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Ponta Delgada e, a partir deles, Victor Meireles extraiu práticos e cómodos extractos, agora postos à disposição dos interessados.
Aproveitou o autor para, em adenda, publicar os extractos dos Baptismos do ano de 1874 que não foram inseridos no lugar próprio.
Na sessão pública, de lançamento da nova obra, nesta acolhedora Casa do Povo de Água Retorta quero expressar ao Professor Doutor Octávio Henrique Ribeiro de Medeiros, Vigário Episcopal da Ilha de S. Miguel e Pároco de Nossa Senhora da Penha de França, o profundo agradecimento da Fundação Sousa d’Oliveira, pelo estímulo e apoio que Vossa Excelência Reverendíssima deu à obra de que aqui venho falar, pois é sabido que sem esse empenho não seria possível tão útil publicação. Se cada povo se mede pelas obras culturais que produz, Água Retorta está de parabéns pelo exemplo que dá aos outros povos desta Terra.
Vejamos vários aspectos da vida dos nossos avós que transpiram destes extractos que Meireles pacientemente extraiu dos registos paroquiais, facilitando-nos uma tarefa que sem ele seria quase impossível. Comecemos pelos apelidos de família que o passado nos envia, vestígios arqueológicos duma história que só por si prova a nossa existência.
Achadinha
Abelha
Aguiar
Albergaria
Algarvia
Algarvio
Almeida
Amaral
Amaro
Amorim
Arcénio
Arruda
Baganha
Bande/Bondé
Barbeiro
Bento
Bernardo
Bettencourt
Bocheixa
Boliana
Bom
Bondé/Bande
Borges
Botelho
Branco
Cabaça
Cabral
Caetano
Caldeira
Calmeiro
Câmara
Carepa
Carreiro
Carrelas
Carvalho
Chicharro (com Pimentel)
Charamba
Chicharro (com Pimentel)
Corrêa
Costa
Cruz
Dâmaso
Diogo
Esteireiro
Estrela
Farias
Ferias
Ferreira
França
Franco
Frias
Furtado
Furtado
Gamboa
Garalha
Garrafa
Géna
Gonçalo
Gonçalves
Gueiro
Henrique
Jácome
Leandro
Leite
Lopes
Luiz
Macedo
Machado
Mancebo
Marcellino
Marques
Matias
Maurício
Medeiros
Melo
Mendonça
Michael
Milho (um deles Grão de)
Moleiro
Moniz
Mouro
Neves
Nogueira
Pacheco
Pachequinho
Pampoulas com Resendes
Papoula com Resendes
Patacho
Pequenino
Pequeno
Pergil/Pergile
Pimentel
Piorra
Plácido
Ponte
Quarta (com Pacheco)
Ralhão
Ramos
Rapa
Rapinha
Raposo com Branco
Rebelo
Redondo com Pacheco
Rego
Resendes
Rezendes
Ribeiro
Sanglart
Sangrador
Santos
Sardinha
Senra
Silva
Simas
Singular
Soares
Soldado
Sousa
Tabicas
Tacão
Tavares
Teixeira
Tomaz com Cabral
Torres
Valério
Vicente
Vieira
Todo um trabalho de pesquisa espera pelos curiosos nesta coisa do passado de cada família, explicação do que nós somos e, quem sabe, rumo indicado do que seremos.
Mas que fazia esta gente. Vejamos pois as suas
PROFISSÕES
Alfaiate (do Nordeste)
Barbeiro
Cabouqueiro
Cabreiro
Caixeiro
Capitão
Campóneo
Carpinteiro
Castrador
Emigrantes na América do Norte
Esteireiro
Frei (José Boa Viagem)
Frade Leigo
Igresso
Igresso Franciscano
Lavrador
Moleiro
Negociante
Padre
Padre Cura
Pastor
Pedreiro, oficial
Proprietário
Sapateiro
Taberneiro
Telheiro
Trabalhador
Sacristão
Sangrador
Sem profissão
Tecedeira
Vendeiro
Vendilhão
Mas, para além das profissões que já permitem um mundo de conclusões, é também importante verificar o lugar onde as coisas ocorreram, para se ter uma ideia mais precisa da Água Retorta de hoje, pois que esta risonha freguesia não nasceu do nada nem foi a presente geração que a construiu ou a denominou. Chama-se toponímia a ciência que estuda o nome dos lugares, de topos que quer dizer isto mesmo. Os sacerdotes eram muito cuidadosos ao descrever os lugares onde ministravam os sacramentos, com excepção daqueles que não levavam a sério os deveres canónicos, por isso o Ouvidor de Vila Franca lhes puxou as orelhas vezes sem conta. Não que eles parecessem ligar muito a isso, pois continuaram lazeiras até se reformarem, mas que a coisa ficou escrita, não haja dúvidas. Vejamos então a
TOPONÍMIA
Calvo de Santo António, lugar do Nordestinho
Caminho Direito da Lomba da Terra Chã
Caminho do Pico
Canada do Estanqueiro
Canada do Caminho Direito da Lomba da Terra Chã
Canada do Nordeste da Lomba da Cruz
Canada do Poço
Cemitério Público
Espigão, lugar do
Grota da Lomba das Fagundas
Labaçal
Lomba da Cruz (da vila do Nordeste?)
Lomba das Fagundas
Lomba da Terra Chã
Lombo da Terra Chã
Lugar do Mamado da Rocha do Pico
Poços da Terra Chã
Poções da Terra Chã
Ribeira da Lomba das Fagundas
Rocha do Sanguinal onde apareceu morto Manuel Raposo de 21 anos
Rua das Covas
Rua Direita
Rua do Estanqueiro
Rua das Fagundas
Rua da Igreja
Rua do Lombo da Terra Chã
Rua do Marco
Rua do Nordeste
Rua Nova
Rua do Outeiro
Rua do Poço
Rua dos Poções
Terra Chã
Curiosa é também a referência feita à roupagem com que eram vestidos os que partiam. Não tenho a certeza de que isso tinha alguma coisa a ver com o estatuto social daqueles mas a verdade é que dá de pensar a cor e a qualidade do tecido. Ora vejamos
HÁBITOS
Branco
Chita
Linho
Preto
Roxo (para a filha do Capitão)
A par das mortalhas com que as pessoas orientadas pela igreja ou limitadas pelas posses usavam, é curioso referir os trabalhos que os sacerdotes tinham em cumprir o seu dever de registar os últimos momentos dos que partiam deste mundo. Algumas vezes desaparecia o bilhete em que era escrito o acontecimento, outras, era a doença súbita ou o desastre ou acidente que não permitia ministrar mais que a Santa Unção. Outras, a confissão ou penitência era arrancada interpretativamente, quando o estado de saúde do crente só permitia a sinalética corporal.
Por outro lado são referidas várias doenças que vão referidas como as diagnosticaram os bons párocos, um tanto afastados dos rigores científicos da medicina académica.
DOENÇAS
Afonia
Apoplexia
Doença
Escarlatina
Em copos
Evadida pelas ondas do mar onde esteve 2 dias
Febre
Morte repentina/esmagamento/afogamento/queda na rocha
Parlesia (sic)
Parvoíce
Vómitos
Muito interessante é ver que Água Retorta era um microcosmos do país, onde vivia a sua nobreza, que existia e era tratada diferentemente do resto da população, pois apesar do liberalismo ter extinto as diferenças perante a lei, nem os costumes nem a Igreja deixaram de lhes dar um estatuto diferente. Pelo dinheiro, perlo poder ou pela influência, não sabemos. Mas que era diferente não tenhamos dúvidas. Vejamos então
A NOBREZA
D. Antónia Maurícia, mulher de José Francisco Soares d’Albergaria
D. Antónia Maurícia Gago da Câmara casada com Francisco Medeiros Albergaria, e filha de Henrique da Câmara e de D. Maria Isabel da Câmara, da Ribeira Grande
Francisco Soares Gamboa, viúvo de D. Júlia de Medeiros Gamboa, filho de José Francisco Medeiros Gamboa e de D. Antónia Maurício do Rego Câmara
Francisco Teixeira Nogueira casado com D. Maria Josefina do Singular que o sacerdote refere como “não pôde dar matéria de confissão”.
Jaime Soares Gamboa, proprietário, casado com D. Maria Luciana Medeiros Gamboa, natural da Povoação
D. Maria do Carmo Gamboa Albergaria
José Furtado de Almeida casado com D. Isabel Soares Gamboa, proprietário, filho de pai incógnito e de Angelina d’Almeida
D. Maria Henriqueta, 22 anos, mulher de Amâncio Inácio Machado, cujo enterro foi acompanhado de muitos padres e com certidões tiradas em 1870, 83 e 97.
D. Rosa, filha do Capitão José Medeiros e de D. Flora do Carmo, da Lomba das Fagundas
D. Rosa Augusta de Medeiros casada com Luís Raposo de Medeiros, proprietário, e antes com Procópio Machado, proprietário, ela filha de Duarte Soares Gamboa d’Albergaria, e de D. Maria Querubina de Medeiros, só teve filhos do 1.º matrimónio.
Esta classe social merece todo um estudo com interesse, penso eu, para o conhecimento da história das mentalidades, pois os defeitos dessa época ainda hoje perduram, por vezes até, fora do extracto social a que historicamente pertencem as pessoas que deles padecem.
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LONGEVIDADE
De 1835 a 1905 a esperança de vida em Água Retorta foi de 60 anos, facto que não deixa de impressionar, pois é dos mais altos dos Açores e talvez do mundo. Apesar disso, não resisto a sublinhar alguns casos de longevidade notória, referindo aos apelidos das famílias que o conseguiram, sempre que isso foi possível saber.
85 anos Teixeira Nogueira
85 anos Furtado Tabicas
86 anos, homem, (H) Aguiar
88 anos (H) Resendes
88 anos (H) Lopes da Silva
88 anos, mulher, (M) Resende
89 anos (M) Medeiros, doou todos bens e morreu sem filhos
89 anos Raposo, durante o enterro choveu muita água
89 anos Nogueira
89 anos mulher
90 anos homem
90 anos mulher
90 anos Thomas Cabral
90 anos Fagunda, nada tinha
91- anos em 1838
91 anos Raposo Carreiro
91 anos Torres
93 (H) Sousa
93 anos, mulher Correia Medeiros
94 anos, (M) Raposo, faleceu de vómitos
97 anos, v.ª de J Teixeira Nogueira, sapateiro
97 anos, Manuel Furtado Sardinha deixa a terça dos seus bens por sua alma
100 anos Maria de Jesus, de repente!
100 anos João Cabral
Entre 1835 e 1905 faleceram 528 pessoas de 16 anos até aos 100, e 870 crianças desde um dia de vida até aos 15 anos. Entre estas, as expostas e as de pai ou pais desconhecidos formam uma história secreta que vive entre nós e que os estudiosos talvez devessem desvendar antes que o ADN as revele…
Os expostos recebiam do Estado, depois da reforma de Mouzinho, um subsídio que o povo transformou em abono de família em que as autarquias gastavam mais do que em obras públicas. A República acabou com eles mas em Água Retorta, desde 1883 desapareceram.
Na cidade de Ponta Delgada, a casa dos expostos era na rua dos Manaias. Em Água Retorta ponham-nos à porta deste ou daquele, ignorando-se ainda o porquê da escolha. A verdade é que, em Ponta Delgada tinham número e descrição pormenorizada dos pertences.
É curioso que em 1836 morreu apenas uma pessoa em Água Retorta, o mesmo acontecendo em 1863. Naquele ano, houve a Revolução de Setembro em Portugal com a esquerda a subir ao poder, a Rainha casou segunda vez, a Carta foi suspensa, houve uma tentativa de golpe de estado, criaram-se os liceus, e Alexandre Herculano publica a Voz do Profeta. Entre nós foi criada uma escola médica, e promoveram-se as bibliotecas públicas. O que se terá passado de tão interessante em Água Retorta que ninguém sabe? É questão que deixo à curiosidade dos nossos investigadores…
Em 1863, talvez a coisa tenha mais lógica. Camilo publica o Amor de Perdição, os morgadios são extintos de vez, ardem o Banco de Portugal e a Câmara de Lisboa. Aparentemente, ninguém quis perder o relato de tais espectáculos.
Entre nós porém a coisa é mais séria, pois recomeçam os trabalhos da doca de Ponta Delgada, com emprego para milhares, o povo revolta-se contra os novos impostos que vinham a seguir a uma das maiores crises económicas de que havia memória…
E é tudo o que consegui extrair dos extractos de Victor Meireles a quem agradeço mais este serviço prestado à sua terra.
Carlos Melo Bento
Agosto de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Sentinelas

