terça-feira, 3 de março de 2009

Coerência

Ainda abalado pelo assassinato cruel das duas pessoas mais poderosas da nossa antiga Guiné, decapitando um estado fruto duma descolonização generosa mas ingénua e apressada, fico a pensar na culpa que nos cabe pelo descalabro duma obra que tinha de ter sido feita a longo prazo e, bem vistas as coisas, deveria ter começado com Salazar que não quis ou não soube ver o futuro para além dele. Apesar de admirar a sua obra, não posso deixar de reconhecer que não previu o futuro com o rigor com que ergueu o estado português moderno e saneou as finanças públicas, colocando-as entre as melhores do planeta. E como não previu, o futuro encarregou-se de destruir-lhe a obra sem benefício para ninguém. Agora, resta juntar os cacos dum magnífico edifício demolido pela cegueira colectiva. Oxalá a democracia tenha forças para reciclar os escombros com o cimento duma história secular embebida de amor cristão missionário, patriotismo generoso estouvado mas sincero e algum conhecimento científico que ajudou a civilizar povos até nós estagnados em estratos tribais e pré históricos. Daí pensei em nós, interrogando-me se já não é tempo de a autonomia abranger o relacionamento com a Europa, compreendendo aqui um círculo eleitoral para as eleições e afastando o amanho que Reis Leite atribui a Gama e a Amaral e que tem funcionado atamancadamente como remendo em roupa velha? Morreu Armando Goyanes. Curvo-me perante a sua coerência integral. Não vergou. Não concedeu. Foi sempre igual a si próprio até ao fim.
Carlos Melo Bento
2009-03-03

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