terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Faz de Conta

É a opinião pública que decide o decurso da vida das sociedades. Já Maquiavel notava que, mesmo um exército vitorioso não pode dominar os vencidos contra a vontade da sua população. Os que mandam, duma forma ou doutra, têm de contentar os que são mandados para que não haja convulsões que tudo destroem. Daí que os governantes tenham como principal preocupação conhecer e controlar a opinião pública, o que talvez se possa explicar através dos séculos, com o pão e jogos, a censura, a repressão e actualmente com…a comunicação social. Jornais, televisão, rádio, internets, e os que os manipulam perceberam que podem influenciar a opinião pública, criando casos, dominando figuras públicas, desviando atenções e conduzindo os incautos para situações bem estranhas. Vimos pessoas alheias ao assunto insultar os McCann no Algarve quando interessou transformá-los em vilões e assassinos da filha, vimos destruir políticos por motivos fúteis ou inventados, cria-se pânicos pandémicos. Ganha-se audiências, vende-se jornais e manipula-se uma opinião pública que as escolas não prepararam para resistir à sedução dos escândalos, permitindo-se a um poder não eleito mandar sem garantias de imparcialidade, sem mínimos de competência, sem padrões morais de qualquer espécie. Aprendizes de feiticeiro que brincam com coisas sérias ao sabor de interesses inconfessáveis. Urge impor rigor na informação para podermos viver numa sociedade real e não num conto de fadas ao contrário ou num faz de conta muito perigoso.
Carlos Melo Bento
2009-12-29

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Os dez mais de 2009

Tentemos escolher os dez melhores. Político será José Contente ou Carlos Ávila. Aquele pelas SCUT que constrói com sucesso, este, pelos 8 anos de oposição civilizada e por uma vitória sem vanglórias. Empresário, Manuel Cruz Marques que na hotelaria conquista um sector de concorrentes poderosos. No desporto, vencem Sara Juromito Silva, Luana de Melo Minucci e Yasmin Marques Choonara, medalhas de ouro no open internacional de França, de ginástica aeróbia de alta competição, num inexcedível trabalho de Alexandra Barroso, salientando-se ainda a Sara, medalha de bronze, na Roménia. O livro é “Um País de Floreanos” do Engenheiro José Jorge de Melo, viagem no mundo açoriano, de memória e imaginação saborosas e encantadoras. No jornalismo, distingo Lino Freitas Fraga, o corvino que nos trouxe nas “Crónicas da Guerra”, a vida e glória dos açorianos que “honraram a Pátria que os ignora”, descrevendo essas “Almas sem vida” e “Vidas sem alma” para nosso tormento e inquietação. Na ciência, Vítor Hugo Forjaz, o primeiro sábio de língua portuguesa a ostentar o título de professor catedrático em vulcanologia. Nas artes, o escultor Álvaro Raposo de França mestre que, na idade da sabedoria, atingiu a pujança do incomensurável talento. Autarca foi João Ponte pela consagrada administração de criativo rigor. As autárquicas e os 30 anos do PDA foram os acontecimentos do ano que merecem ponderação. A figura do ano foi Craig Mello, Nobel da medicina, neto da Maia que nos alçou ao cume do reconhecimento internacional.
Carlos Melo Bento
2009-12-22

sábado, 19 de dezembro de 2009

Dez mais 2007

O jornalista de opinião que se destacou pela coragem, estilo contundente e temas importantes foi Jorge do Nascimento Cabral. Sem esquecer Carlos Tomé nem Daniel de Sá, a escritora, é Paula Lima com a Crónica dos Senhores do Lenho, pela serena beleza que captou da alma e da Terra. Na política, Ricardo Rodrigues cujo profícuo trabalho incessante, e de qualidade, o alçou ao lugar de influente político. Como empresários, é justo escolher, ex aequo, Primitivo Marques e a Casa Bensaúde, pelas iniciativas corajosas e poderosas, admiráveis pela imagem positivamente dinâmica que dão do nosso mercado. Como cientista, voto na doutora Luísa Mota Vieira, cujo trabalho rigoroso e valioso na histologia e na química ocupam um espaço de admiração e respeito, tão raro. Isto sem esquecer o doutor João Paulo Barreiros, no campo da biologia marinha cuja obra inovadora prestigia a ciência. Nas artes, elejo, Luís de Bettencourt, autor, compositor e intérprete cuja obra se impôs, quase sem discussão. No desporto, homenageio Dinarte do Couto, que aos 47 anos, em plena prova de atletismo, terminou a carreira e perdeu a saúde para sempre. O acontecimento do ano é a publicação do Vulcão dos Capelinhos-Memórias 1957-2007, monumento que espanta pela dimensão e qualidade. O autarca foi Rui Melo que colocou a Vila acima da sua carreira. A figura do ano é o general Rui Mendonça que disciplinada e diplomaticamente vem unindo as pessoas à volta de ideais superiores.
Carlos Melo Bento
2007-12-18