Sr. António Teixeira:
Hei-de defender este querido Povo, custe o que custar e a quem custar. Apesar dos milhões (da Europa) gastos na educação, existem açorianos, que não conhecem uma letra. Nesta crise serão os primeiros a emigrar e adivinha-se os trabalhos que lhes darão. Somos o melhor Povo do Mundo e não aceito que obriguem os nossos filhos, a degradar-se só porque a sua Terra os não preparou devidamente para sobreviver. Sangra o coração ver repatriados, no chão das ruas, bêbados porque ninguém lhes tratou dos papéis como era obrigação. Receberam os 250 milhões das remessas anuais, mas levam taxas por certidões que devem ser de graça! Corri risco de morte, fui preso, perseguido por ser açoriano e querer o melhor para o Povo a que me orgulho de pertencer. Sou neto de emigrante; só alguém distraído pode pensar que ofenda a quem mais amo! Vi avós chorarem por os netos os não entenderem; nem falando. Senti vergonha dos que mudaram os nomes. Não condeno. Ofendeu-se quando critiquei os que nos atraiçoaram nos anos 70, impedindo a emancipação que nos permitia governar-nos sem dependências aviltantes. Se a maioria nos apoiou, houve os que por ódio político tudo fizeram para que ficássemos dependentes de interesses alheios ao povo então esquecido. Mas a História já está a julgá-los e o quase nada que conseguimos e que tanto bem nos trouxe não foi à custa deles mas dos que a tempo e horas viram o caminho. Divulgo a nossa história em conferências, entrevistas, livros e programas televisivos, e só Deus porá fim, à tarefa de os manter conscientes de si próprios, unidos e com a dignidade a que têm direito mas é mentira que tenha pedido dinheiro para movimentos políticos e, se fui à Bermuda e à Nova Inglaterra falar, fi-lo à minha custa. Devemos evitar que o mal se repita, quando uma crise se aproxima, sem a merecermos. A defesa dos interesses açorianos consegue-se quando os açorianos se governarem e tenho tido a felicidade de o tempo me ir dando razão. Até me condecoraram. Se querer que estudem para quando emigrarem não terem que fazer tarefas humilhantes é ofendê-lo, tenho pena mas quem está errado é o senhor. Por vezes, é preciso usar linguagem rude para acordar as consciências. Somos a sentinela deste Povo. Não temos o direito de adormecer no posto.
Carlos Melo Bento

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Perigo Grave

Estão definidos os candidatos para a presidência, questão da maior importância para os Açores e para todos os açorianos. Não é indiferente para nenhum de nós qual deles apoiar, como repetidamente tenho escrito. A maior responsabilidade incumbe aos partidos na indicação do sentido do voto, tradicionalmente vinculativa para os simpatizantes e militantes, sempre ansiosos por ouvir falar quem por dever de ofício sabe mais que eles. É pois uma responsabilidade acrescida a dos seus dirigentes. O Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva quer recandidatar-se (tem sido sempre assim desde Eanes, Soares e Sampaio, a ponto de alguém já ter dito que os mandatos presidenciais duram dez e não cinco anos). Está no seu direito mas nós é que temos não só o direito mas a obrigação de ponderar se o voto nele tem alguma utilidade ou se, bem pelo contrário, é perigo grave. Como primeiro-ministro a ele se deveu uma política anti açoriana insensata. Enquanto esbanjou no continente da república milhões em demasiadas auto estradas, foi duma sovinice somítica para com o povo que votou nele maioritariamente. Não por ele, obviamente, mas pelo líder do seu partido nos Açores, João Bosco da Mota Amaral cuja obra colossal tinha mudado para melhor a nossa maneira de viver e transformado os Açores num lugar de que se deixou de fugir. Mota Amaral pediu que se votasse nele e votou-se. Cavaco Silva pagou-lhe bem, retirando-lhe dinheiro e fazendo com que o maior político açoriano em 500 anos de história, tivesse que demitir-se, para não quebrar a disciplina partidária a que jurara religiosa fidelidade e por ter ficado sem meios de governar. Salvaram-nos Guterres e Sócrates, chamados à pedra por Carlos César. Mesmo assim, já como presidente, humilhou-nos impedindo-nos de ter nome próprio! Quem se enganar agora pagará mais tarde tão insensata escolha.
Carlos Melo Bento
2010-11-02