sábado, 12 de dezembro de 2009

Avenida Natália Correia

Senhora Presidente da Câmara
Senhor presidente e membros da Comissão de Toponímia
Excelentíssimas autoridades
Minhas Senhoras e meus Senhores
A Câmara Municipal da capital açoriana presta hoje homenagem à maior poetisa de língua portuguesa de todo o século XX, e de que a nossa ilha serviu de berço, consagrando ao seu nome uma bela avenida da cidade nova.
Quem é essa mulher?
Vulcão, génio, iconoclasta? Talvez até seja um pouco de tudo isso mas, para que havemos nós de perder tempo a indagar tal coisa, se ela o fez magistralmente e é encantamento tamanho ouvi-la? Na casa
onde todos rezavam orações decoradas
à volta duma imagem
só ela anjo mudo
escutava na aragem
a voz que lhe chegava do princípio de tudo”
(e, referindo-se à floresta da sua infância).
“Húmido pinhal e ramos altos
(enquanto ela se deleitava) no chão de rama verde
(...) errando na floresta embriagada
de névoa e de resina”.
(Até que)
“Uma obscura e inquieta castidade
pôs uma flor para mim no jardim mais secreto
num horizonte de graça e claridade
intangível e perto.
Promessa estática no luar
da densidade em mim corpórea
não é a culpa, é a memória
da primeira manhã de pecado
sem Eva e sem Adão
só o fruto provado
e a serpente enroscada
na minha solidão.
(Sendo ela)
Metade fêmea metade mar
como as sereias”
(faz um apelo aos colegas:)
“Poetas do mar vinde trazei-me as vossas ondas”.
(Porque,)
“Sou cidade. Onde bichos e anjos se devoram
por uma côdea de imortalidade”.
(Mas ela buscando a paz, proclama)
“Quero que suba à minha fronte
a serenidade desta condição:
harmonia exterior à estátua
que sabe que não tem coração”.
(E olhando o futuro considera:-)
“Não expulsarei os deuses e os demónios
que discutem a posse da minha alma
... eles que pintem a minha pintura essencial
com o sangue onde me exigem a dor da vida
que sejam deuses e demónios a justificar
a imortalidade a que estou prometida”
(Subitamente, vê-se ao espelho descreve:)
“Espátulas brancas palpitantes;
asas no exílio dum corpo
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
Encalhando em renúncia ou cobardia
Por vezes fêmea. Por vezes Monja
Conforme a noite. Conforme o dia
Molusco. Esponja
Embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
Presa na teia dos seus ardis
E aos pés um coração de louça
Quebrado em jogos infantis”.
(Se Natália aqui estivesse neste momento, entre divertida e incrédula, a este tempo atmosférico, ela diria:)
“É um Outono que não é Outono
Tampouco a estação por que se espera
Na dor de nos deixarem ao abandono
As ninfas que são flores na primavera”
(E depois acrescentaria:)
“Deram-me a rua e a janela
Se eram extremos da minha pista
Ficou-me a alma toda amarela
Por não saber de onde era a vista”.
Quem é porém esta poetiza que Sousa d’Oliveira considerou a maior do nosso País no século XX? Dou de novo a palavra a Natália e eis o que ela nos diz falando desde Lisboa onde habita:
“ Não sou daqui. Mamei em peitos oceânicos
Minha mãe era ninfa meu pai chuva de lava
Mestiça de onda e de enxofres vulcânicos
Sou de mim mesma pomba húmida e brava
Não sou daqui a minha pátria não é esta
... Tomai os meus cabelos. Levai-os para a floresta
Para Lisboa me trouxeram
não duma vez e embarcada
Minha longa matéria foi
Pouco a pouco transportada.
O Aterro era um sítio que havia
para a gente querer embarcar
Mãe ilha mãe caminho mãe água
a pingar das telhas de sonho
castiçal de impossíveis palavras
tempo lírico de que disponho.
Para Lisboa me trouxeram
Mais me trouxeram daquela
Ilha de pincel durável
que só pinta longe dela”
Chegada à velha Lisboa, vai dali desafiar o mundo aos gritos estridentes da sua poderosa lira, fazendo tremer de prazer e horror este mundo e o outro
“Senhores Juízes sou um poeta
... e ando com uma camisa de vento
Ao contrário de esqueleto
... com a paciência dos versos
Espero viver dentro de mim
Senhores banqueiros sois a cidade
... não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores professores que pusestes
a prémio a minha rara edição
Senhores tiranos que do baralho
...Sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis...
Minha cobardia é esperar-vos
Umas estrofes mais além.
Sou um instantâneo das coisas
Apanhadas em delito da paixão
a raiz quadrada da flor
Sou uma impudência a mesa posta
De um verso onde o possa escrever
Ó subalimentados do sonho
A poesia é para comer
E se julgam que a morte lhe mete medo, digo-vos eu que ela a estudou com afinco e percebeu como só os poetas percebem a sua essência:
“... A morte é fúria
De vida que a carne não retém”
Descansada com o conceito, pôde então deleitar-se com o seu tema de eleição:
“Fiquei tanta de nascida
Na extrema acepção Natal
De nascer em terra pouca
Muita do ponto final.”
E ela? Que foi feito dessa adolescente quando os fados a levaram da sua ilha?
“Ai Paloma ai Palominha
Mal soubeste palomar!
Sob um guarda-sol de hortênsias
Palominha a passear
Passeava seus cuidados
Sem gorjeios apertados
Por gargantilha do mar
--- Palominha a suspirar
Duas feridas em seu peito
Por uma lhe entrava o sol
Por outra entrava o luar
.... da era de Salazar
que, selecta de oprimidos,
Haveria de expurgar
Os cabelos desabridos
Da Palominha insular
Que das ondas tinham o solto
Sotaque de verde mar.
Ai Paloma ai Palominha
Mal soubeste palomar.
Mas o pincel de Natália atingiu o máximo da magia quando descreve a sua amada ilha, já não como símbolo dum lugar mítico à volta do qual giram as existências e as essências. Qual pintora genial, pintando nas nuvens da lembrança, duma paleta sentimental e ao mesmo tempo impressionista ela canta pintando,
“ Eram bosques refugiados
Em altas ebúrneas névoas
E desses enovelados
Torreões de criptomérias
Veludos verdes tombavam
…lagoas aleluiadas
Entre fetos e conteiras
Eram pastos paulatinos
E neles vacas sineiras
Espraiando em relvas fagueiras
Um viço cheio de sinos.
E logo vinha o responso
Em estrofes de estorninhos
Eram nas Sete Cidades
Que do sacerdote rei
As santas propriedades
São ao que dizem segredos
Castos que ali respirei,
Duas luas – uma verde
Outra roxa – derretidas
Em águas que ali deixadas
São como o manto de Elias.
E nesses sete domínios
Do Espírito suspenso
Ao longe nuvens de equíneos
Galopavam em consenso
Ó que de leite e de fogo
De escarpas, fetos unânimes
Em pleniposse de incenso!
Que de plumas de silêncio
Rosadas, azuis, esparsas
Num céu fluente de garças!
A pairar
Batiam as asas do mar
Eram nas Furnas Caldeiras
Guelras que o vulcão abria.
Mas se enxofradas as sombras
Em chumbo e cachão ferviam,
A luz por vales e lombas
Em hortênsias se aspergia
Que não se ganham os deuses
Sem demos por mais valia.
Por isso ali o inferno
Com o céu não contendia.
Vai daí que me ficasse
Esta concórdia sadia
De não frequentar negrumes
Sem numes por companhia.
Ou o contrário se quiserem
Que se Deus dá flor e fera
Eu sou por esta harmonia.
E podíamos continuar toda a tarde sem descanso passeando pela poesia de beleza infinita sem cansaço que o que é belo não cansa e pede repetição.
Há muitos anos, tantos que já nem lembro, Natália quis discursar na inauguração da livraria[1] que marcou uma época nos Açores. Uma época e uma direcção. Ela tinha plena consciência de que, falando ali, falava para a história e, qualquer que fosse o nosso destino, a sua voz ecoaria para sempre, através do Homem que ideou nas páginas da história contemporânea a epopeia do Povo de onde ela nasceu, aqui revelando o génio que nela havia e que àquele devia tal momento.
Disse ela:
“Bem hajam, pois, os que nesta ilha continuam a tradição da bibliofilia que tanto a tem ilustrado e a dotam com mais um instrumento de cultura, porque esta é a própria condição do fortalecimento da personalidade açórica e da sua invulnerabilidade à usura dum Estado centralizador, que no seu narcisismo condena a afundar-se nas águas fatais da auto-contemplação, tragicamente alheio a realidades indefectíveis como esta: açorianidade!
Senhora Presidente, em nome dos que amam a cultura como o veículo essencial da emancipação das pessoas e dos povos, agradeço-lhe a homenagem que prestais hoje e aqui a um dos maiores vultos da açorianidade de todos os tempos. Bem haja, porque é já tempo do poder político se curvar perante os valores mais altos que acabam por o tornar legítimo. Ao fazê-lo, a sua administração dá, não só um sinal de que percebe os tempos mas que reconhece os profetas que os anunciam.
Carlos Melo Bento
1] Tratou-se da Livraria Nove Estrelas, que existiu até há pouco tempo na Rua do Mercado, em Ponta Delgada, criada por Rainer Daenhardt e de que foi gestor e proprietário o Dr. José de Almeida, primeiro líder da independência dos Açores.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Espionagens

Não é justo que, partindo de dois ou três processos, no meio de milhões, se condene a justiça como irresponsável desleixada que demora anos na solução duma pedofilia ou violação do segredo de justiça. É injusto para os que têm os processos em dia (tanto quanto possível, pois um juiz devia ter 300 processos por ano e tem mais de 2.000, em média) e para os que guardam diligentemente o segredo que os seus processos encerram como um sacerdote guarda o de confissão. Para perceber o tribunal há que ter em conta dois princípios fundamentais que os juristas aceitam por formação: faça-se justiça nem que acabe o mundo e, se está no processo está no mundo e, se não está lá, não existe. Quer dizer, o juiz faz justiça e o resto não é com ele, mesmo que seja o fim do mundo, e, ele só é obrigado a saber o que está no processo, o resto também não vale. Sabendo disto, certas pessoas manobram os tribunais ao serviço de interesses inconfessáveis, indiferentes ao dano que provocam à imagem da justiça até agora respeitada embora pouco simpática (todos a querem, menos em sua casa, reza o ditado). Os juízes são indiferentes à opinião pública que tem sido apenas a que se publica (e não são a mesma coisa). Bisbilhotar o segredo dum processo e usá-lo contra um governante é espionagem, sim. E atirar a culpa disso para os agentes judiciários é revoltante pois que, não tendo estes interesses políticos, não podem ser vítimas dos que, sem escrúpulos, os usam na sua insensata e egoísta sede de poder à custa seja do que for.
Carlos Melo Bento
30 anos

O Partido Democrático do Atlântico celebrou três décadas de existência. É na história da autonomia e no reino da democracia, o partido fundado por açorianos que mais tempo durou. Pode dizer-se que não teve o êxito do Partido Autonomista de 1895 nem o do Partido Regionalista de 1925. Mas esses não tinham as leis antidemocráticas de hoje que condicionam os partidos com tais espartilhos que ponho em dúvida que Mont’Alverne ou Filomeno da Câmara tivessem sido eleitos hoje, mesmo que os outros partidos se tivessem abstido, como aconteceu com a esquerda em 1895, ou endoidecido como os Democráticos em 1925 com a designação de estranhos à nossa Terra para candidatos. A tudo acresce que antigamente não havia Tribunal Constitucional a aplicar multas completamente iníquas que tudo amedrontam nem as pessoas tão imprudentes como hoje aí estão, fascinadas pela realidade virtual das internets ou da televisão que julgam viver fora destas pobres e isoladas ilhas, quando vivem nelas, correndo riscos como nunca até aqui os açorianos correram, apesar do muito dinheiro que a Europa nos tem dado. Queira Deus que nunca nos falte esse apoio e que os eleitos do Povo exerçam os seus mandatos não para se servirem e às famílias mas para cumprirem o bem comum. Sousa Pedro, Emanuel Chichorro, Clemente de Vasconcelos, Álvaro Lemos, João Gago da Câmara, Luís Neto de Viveiros, Joaquim Cabral e José Ventura foram comigo os rostos visíveis desse desafio de sermos nós mesmos num mar de indiferença. Valeu a pena.
Carlos Melo Bento
2009-11-30

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Vida pública

Será que uma figura pública tem direito a vida privada? Ou, pelo contrário, tudo o que ele fizer, à mesa, na cama ou no banho é do domínio público? O mundo mudou e nós com ele. Aquilo que seria impensável há 40 anos hoje é quase obrigação (Bob Hope com mais de 90 anos, ao deixar a Califórnia, explicou que o fazia porque a homossexualidade se tornava legal naquele estado e ele temia que se viesse a tornar obrigatória…). Teremos nós o direito de saber os segredos da vida privada do nosso presidente ou da presidente do maior partido da Oposição? Ou Carlos César e Berta Cabral têm o direito a fechar a porta das suas residências aos olhares do público? Que ela não tem direito à televisão pública quando toma posse do mais importante cargo autárquico desta região dita autónoma, parece uma evidência. Por outro lado, pode argumentar-se que, se essa vida privada tiver influência nas nossas vidas, então temos o direito de saber dos defeitos mais recônditos das duas pessoas mais importantes dos Açores de hoje. Isso tem sido admitido, por exemplo (e é razoável) quando os segredos dum político podem permitir que seja chantageado por escroques. Quando foram divulgadas as escutas de Nixon no WaterGate, a linguagem brejeira deste é que o destronou mais do que o seu envolvimento no complot, que se deu a posteriori. Mas foi o Supremo Tribunal que obrigou a essa divulgação, arredando o invocado privilégio executivo dos presidentes. Por estas bandas quem é que pode levantar esse privilégio? O presidente da junta?
Carlos Melo Bento
2009-11-24
Corrupção
Há coisas que não se percebem. Contra o que era uma tradição quase milenar, a investigação criminal começou a adoptar nomes de código para certos processos. No tempo da Guerra os beligerantes tinham a “operação” Félix e a “operação” Sea Lion etc. nós, sem guerra, inventámos a operação Apito não sei quê e a Face não sei quantas. A justiça deixou de ser a pacata senhora que no recato dos palácios de justiça cumpria. Hoje, entrou-se (em democracia!) em estado de guerra com nomes de código e tudo e a justiça tornou-se uma histérica, sequiosa de exibição, qual vedeta espaventosa que prende sem julgamento, condena sem defesa e escuta tudo e todos, incluindo, calcule-se, o Chefe do Governo! Que imagem estamos nós a dar lá fora? A ânsia de imitar o pior que há, com os comunistas, agora sem esse nome, a querer crucificar o primeiro-ministro italiano e a esquerda a querer fazer o mesmo em França com Chirac. Mas o que gostaria de sublinhar hoje, é que se está com a tal Face a querer combater a corrupção. Pois, não se sabe como, o que devia estar em segredo de justiça, transborda na comunicação social só faltando divulgar-se as páginas onde se encontram as coisas investigadas. Ora, sabendo-se que é impossível tais fugas de informação se darem autorizadamente, porque isso é crime, só resta a conclusão de que elas se dão por virtude de alguém que luta contra a corrupção e se deixa corromper, também. Por dinheiro, por militância política, seja pelo que for. Mas corromper. Oh céus! Quando é que isto pára?
Carlos Melo Bento
2009-11-17

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Espantoso

A pessoa de maior responsabilidade dum país, é o presidente do governo. Sobre ele recai o encargo de o levar a bom porto, gerindo recursos, fugindo a escolhos, superando crises, dirigindo a guerra ou gerindo a paz. Churchill e Salazar foram paradigmas disso. Num país rico, essa figura é alvo de ataques mais ou menos sistemáticos nessa coisa enfadonha da vida humana que é a luta pelo poder. Todos querem ser o macho (ou fêmea) dominante! Nixon sucumbiu, abalando para sempre o prestígio da presidência, com a agravante de ser chefe de governo e de estado. Nós, um pobre país que se julga do primeiro mundo e que ainda não o é na verdadeira acepção da palavra, divertimo-nos não só a falar mal do governo (costume antigo) mas a dar-lhe cabo da paciência, da imagem, e dele. No meio duma crise mundial de proporções gigantescas e nunca vistas, era para o timoneiro estar rodeado de respeito e de ajudas de todos os quadrantes, a ver se passávamos a tempestade sem naufragar (imagem que em país de navegadores deveria ser bem compreendida). Não senhor que um primo tal e coisa e o Vara coisa e tal. Que o curso tal que sim e que a TVI tal que não. Bom, se ele ainda tiver tempo para governar um poucochinho que seja, deve ser um génio como não há igual à face da Terra. Sócrates só? Não: Soares, Sá Carneiro, Cavaco, Guterres, Santana também levaram e não foi pouco, a ponto de morrerem ou se porem a milhas ou de fora. Se fosse uma coisa planeada por inimigos, não conseguiam melhor!
Carlos Melo Bento
2009-11-10

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Democracia e Paz

Jorge Miranda disse que o Estatuto dos Açores (autonomia e/ou independência), não tinha sido referendado porque isso entre nós perdeu credibilidade. Primeiro porque era o mesmo que referendar Monarquia e/ou República (prescrição?). Depois, porque a Constituição de 1933/74 tinha sido referendada com as abstenções a contar como votos a favor, uma desonestidade salazarista, insinuou. E o referendo da Escócia? É diferente porque já tinham sido independentes. Diferente será mas na forma como se interpreta a democracia e se aplica o regime que ela pressupõe. Tudo bem e estamos conversados. Agora o que não aceitamos é que se considere esta autonomia como o reconhecimento duma verdade social aprovada pelos destinatários. Ela é apenas aquilo que o poder central teve de conceder e foi arrancado sem anestesia, em 1975. Mais precisamente em Junho. Só não voltará atrás se não puder ser. Vejam-se as actas das Cortes quando o então Príncipe D. Pedro gritou em Ipiranga. Não mudaram nada, louvado Deus! Confessam dificuldade em determinar juridicamente o que seja Povo Açoriano, por mor do Estatuto. Está bem. Olha, é ver como se definiu Povo Português quando das independências do Ultramar. Mutatis mutandis, aprendemos os dois na mesma faculdade. Em ditadura, quem tem o poder fala em nome do povo quer ele queira ou não. Em democracia só falam em nome do povo aqueles que legitimamente lhe granjearam o voto sem subterfúgios. E para esta democracia ser legítima, carece de honestidade integral; quem a tiver, tem-na.
Carlos Melo Bento
2009-11-03

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Uma Vergonha!

O edifício do tribunal da Ribeira Grande foi construído de novo há poucos anos. Em 1964, quando me formei, já se falava na sua construção. Só agora essa velha aspiração foi concretizada. Infelizmente, porém, de forma muito atabalhoada para dizer o mínimo. Para já, construíram-no no lugar dos paços quinhentistas do antigo Pedro Rodrigues da Câmara, que governou a ilha durante a menoridade e ausência do sobrinho, fazendo daquele lugar a capital da maior e mais importante capitania insular onde toda a gente tinha de se deslocar para despacho. Sousa d’Oliveira fez ali espectaculares descobertas arqueológicas. Depois, quem ganhou o concurso para a construção foi uma empresa de fora, agora falida que deixou pendurados vários subempreiteiros de cá, levados pela confiança num empreiteiro escolhido pelo Estado. As salas de audiência parecem túmulos egípcios pois não têm uma única janela! Finalmente, o edifício está literalmente a cair aos bocados, mete água e tem as paredes rachadas e a fachada exterior isolada com uma fita do género “crime scene” dos filmes americanos porque os grandes vidros do balcão caem e podem guilhotinar alguém. Que raio de autonomia é esta que nem tem poder para fiscalizar e escolher os empreiteiros que aqui trabalham para o governo e pelos vistos nos enganam? Se o Estado não sabe governar à distância, então porque razão não são os de cá a fazer o que, cá, só nós sabemos fazer? O que é que os outros são mais que nós? Pelos vistos até são menos…
Carlos Melo Bento
2009-10-20

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Surpresas

As autárquicas surpreendem sempre. Desta vez foi Vila Franca. É verdade que nas legislativas de há dias o PS ganhou e o Dr. António Cordeiro dizia a toda a gente que ia ganhar folgado. Mas, no Nordeste, o PS também ganhou nas legislativas e perdeu nas autárquicas. Rui Melo terá defeitos mas o que transpirava era a grande obra realizada pela sua administração na velha capital que de pequena aldeia piscatória ergueu à categoria de autêntica cidade, e sem hostilizar o governo de César com quem conseguiu uma notável coabitação a favor do seu concelho. Certo que Ricardo Rodrigues, agora com prestígio nacional, apoiou o candidato socialista e não deve ter sido indiferente a influência duma família tradicional com raízes, de Ponta Garça à Vila. Acusaram Rui Melo de nepotismo e prepotência. Já não surpreendeu a vitória de Ávila na Povoação, passados anos de ausência do velho leão socialista. Quando perdeu, acusaram-no de arrogante e prepotente. Agora venceu folgadamente. Terão pensado que, mal por mal, Marquês de Pombal? Não sabemos. Ainda! Outra questão é a intervenção governamental na autonomia autárquica. O país nasceu dessa autonomia que vem do tempo dos mouros. Os reis não mandavam nos concelhos. Só lá punham os pés quando convidados. Se outro poder se imiscui nessa área viola a essência da autonomia, alicerce do viver atlântico. Há personalidades que ganham em qualquer partido (veja-se o Corvo e Flores) e isso é salutar porque manda o povo. Desvirtuá-lo é um erro, com Amaral, com César ou seja com quem for.
Carlos Melo Bento
2009-10-13

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Somam-se

Quando a República chegou em 1910, via revolucionária nunca referendada, a nossa reacção foi a de espanto. Os autonomistas que eram quase toda a intelectualidade micaelense e terceirense, tinham formação monárquica, mas a sua importância política esfumou-se. Lisboa aproveitou para tomar decisões contrárias aos nossos interesses, como a inqualificável extinção do Tribunal da Relação dos Açores. Os republicanos aqui eram uma minoria e nada pôde a maioria contra eles, dado que Lisboa os apoiava e a Família Real, desamparada, fugiu. A autonomia esperou até 1925 para se manifestar. Os desfavorecidos nada receberam do novo regime a não ser vãs esperanças de bacalhau a pataco e outras balelas inventadas pelos políticos de ocasião. Também se vivia, dizia o meu querido Pai. Mas a que preço! Vieram os adesivos que gritavam vivas a pensar na barriga e esquecendo os princípios, a moral e a ordem. Deu no que deu. Os regimes valem o que valem e, normalmente são desfeitos de dentro quando os que os fazem não conseguem defender com diligência e inteligência o interesse geral. Branqueamentos há sempre mas a verdade acaba por flutuar. Nestas eleições daremos uma lição de correcção. Berta Cabral será reeleita, penso, porque serviu com imparável dinamismo. César será respeitado como o cabeça da autonomia que soube defender e aumentar. E esses dois baluartes do nosso viver actual são fonte de progresso, credores de respeito e alicerces de poder dum Povo que quer ser respeitado. Somam-se, não se anulam.
Carlos Melo Bento
2009-10-06

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Uma esquerda de esquerda?