sábado, 30 de outubro de 2010

Sobre o centenário da República no Nordeste 1910-2010

Conferência proferida na Escola Secundária do Nordeste
Monarquia é, como se sabe, o governo dum só, por graça de Deus, até à Revolução Francesa e daí para diante por mandado do povo que diz quem manda. Na história, os Monarcas aguentam-se ou não conforme as circunstâncias. O nosso que vinha pelo menos desde 1143, acaba assassinado em 1908 – chamou-se a esse crime: o regicídio. Dois anos depois vêm os republicanos e a última Família Real reinante (com o rei impreparado de 19 anos de idade) foge para sempre.
Durante a monarquia, os açorianos foram muitas vezes chamados a altos cargos. Manuel Pamplona Corte Real matemático da Terceira, general do exército, conde Subserra é primeiro ministro de D. João VI (Ministro assistente ao despacho) à volta de 1821.
António José de Ávila, de filho de modesto sapateiro do Faial, forma-se em filosofia em Coimbra e chega a duque de Ávila e Bolama e primeiro ministro de D. Luís.
Ernesto Hintze Ribeiro (1849-1907), filho dum comerciante de Ponta Delgada, doutora-se em direito e chega a primeiro ministro de D. Carlos em 1893.
Começa a sua vida política parlamentar como deputado pelo Nordeste, em 1878, devido à sua amizade com António Alves de Oliveira 1847-1936, a quem se mostrou sempre grato, dotando o concelho com obras muito importantes (Câmara, Viaduto, Farol, estrada da Tronqueira, etc.).
A decadência da monarquia: o regime monárquico foi-se degradando, a partir de determinada altura. Ditados populares traduzem essa degradação que era manifesta na primeira década do século XX: “Pai rico, filho barão, neto ladrão”. Ou este outro: “Foge cão que te faço Barão; mas para onde se me fazem visconde?”.
Não obstante, os titulares foram sempre escolhidos entre pessoas de valimento quer cultural (Visconde Camilo de Castelo Branco), económico, como o Barão da Fonte Bela, ou político como o Visconde da Palmeira: Manuel Jacinto Lopes nascido nesta Vila do Nordeste, na rua com o seu nome em casa que ofereceu ao Município. Muito jovem parte para a Vila Franca, trabalha no comércio, estabelece-se por sua contra e casa com uma viúva muito rica da alta nobreza micaelense, Maria Carlota Moreira da Câmara, Viúva de Arsénio Botelho de Gusmão de quem não teria filhos. Desenvolve a fortuna, e, no ano em que o amigo de seu amigo Alves de Oliveira (Ernesto Hintze Ribeiro) chega a primeiro ministro, fá-lo Visconde da Palmeira, que era já grande benemérito e lúcido político regenerador. Estava ele como administrador do Concelho de Vila Franca do Campo quando chegou a República pelo telégrafo. Logo dá posse ao académico Mariano Arruda e é também aclamado pelo povo. Aderiu a 12 de Outubro à República tornando-se um dos inumeráveis “adesivos” nome porque ficaram conhecidos os monárquicos que rapidamente aderiram à República.
Todavia, não vai ser nordestense o primeiro cidadão nomeado para governar a décima ilha. Com efeito, João Vaz Pacheco de Castro, é o primeiro líder republicano no Nordeste para onde fora há pouco nomeado notário. Francisco Luís Tavares, o novo governador, talentoso advogado do partido Regionalista Micaelense, do grupo de António José de Almeida, encarrega-o de organizar o novo regime neste concelho. Político ousado – caudilho temido, Castro vai chamar para junto de si Horácio Moniz de Medeiros, Francisco de Medeiros Botelho, António Machado Macedo e Jacinto de Medeiros.
Enquanto Francisco Luís Tavares, com Luís Bernardo e Evaristo Menezes se encarregam, em Ponta Delgada, de expulsar as irmãs de S. José de Clunny que dirigiam os colégios femininos mais importantes da ilha e a Sinagoga da cidade faz uma bênção especial ao Presidente da República e ao governo, presidido por Teófilo de Braga, o micaelense que chegara a professor da Universidade e que se torna assim no quarto açoriano a ocupar esse elevado cargo.
A Câmara Municipal do Nordeste resolve então mudar o nome das ruas, táctica usada em todo o país. A Rua da Vera Cruz passa a 5 de Outubro; a do Prior Pereira passa a Cândido dos Reis, o almirante suicida; a do Capitão-Mor toma o nome de Miguel Bombarda que um louco, seu doente, assassinara naquela altura; a Rua do Capitão Machado muda para Machado dos Santos em homenagem ao herói republicano da Rotunda. A multi secular Praça do Município muda para da República e o Largo da Igreja passa a ter o nome oficial de Largo Teófilo de Braga.
Estão por estudar as consequências políticas da implantação da República no Nordeste mas não foi pacífica, obrigando à intervenção duma força militar que se terá demorado mais tempo que o esperado. Comandou essa força o capitão Alfredo da Câmara que foi alvo de chacota dos jornais humorísticos, como O Direito do Povo. Numa secção que intitulava Os impossíveis, este jornal de Ponta Delgada, considerava impossível saber-se como tem passado pelo Nordeste o capitão Choradinho ou impossível não se dar bem nesta Vila pois já tinha mandado fazer um pátio para as galinhas oferecidas. Como era impossível ser preciso continuar por estes sítios o terrível exército, a não ser por uma questão de veraneio. Mas a questão não é essa. No Nordeste tinha sido muito contestado o Registo Civil obrigatório, que até aí era apenas feito gratuitamente na Igreja, e que passa a ser pago.
Há alusões na imprensa da cidade a facciosismos da Câmara Municipal do Nordeste na publicação dos seus anúncios na imprensa local, no que os outros jornais chamam “o caso do Nordeste”.
Manuel Augusto de Amaral, o poeta de Água de Pau, que morava na Ladeira dos Pinheiros, em Ponta Delgada, publica então um poemeto intitulado Pátria Nova, que a Farmácia Duarte tem à venda nesta Vila.
Os nordestenses não ficam parados tentando lutar contra o seu pior inimigo: o isolamento. E a Junta Geral é obrigada a aprovar uma estrada de rodados para o Nordeste, sendo certo que o concurso do lanço Feteira Achada ficou sem empreiteiro concorrente.
Vejamos agora duas importantes figuras da República que nasceram neste concelho e aqui se criaram mas que se iriam transformar nas personalidades mais em destaque da política da 1.ª República nos Açores. Antiga família da Achada, os Francos, chegam ao século XIX, situados na classe média alta. São figuras proeminentes dessa família, o poeta e malogrado sacerdote, Manuel de Medeiros Franco que iria ter um destino misterioso e trágico, que Almeida Mello divulgou num dos seus saborosos livros, e o professor Júlio de Melo a quem certamente ficaram a dever as primeiras letras. A mãe de António e Horácio Franco destinou-os ao Seminário de Angra onde estiveram alguns anos. Todavia não era a sua vocação, tendo através das irmãs conseguido que a mãe aceitasse outro destino para os filhos. Vieram para o liceu de Ponta Delgada estudar e daqui seguiram para Coimbra onde se formaram os dois em direito. Pediram dinheiro emprestado ao Marquês Jácome Correia que pagaram religiosamente próprio e juro depois de formados. Ajudaram ainda no dote das irmãs. Foram ambos notários e advogados e políticos do Partido Republicado Português que ficou na história como partido democrático de Afonso Costa.
O mais velho deles António de Medeiros Franco, 1882-1959, forma-se em 1911; orador eloquente, poeta inspirado (Quando se acorda de um sonho/Feito de Luz e Esperança/É doce o hino risonho/dos beijos duma criança), grande escritor e músico notável, tendo chegado a reger o Órfeon Académico de Coimbra, em Paris.
Deputado (1915/17), Senador da República 1922-1925 (chega a ser convidado para Ministro, lugar que recusou), consegue ampliar os poderes das Juntas Gerais permitindo-lhes vender bens sem autorização prévia de Lisboa para aquisição de material hospitalar. É nomeado Governador Civil de Ponta Delgada em 1917 quando a revolução de Sidónio Pais o afasta.
A escola da Achada tem o seu nome.
Seu irmão mais novo, Horácio de Medeiros Franco, 1888-1952, é ajudado por ele e, segundo promessa feita no leito de morte de seu Pai, terá o mesmo percurso profissional e político. Foi Governador Civil de 1921-1923. Era maçon iniciado em 1914, com o nome secreto de Augusto Conte, da Loja Companheiros da Paz, de Ponta Delgada, onde teve a categoria de venerável no período mais difícil da existência daquela organização clandestina: 1926-1932. Salazar não lhe perdoou a ousadia e acabou castigando-o através dum processo cujos contornos ainda hoje estão por esclarecer.
Foram tão importantes no seu tempo, estes irmãos Francos que os adversários diziam que a Junta Geral que eles dominavam, valia pouco: - Só dois francos, que ao tempo era a moeda francesa.
Gostava, para acabar, de lhes ler agora um decreto forjado pelo jornal humorístico Direito do Povo, que mostra bem o clima da época, na altura em que se deu o contra ataque dos monárquicos e em que tudo parecia incerto, nas hostes republicanas:
D E C R E T O
Considerando, quão funesta foi a monarchia, demolida em 5 de outubro de 1910; e considerando que o novo regimen precisa de uma vez para sempre ficar ficar implantado em Portugal e nas ilhas adjacentes…
Considerando que, para tanto é preciso eliminar tudo o quanto recorde o antigo regímen
“O Direito do Povo, jornal de maior circulação em S. Miguel faz saber que de accordo com o Governo Provisório da Republica Portuguesa, decreta para valer como lei o seguinte:
Art.º 1 – É abolido para todo o sempre a realidade dos factos…
ART.º 2 – O adverbio realmente, passando-se provisoriamente a dizer: democraticamente.
ART.º 3 – Nas escolas fica banido o ensino da prova real…
ART.º 4 – Nos jogos de cartas não podem figurar os Reis, sendo em S. Miguel substituidos pelos democratas: Martins – az de paus, Pedro – de espadas, Amâncio – de ouros, - e Cláudio – de copas…
ART.º 5 – É abolido o real d’agua e todos os Corte Real…
ART.º 6 – Não são válidos desde o presente decreto os nomes Luiz dos Reis, Germano S. dos Reis, Anthero dos Reis e outros, podendo ser substituidos por nomes de revolucionarios.
ART.º 7 – Nas propagandas republicanas não se pode dar vidas ao Sr. Capitão Reis, podendo dizer-se Viva o Sr. Germano Republicano.
ART.º 8 – São abolidas as corôas e os 500 reis passando em S. Miguel a valer 500 Franciscos, Brunos etc…
ART.º 9 – Pelo preceituado no art.º anterior os padres passarão a abrir em vez da dita um R grande quer dizer republica (que diz só Custodi).
ART.º 10 – Pela mesma razão são abolidas as coroas funerárias.
ART.º 11 - Fica proibido d’hoje para o futuro fazer-se corte seja a quem for…
ART.º 12 - As bandas fanfarras tunas, deixarão de ter regentes…
ART.º 13 - Fica banida a epocha do Carnaval por ser o tempo da Reinação.
ART.º 14 – A agua das Lombadas passará a chamar-se em vez da Rainha das aguas a cidadã agua do Salazar.
ART.º 15 – É proscripto para todo o sempre as palavras Deus… santo… e reino dos ceus. Assumindo aquela presidência o Evaristo com a língua de fora.
ART.º 16 – Nos jornaes não se dirá: amanhã realisa… uma conferencia F… mas amanhã Francisca-se… Germanisa-se…Martinisa-se etc.
ART.º 17 –Fica revogada a legislação em contrario.
Que todas as auctoridades façam imprimir, publicar aos jornaes em circulares e fixar nos logares públicos.
Dado na Rua do Gaspar na presença da policia toda, aos 13 de maio de 1911. Pelo Governo Provisorio
O Jornal O Direito do Povo
E agora a sério, transcrevo um anúncio importante do Diário dos Açores de Outubro de 1910:
Aos bons republicanos: vinho de cheiro do melhor só na rua da Louça!”
Tenham um bom centenário.
Carlos Melo Bento - 4 de Outubro de 2010

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Luís Filipe da Cota Moniz

Discurso proferido na festa de despedida do Dr. Luís Filipe da Cota Moniz por Carlos Melo Bento, Angra do Heroísmo, 17 de Abril de 2010.


Começo por agradecer à D. Margarida Andrade a honra do convite para esta bonita e bem organizada festa e o privilégio de poder falar-vos sobre uma pessoa a quem me ligam os indestrutíveis laços da amizade.

Amigos

Já lá vão tantos anos que nem sei quantos são os que passaram sobre o nosso primeiro encontro. Bem mais novos éramos certamente que nem cabelos brancos tínhamos. Tratava-se de erguer o primeiro Conselho Distrital dos Açores da Ordem dos Advogados Portugueses.

Os colegas de Ponta Delgada haviam-me encarregado de os representar na constituição dessa primeira equipa que iria ressuscitar o velho Conselho, extinto nos tempos super económicos do salazarismo. Timidamente, contactei o velho tribuno terceirense com quem há pouco me enrolara em acesas disputas políticas televisivas. Álvaro Monjardino, dez anos mais velho do que eu, mas com uma aparência pelo menos uma década mais jovem; indicou-me dois nomes para esta aventura forense não remunerada mas com altas exigências morais e deontológicas: António Fantasia e Luís Filipe da Cota Moniz.

Aceite o inusitado convite, começou uma colaboração que haveria de desaguar numa amizade sólida, até hoje. Lembro-me com emoção do primeiro cartão que me mandou e que guardo com o desvelo das coisas boas da vida. Lá vamos, dizia ele, servir então estes Açores, “cemitério das nossas ilusões”.

Ao princípio, a frase chocou-me porque os Açores para mim foram desde sempre uma divindade em altar incensado, templo de irmãos de história e geografia, aventura infinita de portugueses antigos para aqui mandados para continuar Portugal, nos confins do mar tenebroso que ajudámos a desvendar.

Abandonados, explorados e ignorados durante mais de cinco séculos, tínhamos seguido de perto as situações na Mãe Pátria a ponto de, por diversas vezes, termos corrigido rumos e ditado soluções ao país inteiro. Sempre esquecidos depois de precisarem de nós, foi preciso arranjarmos uma solução que nos permitisse resolver sozinhos os problemas. E não temos dado má conta do recado. Por isso, ao responder-lhe àquele grito de desânimo apelei aos nossos valores que nos têm mantido amigos desde então.

E foi com esse espírito de servir os açorianos que andámos de ilha em ilha, algumas vezes adiantando do nosso bolso as despesas de deslocação e estadia, reunindo, deliberando, erguendo a advocacia, a mais mal tratada da profissões, mas a mais nobre delas todas, ao patamar a que tem direito entre o concerto das profissões humanas.

Quantos dramas pudemos apreciar e julgar! Quantas soluções arranjámos para situações difíceis e complicadas! Quantas lágrimas enxugámos e quantos gritos de alegria despertámos com bom senso e prudência! É que, aos advogados se pede que emprestem a voz aos que dela não sabem fazer uso. E, muitas vezes, fazem de nós os bodes expiatórios da maldade dos que nem sempre se sabem conduzir dentro das regras do bom comportamento humano e nos usam para a defesa dos seus interesses inconfessáveis.

Não quero com isto dizer que sejamos todos anjos que todas as profissões têm as suas ovelhas negras. Mas há entre a maioria dos advogados, felizmente, gente séria e respeitável, embora nem sempre as pessoas tenham consciência dos trabalhos e das agonias que passamos para lhes defender os direitos e as causas. Quantas noites sem dormir pensando nos problemas dos outros? Quanta canseira e tormentos passamos à espera duma sentença ou dum despacho que teima em não chegar apesar dos esforços? Quantas derrotas inesperadas quando tudo parecia indicar que tínhamos levado a bom porto a causa que com tanta esperança depositaram nas nossas mãos, confiados no nosso saber jurídico e na experiência da barra dos tribunais? Quantas desilusões e decepções nos ofereceram o tempo e as pessoas?

Mas, cansados e esgotados, quanta alegria trouxemos a quem tivemos a sorte de conseguir ganho de causa. E são esses momentos em que conseguimos com o nosso modesto esforço que se faça justiça que nos compensam a espinhosa missão de advogar. E compensam plenamente.

Mas estava eu a falar-vos das nossas reuniões por esse Arquipélago de Deus. Foram tantas as ilhas que calcorreámos em inolvidáveis companhias de colegas que recordo com tanta saudade. O Dr. Manuel Linhares de Andrade, velho tribuno da Horta, príncipe entre os príncipes de educação cuja narrativa empolgante extasiava sem cansaço. Era vê-lo no seu Pico deslumbrante, cicerone documentado de novas e velhas histórias, congregar reuniões magnas com gastronomias de mestres consabidos e tocadores de guitarras encantadores que mitigavam a aridez dos casos que trazíamos entre mãos.

Eduardo de Oliveira, hoje tão doente, sempre preocupado com o dia a dia duma enorme família.

António Fantasia com a sua inteligência viva e permanente preocupação jurídica dos que fazem do direito e apenas dele a sua razão de viver.

Foi a festiva inauguração da nossa sede de Angra com a excitação de quem cumpre uma etapa importante na evolução duma instituição. E paro aqui um pouco para falar se me permitem, nos terceirenses, aqueles que marcaram a fogo a nossa história com tomadas de posição únicas no país cujo destino traçaram a partir deste torrão sagrado. Isso deu aos terceirenses uma tão interessante maneira de ser que não resisto a prestar dela o meu testemunho, tão entranhada ela está no nosso homenageado que me parece servir-lhe como boa luva.

Os terceirenses são o músculo da coragem e audácia da nossa inteligência e cultura colectivas. E têm sempre presente o que nos momentos cruciais fizeram; ora nos tempos sanguinários do Prior do Crato em que a nossa capital histórica foi passada à espada por ter tido a ousadia de permanecer portuguesa quando o resto do País se vendeu ao Castelhano.

Ou nos tempos da revolução liberal em que o País inteiro aclamou o usurpador e Agapito Pamplona, proclamou que, se ele estava ali proclamado, não o estava na ilha Terceira. E o País foi obrigado por essa vontade inquebrantável a banir os que se opunham ao progresso e às luzes do entendimento.

Por isso, Cota Moniz sempre tomou em público ou em privado postura de corajosa frontalidade jamais recuando perante obstáculos que pareciam intransponíveis. Sei que enfrentou aqui a velha questão da rivalidade entre as nossas duas ilhas. Em S. Miguel batia em nós de caras e sem medo. Na Terceira defendia-nos quando tínhamos razão.

E é esta sua postura que me faz permanecer a seu lado quaisquer que sejam as circunstâncias que nos afectem. A unidade dos açorianos é um bem sem preço que todos devemos proteger porque se não estivermos unidos de nada valeremos perante os inimigos poderosos e numerosos que nem precisam estar juntos para serem mais e mais fortes que nós.

Isto não quer dizer que não defendamos os nossos interesses particulares, puxando para a nossa ilha tudo a que ela tiver direito. Mas as nossas divergências devem conhecer tréguas quando o interesse geral estiver em perigo.

Frontalidade, coragem, honradez e lealdade, eis as qualidades do nosso homenageado que o transformaram em objecto de veneração, como homem, como colega e como servidor do estado que o foi sempre com o mais alto espírito de escravo das leis cujo cumprimento porém tem temperado com os meios que a cultura e o bom senso põem ao serviço do homem, pois que as leis se fizeram para os homens e não os homens para as leis, sob pena de se criarem regimes desumanos e implacáveis que não servem de nada nem a ninguém.

Como advogado, temos um jurista competente e um orador inspirado, com a palavra fácil e adequada à descrição rigorosa dos factos e à explanação científica do direito aplicável, tudo servido por um espírito independente insusceptível de subserviências ou lisonjas vãs.