O eleitorado determinou maioria relativa dos socialistas e uma subida significativa dos populares, a ponto dos dois juntos formarem maioria absoluta. Os radicais BE e PCP estão minoritários. Governar assim implica ceder ou à esquerda (PCP e BE) ou à direita (PSD e PP), caso contrário, só com novas eleições o orçamento e o programa passam. Os eleitores querem que Sócrates continue, não excluem um governo com Ferreira Leite (devido ao perigo de bancarrota) nem com Portas (pela insegurança que ele certamente afastaria). Não é porém provável que Sócrates consiga fazer acordos com quem não quer ou não pode fazê-los. Coligação com o PC ou com o BE é quase impossível pois os moderados do PS nunca aceitariam ser reféns da esquerda ortodoxa e marxista nem menos da esquerda histérica e revanchista. Tem pois Sócrates um bico-de-obra sério pela frente. Uma preocupação com sentido de Estado levará a que o PS governe com cedências programáticas que satisfaçam o seu indispensável eleitorado de centro esquerda, com restrição nos gastos sobreendividantes e salvaguarda da segurança nas ruas, o que deve estar na origem da perda da maioria absoluta. Seria a solução que nos servia a nós açorianos, com um primeiro-ministro amigo com provas dadas e com uma segurança que se torna indispensável. Aguardemos.
Carlos Melo Bento
2009-09-29

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Equilíbrios

Com Guterres e Sócrates veio mais ajuda financeira para os Açores. Sá Carneiro, quando os deputados de Mota Amaral faziam a maioria da AD, e este ainda tinha aquela chama emancipalista que os obrigou a “dar mais do que queriam”, pagou. Sócrates e César (e os deles) apoiaram o Estatuto que o TC esfacelou a pedido do agora “escutado” PR, o mesmo que restringiu o orçamento açoriano e forçou Mota Amaral a sair contrariado. Estes os factos que não podemos esquecer nas escolhas que fizermos para sermos lúcidos e pragmáticos. Dir-se-ia que o governo de Lisboa ideal para nós, seria Sócrates coligado na Administração Interna e Justiça com Portas, pois a segurança nunca é a melhor qualidade da esquerda. Um ponto de equilíbrio entre o perigoso iberismo socratiano (de Espanha nem bom vento nem bom casamento) com o reformismo social da esquerda democrática e a segurança democraticamente nacionalista da direita. Uma aliança com o Bloco seria um desastre pois guinaria o PS para o radicalismo das nacionalizações e ódios fracturantes e insustentáveis dos gonçalvismos serôdios. O Bloco Central põe a democracia em perigo. A aliança com os comunistas é impensável porque afastaria do governo todos os democratas que nem querem ouvir falar na ditadura do proletariado de que o PC nunca se desfez. Aguardemos.
Carlos Melo Bento
2009-09-22

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Mimados e Ricos

Estas eleições vão mudar a nossa vida e não se sente nem entusiasmo nem preocupação. Todos se queixam mas o que se vê, é que nunca se viveu tão bem. Computadores para adultos (tantos que ao lixo doméstico se deitam), casas (com “parquete” e sem “parquete”), ajudas ao desbarato com estagiários L e T e quejandos, subsídios por dá cá aquela palha e rendimentos mínimos, médios e máximos, sem conta; computadores para crianças ao preço da chuva, projectos disto e daquilo generosamente apoiados; os jovens recebem apoios para morar e para comer, os sem abrigo são alimentados e abrigados em tanta abundância que crescem lugares vazios nas casas a isso destinadas; idosos são apoiados dentro e fora dos domicílios com comidas e tratamentos; serviço de saúde como nunca com esperas que resultam apenas da multidão que acode aos hospitais. Estudantes (pobres e menos pobres) são auxiliados nas compras de material. O que se vê é os hippers cheios; quase todos com dois telemóveis de duas redes, em casas onde antes se lutava por uma côdea de pão hoje discute-se porque a conta do telemóvel ultrapassou o orçamento (que nunca se sabe quanto é); multidões a consumir droga pelos cantos (e se é cara!) que assusta. Casas com dois carros e motas, com ralis e sem ralis com “motocrosses” e sem eles. Praias (limpas e varridas diariamente) com nadadores salvadores e centenas com pranchas bem caras de “bodibordes” (onde antes havia um pobre pescador com uns óculos feitos à mão de “cambrandar” e “vrido” de janela e improvisados arpões de ferros enferrujados e torcidos à martelada em casa de cada um), criadas de servir que não dispensam cabeleireira; cruzeiros anuais ( e bi e tri…), marinas com iates de vários tamanhos, motas de água e outros (e caros) instrumentos de navegação. Jornais com dezenas de folhas subsidiadas (onde estão os de 2 e 4 páginas de antigamente?) reclamando que se deram 200 casas e não 300; televisões e antenas sofisticadas, internetes de várias velocidades, gameboys para os meninos e para as meninas (sempre esgotados) etc. obras públicas com tanta mão dobra que tem de vir de fora que a nossa não chega. Podia continuar a lista quase indefinidamente. Votar sim mas com a consciência de que as reclamações que se ouvem são as dos meninos mimados e ricos do tempo antigo.
Carlos Melo Bento
2009-09-15

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Quando quiserem

Gustavo Moura notou que os programas dos partidos pouco trazem sobre nós. Não espanta porque estamos habituados aos esquecimentos deles (só se lembram quando é para inconstitucionalizar as nossas justas pretensões; aí não há esquecimentos), e porque, agora, pela primeira vez, temos governo próprio e é a este que compete fazer os programas que nos convêm. Mas não é essa a parte do trabalho do fundador do Açoriano Oriental moderno que gostaria de comentar. O que merece o meu desacordo é a crítica à inactividade do PDA porque, diz, com isso se descredibiliza. Fundámos o PDA há trinta anos, mantivemo-lo vivo contra tudo e contra todos (de dentro e de fora). Confrontámo-nos com um confrangedor desprezo do eleitorado que preferiu até ter como deputado seu um estranho a esta ilha e seu inimigo declarado, do que votar em um de nós, causando-nos com isso uma dor indescritível e só continuamos porque o amor à nossa gente não depende dela. Existe. Cansa, dói, mas existe. Sem limites e sem condições. Foram 30 anos de frustração e incompreensões. Só quando nos coligámos com o partido socialista conseguimos ter um vereador em Ponta Delgada. Herdeiros legítimos dos partidos autonomistas, fomos difamados de ricos (!) e fascistas (!!!). Sobrevivemos. Pedir mais é demais. Quando quiserem digam.
Carlos Melo Bento
2009-09-08

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Nada

Nada
Penso muita vez que S. Miguel teve importância devido a terem existido famílias com fortunas cujos membros mais cultos e inteligentes se dedicaram à política, economia, finanças, cultura, benemerência, etc. Em tudo, os micaelenses deram cartas e contribuíram decisivamente para o progresso, a ponto de, durante tempos, Ponta Delgada ser a terceira cidade do país. O melhor exemplo foi em 1895, quando, sem temerem retaliações, o líder dos conservadores se recusou a opor-se aos autonomistas, o dos progressistas, se autonomizou e os autonomistas venceram. Hoje, as circunstâncias são outras e embora factores novos e alheios à nossa actividade e a Lisboa, tenham derramado progresso material que tanto ajudou a levantar o nível de vida das classes pobres, e não só delas, a verdade é que já não há gente rica, apesar de termos economia de mercado, e poderosos teremos duas pessoas. Uma, o Presidente Carlos César e outra a Presidente Berta Cabral. Todavia um e outro serão sempre transitórios e condicionados a uma opinião pública formada noutros azimutes, alheia aos seus próprios problemas, iludida com os dos outros. Sem particulares poderosos, seremos sempre manietáveis pobretanas sem capacidade de existir por si. Bancos, seguros, fábricas, inovação, tudo nos escapa. Ou o Estado ou nada.
Carlos Melo Bento
2009-09-01

sábado, 29 de agosto de 2009

Revoltados

minha terra vulcânica e verde
De criptomérias altas, lendas encantadas
- meu chão de Açores meu leito de azáleas
Victor Meireles, 1976

Neste Verão esquisito não é fácil dizer alguma coisa que não seja este grito de alma do maior poeta açoriano vivo. Ouvi, sem acreditar, as palavras sentidas do presidente do Capelense, magoado com uma qualquer Federação não sei bem de quê que, perante uma atitude de facciosa sentença, sistematicamente a favor dos de lá contra os de cá, teve uma reacção que me deixou atónito: - “Já estamos habituados”. Habituados, presidente? Habituados a quê, a ser desprezados por quem não tem categoria nenhuma? É no desporto e é em qualquer outra coisa. Habituados? Mas desde quando é que pessoas de carácter se habituam a injustiças? Saia dessa Federação e bata-lhes com a porta nas ventas, Presidente e não nos envergonhe com atitudes de subserviência que não só dão um exemplo a não imitar como são a demonstração do que há de mais reprovável na nossa maneira de ser. Respeitamos toda a gente, menos aqueles que não nos respeitam. Sejam eles quem forem. Senão não vale a pena viver. Pelo menos assim! Para eles tudo para nós nada? Pois então que vão à vida deles que nós vamos à nossa. Que herança queremos nós deixar aos nossos filhos? Acomodados escravos? Ou revoltados homens livres?
Carlos Melo Bento
2009-08-25

sábado, 22 de agosto de 2009

Victor Meireles

Biografia
Discurso proferido em Água Retorta, a 20 de Agosto de 2009, na apresentação do seu livro:
Extractos Paroquiais, baptismos, da Paróquia de
Nossa senhora da Penha de França de Água Retorta [1768-1905], I, II.