Crítico quanto baste de ideias e de pessoas, sem que isso jamais o tenha levado ao desrespeito por colegas ou magistrados ou funcionários. Mereceu sempre, por isso o respeito geral.

Exigente que sem isso somos empurrados alegremente para um laxismo suicida e tolo. Não é por se facilitar o estudo das questões ou por se aligeirar as soluções encontradas que alcançamos o sucesso. As gerações mais novas têm a natural tendência para achar as exigências de rigor e eficácia como rabugices dos velhos mas acreditem que, se pode haver exageros condenáveis, a total ausência de exigências de qualidade não nos levam a bom caminho, apenas facilitarão a vida aos nossos inimigos que a vida, hoje em dia, mais que nunca, não é vivida no jardim do paraíso, mas é uma luta feroz, numa selva de interesses onde só sobreviverão os mais fortes.

E para que os vencedores não sejam apenas os que sabem fazer uso da força bruta, é preciso reconhecer nos homens, como Luís Filipe da Cota Moniz, que exigem tanto dos outros, como exigem de si próprios, o espaço que merecem as pessoas de bem, portadoras de inteligência viva e de robusta cultura.

Terceirense ilustre, açoriano dos quatro costados, colega leal, amigo precioso, bem-haja pelo seu exemplo, pela sua amizade e por ter enriquecido as nossas vidas com a sua maneira de ser.

Angra do Heroísmo 2010-04-17
Carlos Melo Bento

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Constipações

O deputado comunista Aníbal Pires defendeu que os açorianos não deveriam sofrer os efeitos das medidas decretadas para debelar a grave crise que atormenta o país porque não contribuímos para ela. E tem toda a razão; disseram-no os autonomistas de 1895 pela voz de Mont’Alverne de Sequeira, disse-o este vosso criado na crise de oitenta e di-lo agora o porta-voz dos comunistas açorianos. Tivemos sempre razão. Apesar de irritantes desacertos de que padecem todas as Administrações, que aparecem como nódoas no melhor pano, a verdade é que os governos açorianos têm governado com bom senso e equilíbrio, sem desperdícios, conseguindo que o nível de vida seja incomensuravelmente mais elevado que o dos antigos regimes (monarquia, república e estado novo). Se assim é, afora a Administração centralizada (justiça, defesa etc.), para sermos justos, não devíamos pagar a factura que, bem vistas as coisas, não nos pertence. Claro que para Pires apenas importa os trabalhadores (no que parece não incluir os patrões, vistos por ele como uma corja de mandriões que nada faz senão explorar aqueles). Bem sei que de quando em vez, lá fala nas pequenas e médias empresas com alguma simpatia mas isso só para não alienar os pequeno burgueses que na revolução sempre são de alguma utilidade. Falo na posição de Pires sobre a crise porque parece que é a primeira vez que o seu partido toma uma atitude que toma em conta os açorianos como uma realidade diversa e isto (se ele não for entretanto mandado para a Sibéria!) é um avanço colossal numa mentalidade sempre fechada à nossa realidade histórica e geográfica (por esta ordem). Saúdo pois os ventos da mudança no partido de Lenine pois que, por uma janela aberta num dos extremos da casa pode entrar uma constipação benigna que infecte outros recantos menos extremistas.
Carlos Melo Bento
2010-10-25

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Mudar

Causaram estranheza as notas das nossas escolas quando comparadas com as dos restantes estabelecimentos de ensino do País. Foram humilhantes, inesperadas, embaraçosas. Mas o que correu de errado? Foram os programas? Foram os professores? Foram os alunos? Foi a nossa sociedade laxista e computorizada com os meninos agarrados à Internet de manhã à noite e os pais nas tintas, no afã de darem tudo aos meninos sem nada pedirem em troca? Vai lá saber-se. Mas alguma coisa tem de ser feita de imediato, porque se nós perdermos a juventude, está tudo perdido. Bem podemos arriscar a vida e a liberdade que será tudo em vão, porque se os nossos filhos tiverem piores notas que os filhos dos outros, não tenham dúvidas que vão ser criados destes. Nem vale a pena pensar que a emigração é a escapatória do costume para a nossa impotência, porque ir para o estrangeiro sem instrução é condenarmo-nos a ir limpar as retretes dos outros e mais dois empregos para mandarmos os filhos para a Universidade, de onde saem com vergonha do nosso estatuto social, mudando os nomes para Franks e Rogers e não falando a língua pátria para não haver misturas com os green horns que é a alcunha que dão aos que não se fingem logo americanos ou canadianos. Sejamos justos, ganhar mais com trabalho escravo e estatuto de estrangeiro pouca felicidade dá a quem chora a tristeza do afastamento que nem todo o dinheiro deste mundo compensa. Há que concertar o que está mal no ensino e nas nossas casas. Há que exigir mais de todos: políticos, professores, pais e alunos. Muito mais. De que vale termos instalações escolares modelo, com tudo o que há de mais moderno e pedagógico, se ninguém aprende o suficiente? Somos tão bons ou melhores que os outros. Que rolem cabeças que se imponham sacrifícios de toda a sorte mas que se mude isto que não está nada bem.
Carlos Melo Bento
2010-10-19

domingo, 17 de outubro de 2010

Homenagem à Soprano Açoriana Eulália Mendes

Senhora Presidente da Câmara Municipal, Dr.ª Berta Cabral
Senhor Vereador para a Cultura José Andrade
Senhor Secretário-geral da Fundação Sousa d’Oliveira, Dr Almeida Mello

Senhoras e Senhores

Eulália Maria Arruda Arraial Bettencourt Mendes nasceu na Praia da Vitória, a então risonha vila da nortenha da celebrada Ilha Terceira de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Seu pai Manuel Arraial, aqui presente com uma saúde de ferro nas suas quase 99 Primaveras e apaixonado músico micaelense de Vila Franca do Campo, onde foi inesquecível maestro da gloriosa Banda União Progressista, iniciou a filha querida na arte de Euterpe, uma das nove musas filhas de Zeus, o rei dos deuses e de Mnemósine, aquelas mesmas que presidiam às artes liberais.
A jovem Eulália receberia mais tarde aulas de piano da professora Maria Letícia Mourato. A partir daí, o belo canto falou mais alto e, no Conservatório Regional de Angra do Heroísmo, entrou Eulália na Classe de Canto da professora Luísa Alcobia Leal. Em 1990, após vários anos de apurado labor, prestará provas de exame no Curso Superior daquela prestigiada instituição e obtém a elevada classificação de 19 valores na licenciatura.

A sua preparação musical não parou pois vai então trabalhar com as consagradas professoras Helena Pina Manique, Joana Silva, Cristina Castro e Liliana Bizinech ao passo que frequenta a Master Class dirigida pela internacionalmente famosa Ileana Cotrubas.

Os Açores são então o seu palco privilegiado, participando em todas as ilhas em concertos e recitais e, como solista, colabora com vários agrupamentos corais e instrumentais.

Em 1992 realizou, em Lisboa e Porto, os recitais de lançamento do livro do grande mestre da música portuguesa, Lopes Graça. Não foi por acaso que Eulália Mendes foi a escolhida para abrilhantar essas cerimónias com a sua inimitável interpretação da “Lira Açoriana”.

Foi muito aplaudida a sua actuação no concerto integrado nas cerimónias de comemoração do 25º aniversário da geminação de Angra do Heroísmo com Tulare, na Califórnia, em que Eulália Mendes, foi acompanhada pela Orquestra Sinfónica daquele condado americano, em que cantou as “Trovas”, êxito que foi repetido em Visalia, com a mesma orquestra.

Ficou também na história da música açoriana a sua participação nas I Jornadas Musicais sobre Francisco de Lacerda, no 1º. Ciclo do Órgão dos Açores e na série “Concertos no Palácio” na sede do Governo Açoriano em Santana.

A sua carreira atingiu um dos pontos mais altos quando integrou a representação açoriana à EXPO98 realizando, acompanhada pela consagrada pianista açoriana Ana Paula Andrade, no Dia dos Açores, em que realizaram um recital de canto e piano integralmente preenchido com obras de poetas e compositores açorianos.

Como solista, interpretou a “Missa de Santa Cecília” de Charles Gounod, dos “Stabat Mater” de Gioachino Rossini e Giovani Battista Pergolesi, do “Requiem pro defunctis” de Domenico Cimarosa, da “Missa brevis em Sol maior” KV140 de Wolfgang Amadeus Mozart e do “Oratorio de Noël” de Camille Saint-Saëns.

Nos concertos e recitais que efectuou foi acompanhada por Ana Paula Andrade, Antoine Sibertin-Blanc, António Duarte, António Teves, Cristiana Spadaro, Dora Vidack, Duarte Rosa, Galina Bolkovitinova, Gustaaf Van Mannen, Jannen Hoffman, Les Bundy, Lúcio Medeiros, Luís Loura, Margarida Magalhães de Sousa, Maria João Carreira e Svetlana Pascoal.

Actuou ainda, em diferentes projectos musicais, com as Orquestras de Câmara, da Academia Musical da Ilha Terceira, da Câmara Municipal de Ponta Delgada e Horta Camerata, da Orquestra Clássica da Madeira, Tulare County Shymphony e Banda Militar dos Açores e com os Coros Padre Tomás de Borba da Academia Musical da Ilha Terceira, dos Conservatórios de Angra do Heroísmo e Ponta Delgada, Coral de S. José e da Associação Musical Edmundo Machado Oliveira e First Baptista Chorus, da Califórnia.

Por deliberação de 2 de Junho de 1999 a Câmara Municipal da sua cidade natal agraciou-a com a medalha de Valor Cultural e espero bem que não tenha sido a última, pois senhora Presidente, a cidade que escolheu para viver pode bem conceder-lhe o galardão que o seu enorme talento artístico merece.

Depois de, entre 1985 e 1990, exercer funções de animadora pedagógica de Música na Secretaria de Educação e Cultura, leccionou durante 5 anos Expressão Musical no Departamento de Ciências da Educação da Universidade dos Açores.

Tenho por Eulália Mendes a admiração devida à mais maviosa voz açoriana do seu tempo. Mulher encantadora cantou e encantou nas cerimónias religiosas dos casamentos dos meus filhos em 1995, na histórica Igreja de Santo André de Vila Franca do Campo, em 1996 na reconstruída ermida da Mãe de Deus de Ponta Delgada e, em 1999, na Capela Real de S. Pedro desta cidade, e mais tarde no baptizado do meu neto mais velho, meu homónimo, nesta mesma Capela. Já em 2009, quando celebrámos o centenário de meu Pai, Alfredo de Melo Bento, foi a sua voz que se ergueu na Matriz de Vila Franca do Campo, a Igreja dos nossos antepassados (dos dela e dos meus) enchendo as nossas almas da alegria que só o belo canto transmite. A divina voz desta soprano maravilhosa transformou, simples cerimónias religiosas, em momentos altos das nossas vidas em que todos nos sentimos mais perto do criador em momentos cruciais das nossas breves existências.

É certo que os artistas que a acompanharam em tais actuações partilharão naturalmente dos louros alcançados mas a ela se ficou a dever a mais alta expressão musical atingida pelo trabalho dessas harmoniosas equipas.

Ainda se não me apagaram da memória as lágrimas que choramos, aquando da missa de requiem por um colega advogado faialense que desapareceu tragicamente no desastre aéreo de S. Jorge, tal foi o sentimento e a perfeição que a sua voz magoada atingiu em tão triste ocasião. Nunca se tinha ouvido nada assim e temo mesmo que nestas ilhas nunca mais se torne a ouvir coisa tão comovedora.
Por último, queria dizer que a Fundação Sousa d’Oliveira se orgulha de conceder ao soprano Eulália Maria Arruda Arraial Bettencourt Mendes o diploma de membro de honra, da sua classe das artes, cujo diploma gostaria que lhe fosse entregue nesta cerimónia pela senhora Presidente da Câmara já que quis com a sua presença premiar a maior cantora açoriana.
Obrigado a todos.
Carlos Melo Bento
2010-10-15

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Sublime

Foi muito agradável saber que o PSD de Berta Cabral decidiu finalmente avançar com uma proposta autónoma de revisão constitucional que, por os interesses do Povo Açoriano o imporem, fica a divergir do restante partido. Não deve ter sido coisa fácil mas aí está: a afirmação de que a autonomia não é uma figura de retórica ou um pretexto desonesto para impedir o normal desenvolvimento dum Povo que começou por ser o mesmo mas que, transplantado para território distante, teve e tem um destino diferenciado. A autonomia é isso mesmo, é a manifestação do querer colectivo que garante a sobrevivência do que é autónomo, nos termos em que este achar adequado, oportuno e conveniente. Graves responsabilidades tem esse partido na forma e conteúdo da actual autonomia. E, pese embora que não unanimemente acolhida por todos os açorianos, a verdade é que foi ela a vencedora e que, apesar de tudo, tem feito caminho. E mal era, quando o PS finalmente no poder, percebeu o espartilho em que as suas cúpulas o tinham apertado nos anos setenta, impedindo-o de plena realização agora, e se lança numa saudável iniciativa de colocar as instituições e as leis ao nosso serviço ( e não o contrário ), que o PSD não avançasse rapidamente para o patamar, livre de instituições colonialistas, e de proibições tutelares humilhantes e antidemocráticas que foi a sua pedra de toque primordial. É um passo de gigante e podemos gabar-nos de termos assistido a mais um momento histórico da nossa vida política, em que se abre pela primeira vez a porta para o sonho de Mont’Alverne: a frente imbatível de todos os deputados insulares. É ainda uma lição para o país e para o mundo, de que a política pode ser sublime quando a servem seres de excepção.
Carlos Melo Bento
28.09.2010

sábado, 28 de agosto de 2010

MALES, BARULHOS ESTIVAIS E PRISÕES

MALES

Começaram as hostilidades para a presidência da República. Desde o liberalismo que, oficialmente, o chefe do estado apenas exerce uma função moderadora. Dá um puxão de orelhas aqui, chama um nome ali, um empurrão acolá... Oficialmente, porque, na prática, é o mais importante cargo político. D. Maria II impediu que certo político fosse nomeado primeiro-ministro que falara mal do pai, D. Carlos dissolveu Cortes, nomeou ditadores, até lhe darem cabo da vida e do regime. Américo Thomaz impediu Marcello Caetano de evoluir para a democracia e deu cabo do regime, o que era o menos; e do país, o que foi o pior. Depois da Revolução, são sem conta as intervenções do poder moderador que tudo alteraram. O de hoje não é diferente, já que as suas intervenções fazem funcionar mecanismos, de duvidosa legitimidade democrática mas eficazes. Por isso, não nos é indiferente a pessoa escolhida para o cargo. Basta uma sentença, irrecorrível (que país este em que meros juízes nomeados por critérios políticos de ocasião mandam mais que o próprio poder legislativo!), para que os açorianos não possam reconhecer-se como povo que efectivamente são? Cínica autonomia esta que dá com uma mão e tira com a outra. Os açorianos votantes ainda constituem um corpo eleitoral de respeito se votarem num só sentido. Divididos como se fizessem parte do mesmo campeonato (e não fazem, por mais que isso lhes doa) o seu peso é inócuo que o mesmo é dizer, não conta para nada. Por isso, chegou, penso eu, a altura de revermos a nossa postura se quisermos aspirar a alguma felicidade na nossa própria terra, deixando de ser aqueles que todos enganam e de que se riem, por detrás das costas; temos de escolher o candidato que nos sirva, mesmo que não vamos com a cara dele. Cunhal não mandou tapar a cara de Soares, para que Freitas não fosse eleito? É que, no meio da desgraça, um mal menor é melhor.
Carlos Melo Bento
2010.08.23
BARULHOS ESTIVAIS

Ruidoso saneamento de zona balnear, em Agosto, é descuido imprudente para não dizer pior. 12 meses tem o ano, e logo se escolhe o que toda a gente tem de gozar férias para dar cabo do silêncio das 8 da matina até às 5 da tarde? A culpa não foi da autarquia nem do empreiteiro mas do Tribunal de Contas. Do Tribunal de Contas! Esta justiça não tem remédio. O Tribunal de Contas encontrou uma coisinha e, essa coisinha levou dois meses a reparar. Esta justiça não acerta nem quando está parada nem quando anda! Claro que os dois meses foram até rápidos demais, conhecida como é a velocidade da burocracia nacional. Mas, Agosto!?! Vamos a ver se, entre o barulho da betoneira, o arranque e trabalho da Caterpillar (ou catrapilha, como cá se diz) e o trabalhar da estridente serra de pedra, se consigo falar doutra coisa que me atazana o miolo há tempos. Isto se o homem do cilindro parar um bocadinho a infernal máquina. Trata-se do Campo de S. Francisco, durante décadas chamado da República (o que agora seria mais apropriado). Quis o Bispo D. Manuel consagrar aquele espaço como Santuário, tal a devoção com que o nosso Povo o frequentava, todo o ano e, em especial, durante as grandiosas Festas do Senhor. Por ali, rios de lágrimas e algum sangue derramaram almas piedosas em cumprimento de promessas ou em penitência, na esperança que Antero não teve. É a todos os títulos um lugar sagrado. Mais do que a concorrência desleal, atentado ao ambiente (as bebedeiras imorais, vómitos nojentos) e o ensurdecedor batuque da pseudo música que por ali se toca até desoras, parece que a falta de respeito por um lugar dedicado por tantos de nós à oração e penitência, obriga à revisão oportuna do destino que lhe foi dado. Admiro e respeito muito a nossa Presidente da Câmara mas parece errado. Numa cidade tão grande, certamente haverá lugar mais adequado para animar os que gostam daquilo.
Carlos Melo Bento
17.08.2010
PRISÕES