Senhora Vereadora da Cultura da Câmara Municipal da Povoação
Senhor Vigário Episcopal, Professor Doutor Octávio Medeiros,
Digno Presidente da Junta de Freguesia de Água Retorta, Senhor Baltazar Franco
Senhoras e Senhores
A tarefa de que me incumbiram hoje é das mais fáceis e agradáveis que, como orador convidado, me foi dado desempenhar. Apresentar o livro dum amigo de longa data, não deve ter dificuldade como de facto não tem. Já vos falarei do livro mas permitam-me dizer-vos alguma coisa do seu autor.

Victor Manuel de Lima Meireles Pacheco, que usa o nome artístico de Victor Meireles, quando começou a escrever contos e poemas nos nossos jornais, não tinha mais de 17 anos. O Açoriano Oriental, o Correio e o Diário dos Açores desde sempre acolheram com simpatia a colaboração de jovens escritores. Foi no mais antigo jornal português que Antero de Quental publicou as suas primeiras poesias e certamente todos sentiram o mesmo regozijo ao verem as suas incipientes produções estampadas em letra de forma, estimulando-os a publicar ainda mais e a prosseguir vida fora nesse árduo trabalho de contar sentimentos e narrar coisas imaginadas que tanto encantam as nossas almas nas mais diversas ocasiões das nossas vidas, sejam elas de tristeza profunda ou de alegria exaltante. Aí começou e aí continua Meireles a escrever contos, opinião, poesias. Até hoje e oxalá continuem as musas a inspirá-lo durante muitos e bons anos.

Mas, comecemos do princípio. Victor Meireles nasceu em Ponta Delgada na segunda metade do século XX em família numerosa, como todas as de então.

Frequenta a escola do Campo de S. Francisco até que sua família se muda para a Alameda de Belém, nos então subúrbios da cidade e continua os estudos no Externato Colégio do Infante, onde a Oposição à Ditadura de Salazar reunia os seus expoentes ligados ao ensino e onde certamente lhe despontou o espírito liberal e o gosto pela literatura e pela poesia.

Foi funcionário público na sua adolescência mas é compelido ao serviço militar onde permaneceu mais de dois anos, findos os quais se estabelece em Lisboa, onde o convívio com José Pracana, fadista e homem de cultura lhe abre as portas para o mundo intelectual da então capital do Império e onde a sua curiosidade o levaria a museus e a teatros, a bibliotecas e tertúlias que muito contribuíram para formar o seu espírito inquieto e talentoso a ponto de, muito novo ainda, ter ganho um prémio literário que em jogos florais lhe concedeu a Câmara da Ribeira Grande pelo seu conto Rosa Alberto e que a sua timidez impediu de ir receber pessoalmente.

Convive ainda em S. Miguel e enriquece o seu espírito insaciável com poetas e escritores de vulto como Oliveira S. Bento, Ruy Galvão de Carvalho e Armando Cortes Rodrigues. Priva com o poeta do Cântico das Fontes que por ele tem a ternura que suscitam os iniciados, a ponto deste lhe abrir as portas em Lisboa para o contacto com o grande Almada Negreiros. Naquela cidade, começou também o seu convívio íntimo e prolongado com Natália Correia, essa micaelense de génio, vulcão incontrolável de produção literária única reconhecida internacionalmente como poetisa e escritora de altíssima estatura cultural. A maior da poetisa portuguesa do século XX, no dizer insuspeito de Sousa de Oliveira esse outro gigante da nossa cultura que introduziu a arqueologia entre nós.

Natália nutria por Meireles uma amizade profunda, duas almas que se encontravam no mundo da poesia em que ambos reinavam como grandes senhores, ela incontestada, Victor amarrado na sua ilha, iria sofrer aliás como Cortes – Rodrigues, da timidez açoriana para com os seus mais altos valores que se recusam a abandonar definitivamente a terra natal.

Paremos um pouco nesta amizade entre os dois vates. No Botequim em Lisboa onde Natália mantinha um círculo de amigos íntimos ligados à cultura e à política ou em New Bedford, em casa de Victor Meirelles onde viveu enquanto lá esteve, e que o levou a publicar, New York - New York com Natália Correia, ou na sua Casa do Colégio em Ponta Delgada onde o visitou e participou num dos serões literários mais longos e interessantes a que me foi dado assistir em que participaram José de Almeida, António Pracana esse jurista de prestígio, a cujo convívio e vasta cultura ficou a dever grande parte da sua formação intelectual, Maria Luísa Ataíde, Dórdio de Guimarães, Sousa de Oliveira, reunidos à volta dum excelente bacalhau de natas que o nosso poeta confeccionou, outro dos seus talentos ocultos… Natália quis dar o sinal da admiração pois não me consta que ela se dignasse fazê-lo perante outra pessoa com menos capacidade poética e intelectual.

A admiração é mútua, pois Victor Meireles irá fazer-lhe a genealogia mas que a grande poetisa não chegou a ver porque entretanto morreu subitamente em casa, sozinha, apesar do medo que sempre teve em estar só. Ela tinha-lhe dado a rara honra de prefaciar uma das suas obras. E eu não resisto a ler-vos essa pequena jóia da nossa literatura

Lisboa, 23 de Dezembro de 1987

Querido amigo

Recebo finalmente os seus poemas há muito prometidos. Em boa hora de reforçar a identidade de uma poesia de insularidade chegam-me eles invadidos por esse mar que lhe bate nos pulsos e lhe desliza pelos dedos “com o peixes azuis afogados em guelras de soluços”.

Poesia de um ser naufragado no barco imóvel que é a ilha, a comer as trevas da sua solidão, eis a sensação que me transmitem os seus versos. Um registo de coisas açorianíssimas: o avô pescador, quase feito de sal a falar-lhe de sereias e areais, ascendência que o predestina a ser, na poesia, um “pescador de palavras”….O pranto das mães dos homens que emigram como andorinhas em busca do sul….e, no mais, uma ânsia paralítica de vida encalhada no insulamento.

Singularidades da configuração insular açoriana que, no ofício do seu dizer poético, ganha um novo e rico elemento para a antologia açórica.

Recebe as felicitações amigas da

Natália Correia

É neste período da sua vida que se enriquece viajando pelo mundo, pela Rússia, pela Europa de Paris a Londres, de Florença a Roma onde os museus foram visita obrigatória e demorada e onde certamente despertou para a pintura que passou a cultivar com o mesmo talento e inspiração e que tanto tem maravilhado as nossas almas, durante toda a sua proveitosa vida. E na América onde sua adorada Mãe se acolhera para junto de outros filhos e netos ele vai cursar pintura na Ritner´s School of Bóston. Regressado à terra natal, logo chamam para a Direcção da Academia das Artes e para membro do Instituto Cultural de Ponta Delgada.

As suas pinturas encerram no fundo os mesmos anseios da sua misteriosa poesia. Cores suaves e formas telúricas, agigantadas numa imaginação fértil, derramadas por flores e plantas de dimensões estranhas e belas. Bosques românticos e estradas desertas onde só as almas eleitas passeiam sem serem vistas. Cores intensas e maravilhosas esparramadas em universos desconhecidos e fascinantes, nesta última fase do artista, eis o que um público desconcertado pela nova dimensão do poeta procura e recolhe.

Nesta capítulo da sua imensa produção cultural vai ter o convívio de dois grandes talentos das belas artes: Maria Luísa Costa Gomes e sua filha Luísa Constantina. Uma e outra na pintura e na escultura, mau grado a curta vida da mais nova, ocupam largo espaço na história da arte açoriana e certamente o mais importante do século XX. Nos Estados Unidos, onde desenvolveu um interessantíssimo comércio de antiguidades, a sua alma generosa vai ter tempo para ajudar Maria Luísa que ali estabeleceu um muito procurado atelier e escola de pintura, numa época muito difícil para a vida da pintora de flores mais perfeita, intensa e penetrante que a nossa terra conheceu.

E as suas pinturas são exibidas e cobiçadas em diversas exposições colectivas e individuais, em Ponta Delgada, Flores e Graciosa, com assinaláveis êxitos.

Como contista e poeta, Victor Meireles deu à estampa várias obras de que destaco As Amarras, Nunca Mais e Foi Sempre, O Todo a Parte Alguma, A Lapinha, Amargo Lírico, Memórias d’Ontem – Natais d’Hoje e O Anjo. Só a leitura atenta e vagarosa destas pérolas da nossa literatura contemporânea podem dar a verdadeira dimensão das mensagens que o autor do Sorriso de Cristal, esconde nas histórias de encantar que nos conta.

Eis o homem cujo segundo livro Água Retorta vai ter à sua disposição. Poesia? Conto? Álbum de pintura? Não meus amigos. Extractos dos livros da vossa paróquia, ou sejam os resumos dos assentos de baptismo que os vossos bondosos párocos foram fazendo durante os 5 séculos que para aqui estamos, enviados pelo senhor Infante D. Henrique, terceiro e tão famoso filho do mui alto e poderoso senhor Rei D. João I, o de Boa Memória.