As estatísticas dizem que mais de dois mil portugueses estão presos no estrangeiro. Quantos desses desgraçados serão açorianos é o que ainda se não sabe. Mas era bom que o Ministério dos Negócios Estrangeiros nos dissesse se há algum que necessite dos nossos cuidados. “Somos um Povo que quer ser respeitado”, gritou-se então, e, para isso, é preciso que em primeiro lugar nos demos ao respeito. Somos, como os portugueses de antanho, aventureiros dos sete mares, corre-nos nas veias o sangue dos Dias, dos Cabrais e dos Gamas e muitos de nós só sentem prazer e realização pessoal com as viagens por terra e mar. Em suma, gostamos de nos meter em sarilhos. Daí que é fácil calcular que, dos presos em terra estranha, estejam alguns dos nossos. Inocentes ou culpados, tanto faz pois que são do nosso sangue e compete-nos olhar por todos os que, sendo nossos, de nós precisem. Se não contarem connosco não podem contar com mais ninguém. Por aqui vem outra questão que venho levantando há trinta anos. Trata-se das relações directas com o estrangeiro, no nosso interesse exclusivo. Quando Natalino de Viveiros era Secretário, houve uma tímida tentativa de controlar o comércio externo e, durante alguns meses, a coisa funcionou até que os “intermediários” do costume se intrometeram e lá fomos proibidos de governar esse nosso importante factor de desenvolvimento, pela odiosa tutela centralista. Importações directas é coisa impensável (para eles) pois, como os bens têm de circular livremente no País, Lisboa perdia o controlo e, portanto, não. Resultado, uma boa parte da riqueza que poderíamos gerar deixou de o ser. Assim, a autonomia, tal como está, é mais colete do que alavanca do progresso. Outra questão é a Base e ainda outra a Diáspora. Nada nem ninguém se deve poder intrometer entre nós e tais assuntos. Senão, a autonomia não passa duma farsa.
Carlos Melo Bento
2010-08-10


terça-feira, 10 de agosto de 2010

Prisões

As estatísticas dizem que mais de dois mil portugueses estão presos no estrangeiro. Quantos desses desgraçados serão açorianos é o que ainda se não sabe. Mas era bom que o Ministério dos Negócios Estrangeiros nos dissesse se há algum que necessite dos nossos cuidados. “Somos um Povo que quer ser respeitado”, gritou-se então, e, para isso, é preciso que em primeiro lugar nos demos ao respeito. Somos, como os portugueses de antanho, aventureiros dos sete mares, corre-nos nas veias o sangue dos Dias, dos Cabrais e dos Gamas e muitos de nós só sentem prazer e realização pessoal com as viagens por terra e mar. Em suma, gostamos de nos meter em sarilhos. Daí que é fácil calcular que, dos presos em terra estranha, estejam alguns dos nossos. Inocentes ou culpados, tanto faz pois que são do nosso sangue e compete-nos olhar por todos os que, sendo nossos, de nós precisem. Se não contarem connosco não podem contar com mais ninguém. Por aqui vem outra questão que venho levantando há trinta anos. Trata-se das relações directas com o estrangeiro, no nosso interesse exclusivo. Quando Natalino de Viveiros era Secretário, houve uma tímida tentativa de controlar o comércio externo e, durante alguns meses, a coisa funcionou até que os “intermediários” do costume se intrometeram e lá fomos proibidos de governar esse nosso importante factor de desenvolvimento, pela odiosa tutela centralista. Importações directas é coisa impensável (para eles) pois, como os bens têm de circular livremente no País, Lisboa perdia o controlo e, portanto, não. Resultado, uma boa parte da riqueza que poderíamos gerar deixou de o ser. Assim, a autonomia, tal como está, é mais colete do que alavanca do progresso. Outra questão é a Base e ainda outra a Diáspora. Nada nem ninguém se deve poder intrometer entre nós e tais assuntos. Senão, a autonomia não passa duma farsa.
Carlos Melo Bento
2010-08-10

sábado, 31 de julho de 2010

Common Law

O Supremo Tribunal Federal americano é dos mais prestigiados tribunais do mundo, pela forma como é constituído, porque os seus Juízes são nomeados vitaliciamente pelo Presidente de entre os mais conceituados juristas e confirmados pelo Congresso, e ainda porque o sistema judicial parte dos tribunais para os professores das universidades e não o contrário como acontece connosco. Cá, os professores estudam nas suas torres de marfim e, depois, debitam o seu saber sobre os estudantes que, feitos legisladores, juízes ou advogados, os transformam em leis, sentenças ou pareceres. Lá, os Juízes estudam os casos, procuram os princípios de direito que lhes permitem julgar com justiça e, é dessa aplicação que a família jurídica retira os ensinamentos. Daí uma figura que entre nós não existe que é o precedente. Se um tribunal superior julgou de determinada forma, é muito difícil, de futuro, alterar essa orientação, o que empresta ao sistema uma segurança de que nenhum outro goza. Não vou tirar partido por um ou outro dos sistemas porque isso é uma discussão sem fim mas gostaria de partilhar a questão dos repatriados, já que o Supremo americano decidiu que não era correcto repatriar um emigrante legal por delitos menores mesmo que a sua condenação envolva droga. Nunca esperei outra coisa desse areópago prestigiado. Mas, é preciso quanto antes tirar daí as consequências devidas. Estamos com mil desgraçados que, sem raízes vivem num inferno e fazem outro da nossa vida. Como defendi desde sempre, temos que manter advogados criminais nos Estados Unidos preparados para lutar contra esses repatriamentos que são anti naturais, injustos e impróprios duma sociedade civilizada. Nem é preciso lembrar aos americanos que aqueles que lhes permitem aqui uma base militar não solicitada, têm o direito de ser tratados com mais favor do que os que se limitam a saltar-lhes a fronteira.
Carlos Melo Bento
2010-07-27
É Portugal, estúpido!
Um grande editorialista que escreve todos os dias num dos maiores diários portugueses, tentou interpretar a expressão usada pelo presidente Lula, de que certa empresa continuaria brasileira da Silva, como sendo de facto, brasileira. Infelizmente, os portugueses não percebem nada de si próprios. A expressão usada em todo o vasto Mundo Português, tem um significado único que não pode ser traduzido para qualquer outra língua. Estranho é que os portugueses da península precisem de a interpretar. Não perceberam nada da gigantesca obra dum pequeno Povo, genial, que descobriu metade do Mundo e para lá mudou parte de si próprio, com armas e bagagens e genes. Esse operário que se fez a si chefe do estado da maior colónia de portugueses (são cerca de dois milhões), limitou-se a ser português, que ali se chama, porque nós assim o quisemos, Brasil. Não mudou a essência. Mudou o nome. Mas continuou da Silva. Como os Açores são da Silva e a Madeira, e Cabo Verde, e Moçambique e Angola e Guiné, e Goa, e Timor. Como a metade do Mundo que descobrimos e repovoamos é um tudochinho grande, fomos-lhe dando diversos nomes para nossa orientação geográfica. Portugal ali chama-se Brasil e aqui, Açores, mas é tudo da Silva. Goste-se ou não. Eu gosto! Um Povo minúsculo que leva a efeito na História do planeta uma epopeia tão gigantesca que multiplica centenas de vezes o seu próprio tamanho é obra! Que o Zé da esquina o não perceba, tudo bem. Mas um dos maiores editorialistas? Ainda por cima vindo dum desses bocados repartidos!?! Mas não admira, as luminárias que mandaram regressar D. Pedro do Brasil, porque não tinha nada que lá estar a defender fantasias de auto governo, que nós em Lisboa é que sabemos, apressou o inevitável, com a agravante de ter atrasado décadas o entendimento dos vários membros do mesmo corpo.
Carlos Melo Bento
2010-07-31

terça-feira, 20 de julho de 2010

Vão Bugiar

Duas estranhas coisas ocorreram esta semana. Recebi um email dum ilustre desconhecido que quer à viva força conceder-nos a independência, devido aos altos custos e prejuízos que os Açores provocam a Portugal e o remetente está farto de nos pagar a paparoca. A outra foi uma notícia publicada nos nossos periódicos, pela qual se ficou a saber que a nossa Universidade dá um prejuízo enorme aos cofres do Estado. É até a universidade que mais prejuízo dá aos ditos, de entre todas as outras escolas superiores. Para a coisa parecer ainda mais feia, não dizem qual é o prejuízo total (porque isso daria vontade de rir se comparado), apenas revelam o que percentualmente gasta cada aluno. E pensar que o juro do dinheiro que nos gamaram da venda dos bens das Misericórdias, com que montaram lá o caminho-de-ferro, ainda rendia o suficiente para justificar o que a base das Lages não lhes dá em brinquedos bélicos e alcavalas, e o mercado paralelo, e os invisíveis, e o jogo, e outras coisinhas que o melhor é estar calado, vêm agora os do ensino sangrar-se em saúde contra os esbanjadores açorianos que querem ser gente como eles. Não têm dinheiro não estudam! Não têm posses para tirar um curso universitário, vão trabalhar para a universidade da vida que sempre sai mais barato e ainda são capazes de render algum. Estas notícias que com irritante e pouco inocente regularidade são enviadas para os nossos jornais e religiosamente publicadas sem qualquer crítica ou desmentido, destinam-se a criar em nós a ideia peregrina de que somos uns pobretanas que só vivemos como vivemos porque os perdulários centralistas nos dão dinheiro para sobreviver e, quando a fonte secar, vamos todos para a miséria pedir esmolas à porta da Sé de Lisboa. Vão mas é bugiar que se faz tarde e o calor aperta.
Carlos Melo Bento
2010-07-20

A Escritora Cândida Arruda Botelho

Senhor vice-Presidente da Câmara
Escritora Cândida Arruda Botelho
Minhas Senhoras e meus senhores