São os vossos nomes próprios, os de vossos pais, padrinhos, sacerdotes e pessoas de estado que porventura se dignaram assistir como testemunhos ao mais importante acto da liturgia católica e o Dia, o Mês e Era em que ocorreu. Desta vez o seu autor transcreveu de 1768-1905, cento e trinta e sete anos! Quantos bebés nasceram, quantas alegrias e tristezas deram a seus pais, quantos viveram para procriar? Quantos heróis? Quantos sábios, quantos santos? Tudo isso num pequeno livro, roubado aos poemas, aos contos e às pinturas. E porquê?

Conta-se em poucas palavras que já vejo alguns a bocejar, não porque o tema seja fastidioso mas porque o orador não sabe mais.

A genealogia é uma ciência que trata da identificação dos nossos antepassados e é auxiliar da História, não só porque há muitas Marias na Terra como porque revela pormenores da vida dos que constam dela que ajudam a escrever aquela com rigor e interesse. Não se esqueçam de que aqueles que desconhecem a história se arriscam a repeti-la porque só sabendo-a podemos evitar errar de novo.

Mas Victor Meireles vai nascer para a genealogia por causa da origem da sua própria família. Sua estremada Mãe era dos Ginetes, e esta risonha freguesia da costa Sul de S. Miguel vai exercer um fascínio irresistível para o meu biografado a ponto de lá ter mandado restaurar uma antiga moradia onde no Verão respirou o mesmo ar dos seus maiores e se inspirou para as mais belas poesias que escreveu. Descendente directo do Cavaleiro de Malta, o mesmo que foi padrinho do baptismo de Madre Teresa da Anunciada, a do Senhor Santo Cristo, Frey Joam Meyrelles, ficou deslumbrado com o que conseguiu saber de si próprio. Os ensinamentos do grande mestre que foi o Dr. Hugo Moreira e do grande mestre que é Cristiano Ferin, aqui nesta sala, graças a Deus, vivo e são e sempre trabalhando numa arte em que além de decano é venerado e o invejável nonagenário mais sabedor sobre as famílias antigas de S. Miguel.

Acabada a genealogia de sua Mãe, que o levaria a fazer os extractos dos Ginetes ainda, por desperdício dos responsáveis, inédito, voltou-se então para os Pachecos de Água Retorta terra da família de seu pai, onde as surpresas não foram menores com a obtenção de preciosas informações sobre a chegada dos seus primeiros familiares do tempo do povoamento.

Os conhecimentos aí obtidos deram-lhe porém afoiteza e à vontade nos estudos genealógicos, a que se dedicar e vai daí, além de publicar diversos trabalhos como Carlos Alberto Velho Falcão Canário Melo – Subsídios Genealógicos, Cecília Meireles – Aspectos para uma Biografia, e a Genealogia de Natália Correia, começa a dar à estampa a publicação dos extractos da Ribeira Quente na revista Insulana, em que tem em vista ajudar os emigrados na sua incessante busca pelas raízes centenárias. E tem prontos para publicação, além dos Ginetes de que falei, os baptismos e casamentos do Nordeste, que oxalá sejam postos quanto antes à disposição dos estudiosos. É que, como já disse tanta vez, os açorianos são dos poucos povos privilegiados que sabem quem são os seus Adão e Eva. E tão poucos têm sabido aproveitar-se disso. Haviam de ter visto a cara de felicidade do nosso prémio Nobel, Craig de Mello, quando o Dr. José de Almeida Mello lhe ofereceu a genealogia!

Como genealogista consagrado, participa nos tão interessantes cinco encontros na ilha Graciosa, em que fez as comunicações que lhe competiam, a par dum Jorge Forjaz e dum Oriolando da Silva e tantos outros.

O livro que está aí é a sequência dos Extractos de Casamentos que faz hoje um ano, lançou nesta mesma freguesia e é bom que o tenham porque é obra monumental única (mil e trezentas páginas em dois volumes de excelente apresentação gráfica) mas que não interessa apenas aos habitantes da terra do Comendador Furtado Leite e sim a tantos e tantos que descendem daqueles dez ou doze casais que aqui fundaram o que Frutuoso descreveu como:
"Apegado à Grota Funda, a um tiro de pedra, está uma fonte de tão grossa água como coxa de um homem, que nasce em meia rocha, ao pé de uma fajã pequena; acima da qual fajã e da outra atrás dita está uma povoação de gente, de até dez ou doze casais que se chama Água Retorta por respeito da fonte que pela rocha cai em voltas, e são da freguesia do Faial.

D’Água Retorta , que parte com o Lombo Gordo na banda do ponente, se começa o termo de Vila Franca, porque ali fenece o do Nordeste.

De Água Retorta, donde agora mora João Roiz, pessoa nobre, até o Faial, pela terra dentro, estão estas fazendas: - junto de Água retorta, está o lombo dos Bardos e o Juncal e Roça Grande, em cima da Rocha, e a Fajã do Calhau ao pé da rocha junto do mar, e a Fajã do Louro no meio da rocha, que dá muito pastel, e a Rocinha que está sobre o lugar do Faial. Dependurada em cima da rocha, e outra fazenda que se chama a Lapa, terra que também dá trigo, e outra chamada o Guindaste, dependurada sobre a ribeira que corre ao lugar; arriba dela a Couvinha, que dá também novidade e tem criações, e outra que se chama as Quebradas, acima da Couvinha, ao longo da mesma ribeira, onde há muitas comedias de gados e muitas frescas fontes; e outra fazenda terra chã, mais acima, que dá pão, chamada os Moios das Quebradas; e logo acima outra terra de comedia de gado, que por ser mais alta se chama a Cumieira. Todas as quais fazendas que serão uma légua de terra, partindo com Francisco Fernandes, sogro de Matias Lopes, até o lugar do Faial, foram de João Afonso, o Velho, e agora são de mais vinte e cinco seus herdeiros, que partem pela banda do norte com os herdeiros de Domingos Afonso, sogro do licenciado Bartolomeu de Frias.
Um João Martins, de alcunha Calca Frades, morador nas Hortas de Vila Franca do Campo, vendeu dez ou doze moios de terra de pasto, onde agora chamam Água Retorta, a João Afonso do Faial, o Velho, por pano de Londres, azul, para um Gabão, que agora dá muito trigo e pastel e é de João Roiz Cordeiro, filho de Pêro Roiz Cordeiro".

Gostava de terminar com três poemas de três grandes poetas desta terra:

De Armando Cortes Rodrigues a:

Carta para Longe

“Maria!
Estimarei
Tua saúde e dos teus,
Pois a nossa, ao fazer desta,
É boa graças a Deus.

Depois que daqui saíste
Nunca mais houve alegria,
Que no céu da nossa vida
Veio a noite e foi-se o dia.

Saudade é como o luar,
Só de noite é que brilha;
O muito que por ti choro
Nem tu sabes, minha filha.

A dor em que teu pai vive!
Basta olhar-lhe para o rosto…
Envelheceu…nunca mais
Para nada teve gosto.

O craveiro do balcão
Já se secou, coitadinho…
Faltou-lhe a luz dos teus olhos
E o modo do teu carinha.

A tua cadeira baixa
Lá está junto à janela,
Como quem ainda espera
Que te venhas sentar nela.

Maria, manda dizer
O que por lá tens passado.
Triste velhice de quem
Não tem os seus a seu lado…

Para aliviar minha dor
- Coração de mãe não mente -
Cria um filho com amor
E vive, depois, ausente.

A bênção de Deus te cubra
Com amor, paz e saúde
E lembra-te que a riqueza
Verdadeira é a virtude.

Não te esqueças de teu pai,
Lembra-te sempre de mim.
Adeus…adeus…que as saudades
Só à vista terão fim!”

De Natália Correia, no Dilúvio e a pomba, a parte relativa às Furnas:

“Eram, nas Furnas, caldeiras
guelras que o vulcão abria,
Mas, se enxofradas as sombras
em chumbo e cachão ferviam,
a luz, por vales e lombas
em hortênsias se aspergia,
que não se ganham os deuses
sem demos por mais valia.
Por isso ali o inferno
com o céu não contendia.
Vai daí que me ficasse
esta concórdia sadia
de não frequentar negrumes
sem numes por companhia.
Ou o contrário se quiserem
que se Deus dá flor e fera
eu sou por esta harmonia”.

De Antero de Quental, um trecho das Fadas:

“As fadas eu creio nelas
Umas moças e belas
Outras velhas de pasmar
Umas andam pelos arvoredos
Outras pelos rochedos
Outras à beira do mar.
Quantas vezes já deitado
mas sem sono, inda acordado
me ponho a considerar
que condão eu pediria
se uma fada um belo dia
me quisesse a mim fadar”.

E para terminar quero ler-vos o poema sobre o mesmo tema, do nosso escritor:

As fadas

“A vida é um desperdício
pelas coisas que nos são dadas
e corremos toda a vida à procura
de agarrar os sonhos das fadas.

E as fadas que mal fadadas
se deixaram apanhar
foram elas as perdidas
de tanto nos fazer sonhar.

Ficaram enrugadas e tristes
e atiraram-se connosco
para o fundo do mar
levando-nos nas suas asas presas
as nossas mãos vazias
daquilo que não nos puderam dar”.

Obrigado por me terem ouvido

Carlos Melo Bento
2009-08-19

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A Censura

Seja por interesses económicos ou políticos, por inveja, ciúme ou simples calculismo, a censura é uma coisa feia, deprimente e enxovalha quem a faz porque mostra a mesquinhez do seu espírito, mostra medo e cobardia e denuncia a incapacidade mental de quem a pratica para compreender a liberdade alheia, de expressão entenda-se, pois não refiro a censura que se faz por alguém cometer um crime ou acto reprovável. O censor no geral é burro, não no sentido de ser semelhante ao asno, ou assinus burrus dos romanos, útil animal de carga que durante milénios serviu o homem e conduziu o Salvador, no Domingo de Ramos, a Jerusalém no meio dos hossanas. Refiro-me ao burro, burro, àquele indivíduo que dentro da cabeça só tem vácuo e um neurónio deficiente e solitário, deprimido na sua idiotice irreversível. E na sua imensa estupidez, o censor corta porque lhe mandam e pagam para isso, no que não passa de reles lacaio, sem talento e sem futuro. Ou corta pensando que, suprime o censurado do mundo dos vivos, o que lhe dá a sensação de que quem tem talento é ele, porque apaga e elimina os que, se comparados com ele, lhe põem à mostra a irremediável burrice. Pobre diabo, side efect do prepotente que o conduz ou efeito adequado da sua pequenez mental. O meu blog onde ele não corta é carlosmelobentoblogspot.com.
Carlos Melo Bento
2009-08-10

O Suicídio das instituições

A frase não é minha mas parece suficientemente clara para exprimir a situação face ao curioso acórdão do Tribunal Constitucional que chumbou parte substancial do nosso Estatuto. Já esta autonomia é o que é, castrada lhe chamei em 75, mas parece que nem assim os algozes se satisfazem. Agora, numa interpretação mais que estranha (para não dizer tecnicamente errada e inconstitucional), vêm os Venerandos Conselheiros dar apoio à visão centralista do Presidente Cavaco Silva, nos medos do lobo em relação ao capuchinho vermelho. Castrada e inofensiva e ainda assim…Bom, mas a questão que gostaria de partilhar não é essa. O Estatuto agora violentado foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Legislativa, a única que se proclama legítima representante do Povo Açoriano. Considerado este inconstitucional, não sei verdadeiramente o quê ou quem representa. Mas, ainda assim, tem de haver uma reacção ao dislate do areópago político português. Se as instituições não produzem o que devem, correm para o suicídio e desaparecimento. O único representante do Povo Açoriano que até agora disse alguma coisa de jeito sobre o assunto foi o Dr. Ricardo Rodrigues mas esse é deputado da Assembleia da República, representante do Povo Português, ainda não considerado inconstitucional (para lá se caminha!). E os outros?
Carlos Melo Bento
2009-08-18

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O nosso superior interesse

O superior interesse dos Açores e dos Açorianos que é, obviamente, o nosso escopo fundamental, impõe a todos uma atitude de firmeza e coerência inabaláveis. Só nós podemos defender devidamente o nosso interesse e o dos nossos filhos como deve ser. Não há luta de classes nem ideologias nem governos alheios nem estadistas de opereta que nos possam substituir na luta permanente pela nossa realização como povo. A canção do bandido pode ser aliciante e até bela mas não podemos esquecer que não passa duma canção e que o compositor não passa disso mesmo. A nós compete estudar com cuidado os problemas e defender com fé as soluções que encontrarmos para os resolver. Ensina a nossa História que a unidade na provação nos dá força e invencibilidade. Àqueles que quiserem ficar nela como verdadeiros açorianos e não como traidores repelentes, hão-de juntar-se aos que de boa fé defendem bem os nossos interesses colectivos. Aos que se submeterem ao inimigo pelo vil interesse da ambição pessoal, haveremos de desprezar com indignação. Ponham de lado lucros mesquinhos e imediatos, repilam subornos disfarçados de prebendas e benesses sem justificação adequada; de que serve vencerem uma batalha com ajuda duvidosa de terceiros se perderem a guerra que nós vamos ganhar porque amamos quem nos pertence e servimos?
Carlos Melo Bento
2009-08-04

Bombeiros Voluntários - 130 anos de Vida por Vida

Exma. Senhora Presidente da Câmara
Senhor Presidente da Associação Humanitária dos nossos Bombeiros Voluntários
Senhor Comandante e demais responsáveis e Soldados da Paz
Amigos

Gostava de começar esta minha fala pela leitura duns versos:

“Peço a Deus memória
E também para me ajudar
Para versar esta história
Que é coisa de pasmar

Isto é coisa horrível
E o coração faz doer
Foi um desastre terrível
Uma igreja a arder

Eram dez e meia da noite
Quando o alarme começou
Quase tudo dormia
Quando uma mulher gritou

Esta mulherzinha gritou
Numa voz tão ardente
Que logo se juntou
Para ali muita gente

Foi a dois de Março
Que esta cena se passou
Foi o nosso templo sagrado
Que se incendiou

Foi a Capela-mor da Covoada
Que ficou destruída
Estava tão bem preparada
A nossa igrejinha querida

O lume ardia
Na sua malícia correcta
Pensávamos que destruía
A igreja completa

Quando o povo se juntou
Numa grande aflição
Um pobre velho gritou
Deitai o tecto ao chão

Foi a porta rebentada
Para se realizar tal fim
Mas a chama se elevava
Que se tornou muito ruim

Subiu para a torre
Um grande homem valente
A pedir socorro
E chamar mais gente

Mas um rapaz esperto
Que trabalha com sapateiros
Resolveu mexer os pés
E foi chamar os Bombeiros

Ele ao passar na Saúde
No Benevides queria bater
Mas lá dormia tudo
E teve de continuar a correr

Na corrida que levava
Para chamar os Bombeiros
Levou mais uma tacada
Na padaria do Viveiros

Não se encontrava o Viveiros
Parece que estava para o cinema
E para chamar os Bombeiros
Teve que procurar telefonema

Ele telefonema encontrou
Na mercearia Duas da Madrugada
Logo aos Bombeiros comunicou
Que havia fogo na Covoada

Este curato desgraçado
Isto é mesmo de tremer
Acho que não vale nada
Para nem telefone ter

Mas cá na freguesia
Foi um grande alevanto
Tudo chorava e gemia
Tudo fazia o seu pranto

O Senhor Abade
Veio com prontidão
Ó Jesus Sacramentado
Vinde ao meu coração

Ele quando chegou
Viu grande multidão
Neste momento desmaiou
Mas dele tiveram compaixão

O Pároco veio preparado
Para tirar a Eucaristia
Mas quando chegou ao adro
A capela toda ardia

As mulheres gritavam
Para alguém acudir
Os homens trabalhavam
Para o fogo sucumbir

Os nossos Bombeiros
Tiveram alguma demora
Porque o pobre sapateiro
Andou quase uma hora

Quando chegaram os Bombeiros
Àquele templo tão sagrado
Já se via o braseiro
A arder no sobrado

Chegaram com a tropa
Estes homens terríveis
Pararam mesmo à porta
Com aqueles carros horríveis

Utilizaram mangueiras
Para apagar o lume
Foi de tal maneira
Que ficaram pretos do fumo

Também polícias chegaram
Para esclarecer o caso
Que logo chamaram
Pelo Reverendo Pároco

Não se sabe ao certo
Como começou o incêndio
Sabe-se que começou perto
Do trono Supremo

Já o fogo apagado
Iam retirando os destroços
Foram eles retirados
Com os nossos esforços

A nossa imagem linda
Que ficou num braseiro
Deu uma dor tão fina
Quando a tirou um Bombeiro

Havia nesta Capela
Um retábulo mui querido
Era todo feito à mão-d’obra
E todo muito bem bornido

Este retábulo deixou pena
A todos os Paroquianos
Porque todos o amavam
Já havia muitos anos

Um homem novo queria
Salvar o lindo Sacrário
Porque ali dentro vivia
Jesus Cristo Sacramentado

Mas ele não pode lá chegar
Porque o fogo o impedia
O Povo estava a gritar
Pela Divina Eucaristia

Ainda mais percas houve
Num tão grande valor
O fogo também levou
O nosso lindo Tabor

Foi-se embora o Tabor
Desta pequena aldeia
Quero que dêas valor
Para se erguer a Igreja

Deste incêndio malvado
Só as cinzas restou
Nem o próprio sobrado
Da Capela-mor ficou

A Igreja era pequena
Para esta população
Quero que vós entendais
A nossa triste situação

Desculpai-me estas poesias
Que foi com pouco tempo
Ficamos com poucas alegrias
Quando falamos neste incêndio

Mais uma desculpa peço
Por esta minha maçada
E quero que se lembrem
Duma esmola p’rá Covoada

Vai faltando o papel
Para isto ir inteiro
Versos do Fernando Pimentel
E do Luís da Silva Cordeiro”

Encontrei por acaso estes versos numa publicação pertencente à Biblioteca da Fundação Sousa d’Oliveira, pouco depois do Magnífico Reitor, Professor Doutor Vasco Garcia, me convidar para usar da palavra neste dia comemorativo da criação da nossa mais querida instituição: a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada, e logo pensei que o meu saudoso mestre me enviava de longe uma mensagem para que não esquecesse a poesia popular micaelense em tudo o que ela tem de profundo para nos descrever na sua linguagem, no sentir da alma da nossa gente, nos anseios que acalenta, nos medos que a atormentam, nas queixas que formula, na impotência perante o inevitável, na esperança da renovação e na fé com que se alimenta.