Gostaria de começar por sublinhar a presença do senhor vice presidente nesta cerimónia e o significado que temos de retirar desse facto, pois que os poderes públicos raramente dão o seu apoio a iniciativas culturais desta natureza. Apraz-me registar a postura diferente da Câmara de Ponta Delgada que vem acarinhando com cuidado e atenção tudo o que diz respeito à nossa preciosa cultura, o único bem verdadeiramente valioso que a humanidade conquistou à natureza, e faço votos para que a promessa da Senhora Presidente, Dr.ª Berta Cabral, de conseguir para esta Biblioteca uma estrutura física que satisfaça melhor as imensas iniciativas que aqui têm tido lugar, tenha a sua concretização a breve trecho.
Agradeço ao Dr. José de Almeida Mello, digno e dinâmico director desta Biblioteca Municipal, a gentileza deste convite para apresentação do livro de Cândida de Arruda Botelho, D. Pedro I Navegando Pelos Açores, oportunidade que aproveito para falar dum problema histórico ligado à Família da escritora, nesta ilha, onde, por volta dos anos 40 do século XV chegou o primeiro e mais ilustre dos Botelhos açorianos, que Canto da Maia esculpiu em bronze e que o grande benemérito Visconde Botelho, José Honorato, ofertou à primeira capital de S. Miguel.
Com efeito, Gonçalo Vaz Botelho, o Grande, por o ser de corpo e alma, era filho de Pero Botelho, Comendador-mor da Ordem de Cristo. Convém aqui esclarecer que a Ordem de Cristo, em Portugal herdeira da Ordem dos Templários que o Papa extinguiu, era a mais importante, rica e poderosa das Ordens Militares portuguesas, à qual presidia o Infante em pessoa. As outras Ordens eram as de Avis, Santiago de Espada e Crato (esta apenas um priorado teoricamente dependente da sua congénere espanhola) que, obrigadas a manter cada uma pelo menos cem cavaleiros combatentes, e seus cavalos de batalha, constituíram no Alentejo uma formidável e imbatível muralha humana no tempo da reconquista. Os Mestres e Priores destas Ordens foram sempre poderosas figuras geralmente da Família Real.
Ora, o Chanceler mor da Ordem de Cristo era uma espécie de general e certamente o mais poderoso deles. Num tempo em que isso era decisivo, ser-se filho dele não era coisa de pouca monta e por isso, o Infante, Mestre da Ordem, o enviou a povoar S. Miguel, ilha que por ter sido descoberta por Gonçalo Velho lhe foi dada e aos seus sucessores.
Gonçalo Vaz Botelho, por ser tão abalizado fidalgo e muito favorecido na casa do infante D. Henrique, recebeu esse encargo (com outros fidalgos) para o fazer, de sua nobre geração. Aqui onde chegou dez anos depois do descobrimento, trazia consigo sua mulher já grávida do primeiro micaelense, e dela teve pelo menos mais quatro filhos.
De todos os primeiros habitantes que desembarcaram na Povoação ele era o mais velho e tinha muita autoridade entre eles.
Assim, não há dúvida portanto que Gonçalo Vaz Botelho, que era Fidalgo de “marca”, foi um dos principais povoadores desta ilha de S. Miguel, e foi tão feliz aqui que chegou a ter duzentos moios de renda. Dos cinco filhos homens (porque das filhas nada diz Frutuoso), o quarto chamava-se João Gonçalves Botelho, foi casado com Isabel Dias da Costa, de que houve os filhos seguintes, João de Arruda da Costa, morador em Vila Franca, homem muito principal e rico, nesta ilha, o qual casou com Catarina Favela, natural da ilha da Madeira, irmã de Margarida Mendes, da cidade da Ponta Delgada; se calhar é deste filho que descende a nossa escritora, pois os outros filhos, Pero da Costa, deitou-se ao mar para sustentar Arzila e a filha, Maria Roiz, casou com Rui Martins Furtado, de que houve dois filhos, grandes de corpo, muito valentes, discretos, músicos e bons cavaleiros. Os Arrudas da Costa foram uma das mais poderosas famílias açorianas e mesmo assim não escaparam ao destino brasileiro que arrastou para a sua infinita imensidão milhares de açorianos, ora à busca de ouro ora de aventura.
As armas, dos Botelhos, símbolo que distinguia, nesse tempo, as famílias mais importantes umas das outras, foi portanto e também o dos seus descendentes, têm o seu brasão, e são as seguintes: um escudo com o campo de ouro e quatro bandas de vermelho; elmo de prata aberto, guarnecido de ouro; paquife de ouro e de vermelho; e por timbre um meio leão de ouro, banda de vermelho, e alguns têm por diferença uma merleta de prata. Os primeiros descendentes dos primeiros povoadores foram homens poderosos, ricos e abastados, e tiveram grandes casas, vivendo à lei de nobreza, com cavalos, criados e escravos, e grande família.
O problema que sujeito à vossa consideração, consiste nas relações entre Gonçalo Vaz Botelho e o Capitão do Donatário.
O primeiro Botelho não chegou aqui sozinho; com ele vieram outros fidalgos, dos quais, refiro, Gonçalo de Teve Paym, filho Gonçalo Dornelas Paim, que veio para esta ilha mandado pelo Infante, a cuja casa pertencia, que lhe deu grandes poderes para repartir e dar terras, e com o cargo de almoxarife (uma espécie de Director de Finanças), que foi o primeiro a desempenhar; portanto foi este Paim e não outro com o Capitão, em nome do Rei, quem fazia as dadas das terras e a repartição delas.

Gonçalo Botelho, portanto, apesar de ser o mais importante dos povoadores e a ele ter sido concedido um rendimento enorme, não aparece com o importante cargo de dar terras e apenas (o que não era pouco) com o de ouvidor do capitão da ilha. Com poderes para dar terras só o Paim e o capitão do donatário, ou seja, Gonçalo Velho, até perto da morte do infante em 1460, João Soares de Albergaria, dessa data até 1474, e Rui da Câmara, outro grande povoador, a partir dessa data em que compra a ilha ao Albergaria. Só com a chegada do Câmara terão surgido problemas, pois os poderes do capitão do donatário eram imensos e só os direitos adquiridos dos primeiros fundadores poderiam, de certo modo, opor-se ao novo senhor da ilha que foi o único deles que passou a residir nela e a mandar de facto. É toda uma questão que está por desvendar e que espero os investigadores universitários esclareçam para se poder perceber o relacionamento destas duas grandes famílias cujo destino não foi o mesmo.

Quanto à autora propriamente dita, a Professora Cândida Arruda Botelho, sabemos pela pena do embaixador Sérgio Telles, que é escritora consagrada, pesquisadora competente, olhar sensível, talentosa reconstrutora de ambientes e de personagens a que dá vida e lugares a que dá cor. Intérprete profundamente brasileira do nosso D. Pedro, o Homem que terminou definitivamente com a escravatura nos Açores, que libertou o Corvo da servidão, que nos deu o Tribunal da Relação, e semeou a autonomia com que caminhamos para a emancipação açórica.

Do livro direi que é uma recolha interessante de informações importantes da estadia do Imperador entre nós e da obra que ele estimulou e aprovou. Eu próprio já tinha percorrido os caminhos da investigadora brasileira, na esteira dos do rei, da sua corte e das suas leis revolucionárias e posso testemunhar os difíceis obstáculos que Cândida Botelho ultrapassou para nos dar uma visão mais completa do homem do fico e da independência ou morte, o último e único brasileiro que governou dois impérios e que empurrou à força os portugueses para a frente, retirando-os duma apagada e vil tristeza em que viveram tempo de mais.

Dou os parabéns à escritora, e dou-lhe as boas vindas à terra dos seus maiores, porque aqui, está sempre em sua casa.
Ponta Delgada 14 de Julho de 2010
Carlos Melo Bento

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Mulheres

A primeira-dama açoriana, Luísa César, foi ao Canadá em viagem política participar em evento que envolveu açorianos naquele ponto da Diáspora. Berta Cabral a primeira e mais importante autarca desta terra, foi Mordomo nas maiores festas da açorianidade. Por razões diversas foram criticadas. Sem razão, diga-se, pois tudo o que é feito em nome da unidade açoriana é imperativo categórico. Em 1976, proclamei no Teatro Micaelense, perante o delírio apoteótico duma multidão de bons açorianos que quem atentasse contra a nossa unidade cometia crime de alta traição. E quem faz o contrário contribui para o fortalecimento dos laços que nos unem. Somos um Povo que a história do centralismo vesgo obrigou a viajar qual judeu errante. Enquanto este tinha a sua Bíblia para identificar-se, nós temos os nossos dirigentes e a nossa religião, no Culto do Divino em que cremos intensamente, que nos une no Brasil, no Canadá, na América e na Califórnia (que se distingue não sei bem porquê) e seja onde for. As cidades gregas guerreavam-se constantemente, mas ligavam-nas os jogos, a religião e a língua. A nós liga-nos esta imensa alma açórica que se exprime na literatura, que se sente no fervor religioso à volta da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade que um costume indestrutível nos arregimenta em todo o lado, se pratica na maioria dos lares da Nação Açoriana aqui e nos quatro cantos do mundo onde pulsa um coração açoriano, e se manifesta na profunda solidariedade que nos une contra ventos e marés, contra tudo e contra todos. Luísa César respondeu à chamada de açorianas emigradas. Berta Cabral mantém aqui a chama imortal dum culto que somos nós mesmos na sua essência humana e divina. Isso não tem preço e o seu custo é o da nossa sobrevivência como Povo que quer ser gente.
Carlos Melo Bento
2010-07-12