Quando em 1970, minha Mulher correu um “perigo” tentei nervosamente encontrar uma ambulância que a conduzisse ao velho Hospital da Misericórdia para que um médico a salvasse da morte certa. A ambulância do Hospital estava avariada e a da Clínica estava fechada a sete chaves. Lembrei-me então dos Bombeiros para quem telefonei aflitíssimo; conscientes da tragédia iminente, o pessoal de serviço não perdeu um segundo e, mesmo contra mão, vieram da Rua da Louça para a da Cruz, levando-a para a Urgência onde uma médica a salvou no último minuto. Desde então, estive sempre ao serviço dos nossos Bombeiros e assim estarei enquanto for vivo e são. Por isso, Magnífico Reitor Vasco Garcia, não lhe faço nenhum favor em vir aqui. Cumpro um dever de gratidão, tento amortizar uma dívida tão grande que mesmo vivendo cem anos jamais a saldarei.

E quando lembro os versos que vos li, penso em como está diferente a nossa terra em termos de socorro quer na doença quer no incêndio. Desastres acontecem e sempre acontecerão pois onde está o homem está o perigo, como dizia meu Pai que também vos serviu e que, se vivo fosse, faria agora cem anos. E, a propósito dele, gosto de pensar que os homens que servem com paixão e desinteresse as grandes causas humanitárias hão-de viver sempre rodeados de incompreensões e desenganos mas nunca se arrependem do bem que fizeram e o maior deles é o exemplo que deixam aos filhos, apesar das ausências de casa que tanto arreliam as nossas Mães e que tanta falta fizeram aos filhos semi - abandonados numa adolescência sempre difícil.

Mas o saldo positivo é gigantesco, salutar e recompensador. E se a má memória dos detractores não dorme, é preciso que a boa memória dos justos não se cale para que não nos tenhamos de lamentar como Martin Luther King, da dolorosa indiferença dos que nunca tomam posição perante as injustiças.

Temos então que a nossa Associação faz anos hoje. Centro e trinta, rezam as crónicas, quando talvez precisamente nesta mesma sala reuniu pela vez primeira a Assembleia-geral da nossa Associação Humanitária presidida pelo Barão da Fonte Bela, ao tempo também presidente da Câmara; era bisavô de João Gago da Câmara, um dos presos do 6 de Junho de 1975, que também presidiu aos destinos desta famosa Edilidade, ainda hoje, apesar de octogenário e, graças a Deus, entre nós, com larga geração.

Nesse tempo, a nossa doca “já” tinha conseguido 544 metros de comprimento, mercê dos esforços de José do Canto e dos heróicos micaelenses, contra tudo e contra todos que nada se conseguiu nesta terra sem luta.

Estou imaginando o velho titular, nessa altura com 64 anos, saindo do seu belo palácio, hoje Escola Antero de Quental, no carro de cavalos com o brasão da sua casa pintado na portinhola do coche, o cocheiro de chicote em riste, com o trintanário a seu lado, na boleia, nervoso e pronto a desdobrar o degrau de ferro para sua excelência se descer sem sobressalto, da viatura. O porteiro da Câmara solicito e empertigado na sua farda verde de botões dourados, curvando-se perante o magistrado municipal e abrindo o cortejo que sobe pausadamente a escadaria dos Paços do Concelho perante o olhar espantado dos inúmeros basbaques postados em frente do Paço e desemboca solene nesta mesma sala das sessões, de tochas acesas e janelas abertas que o Verão ia alto e quente. – “Está aberta a sessão, em nome do Barão da Fonte Bela, excelentíssimo senhor Amâncio da Silveira Gago da Câmara e a ordem do dia é a instalação duma associação de voluntários Bombeiros nesta nossa grande cidade”. Sua excelência aceitara presidir à nova instituição, na sequência do convite que lhe foi dirigido pelos cavalheiros que tomaram a benemérita iniciativa e que a Senhora Câmara aprovou por unanimidade, disponibilizando esta sala para as primeiras reuniões. Presentes também os vice-presidente Manuel Joaquim Tavares, o secretário da Câmara, Pedro Paulo Santos, Guilherme Rangel, Manuel Sequeira (chefe de Polícia Municipal), António José de Viveiros, Agostinho Pereira de Medeiros e Inácio Ribeiro Alves, Inspector de Incêndios. Logo depois se associariam nomes sonantes da sociedade local, como o Conde da Silvã, D. Francisco, o Visconde do Porto Formoso, também avô do Presidente João Gago da Câmara, Ernesto do Canto, o próprio filho do Barão, o Barãozinho Jacinto que morreria muito novo. Atrás deles veio toda a gente de bem que graças a Deus era muita, na sociedade novecentista micaelense, de quem me permito destacar esse gigante da nossa benemerência, nascido na Rua do Saco e morador na Rua do Melo, Alfredo da Câmara que haveria de nos empolgar como povo, à volta do ideal humanitário, durante toda a sua vida, arrastando multidões para a celebração do 1.º de Maio, em vista a melhorar as desgraçadas condições de trabalho e de vida das nossas classes mais necessitadas, ou nos cortejos ou bandos precatórios que fazia percorrer a cidade para angariar fundos para as miseráveis viúvas dos nossos pescadores mortos em naufrágios que ele sentava cobertas de luto, em barcos incorporados no cortejo cívico, rodando ao som dolente, compassado e triste de tambores, ou para as meninas do Asilo a quem proporcionou dotes ou para os velhinhos do outro Asilo para quem organizou passeios e festas numa época tão longe do que hoje nos parece ser inovação. Promoveu espectáculos teatrais para recolher fundos para afastar a miséria dos nossos pobres, servindo os bombeiros mais talentosos de actores, em bem escolhidos dramas. Protegeu órfãos, viúvas velhos e pobres!

Fundou o jornal O Repórter para defender os seus ideais e para divulgar as questões ligadas aos Bombeiro. Fundou a Associação Autonómica Micaelense de que foi grande impulsionador. Como ajudou tanto quanto pôde, a escola nocturna de ensino primário e ginástica criada pelos Bombeiros, proporcionando as luzes da cultura a quem esta era negada por desmazelo e ocultas razões, numa época de analfabetismo generalizado e anquilosante.

Antigamente havia duas organizações de Bombeiros: os municipais que dependiam da Câmara a cujos quadros pertenciam e os Voluntários que pertenciam a si próprios e ao seu altruísmo. Quando havia um incêndio, tocado o alarme nos sinos da torre da matriz, com 10 badaladas para fogo em S. Pedro, 11 em S. José e 9 na da Matriz de S. Sebastião, primeiro chegavam os Voluntários, a seguir os Municipais, depois chegavam os Carros de Combate ao incêndio e, só passado algum tempo, chegava a água, fechada a sete chaves como bem precioso que era. Só que, às vezes chegava tarde de mais…

Vistos estes inconvenientes, um ano depois de cá terem estado os Reis de Portugal, fundiram-se as duas corporações na actual, tendo vencido os Voluntários na luta surda pela sobrevivência dos melhores mas subordinando-se aos grandes princípios éticos, fundamento de toda a sua acção: Honra, Heroísmo e Filantropia.

Hoje, observando as magníficas instalações que Albano Neto de Viveiros e a sua equipa conseguiram edificar, e os instrumentos de combate postos à nossa ordem, num sábio aproveitamento dos abundantes meios humanos e materiais de que miraculosamente dispomos, não se faz uma pálida ideia do que foram os instrumentos de trabalho dos nossos antepassados que por aqui passaram.

O nosso primeiro Quartel foi na Rua do Gaspar, hoje rua Dr. Bruno Carreiro, inaugurado com pompa e circunstância, em longo cortejo de homens e material da Praça do Município pela rua dos Mercadores, Largo de Camões, Travessa da Graça, Ruas de S. João, João Moreira, Stº. André, Conde, Canada, Theatro (hoje, Marquês da Praia), S. Braz e Gaspar, tudo acompanhado pelas boas marchas triunfais da Rival das Musas. O Barão, o Dr. Pereira Ataíde que se incorporaram no cortejo, botaram discurso no novo Salão, onde Filomeno Bicudo e Araão Cohen declamaram poesia, e a Rival executou música apropriada. Foi isto em 1881, reinava serenamente o senhor rei D. Luís I e já roncavam nos subterrâneos da nossa terra os primeiros rugidos do autonomismo libertador.

Nove anos depois, mudaram-se os Bombeiros de armas e bagagens para a Rua do Aljube, aí onde tinha funcionado a cadeia religiosa que albergara durante séculos os que da religião tinham uma visão pouco ou nada ortodoxa. Ali funcionariam as aulas de instrução primária e de ginástica para quem quis e pôde.

Correram mais doze anos e foi então que os nossos Bombeiros se mudaram para o velho Teatro de S. Sebastião na velha Rua da Louça, hoje chamada de Manuel da Ponte, em memória do grande autonomista, pedagogo e republicano. A casa era dos descendentes do Morgado José Caetano e nessa família se manteve o edifício até há pouco tempo. Aí puseram os soldados da paz a funcionar um salão de cinema, invenção revolucionária. E foi neste salão de cinematógrafo que se dançou o primeiro tango Argentino nesta ilha, a nova dança esperada com “ansiedade”! Executada pelo professor Manuel Joaquim de Matos e pela sua aluna Arménia Casanova. Um sucesso. Isto tudo de mistura com a Tuna dos empregados comerciais e um quinteto Vitaliani, com fados e concerto de piano e as inevitáveis poesias tudo muito aplaudido e apreciado.

Foi desse edifício já degenerado em pardieiro quando tomei posse como presidente em 1972 que comecei numa luta sem quartel para lhes dar novo quartel e consegui, apesar das inúmeras dificuldades que tivemos de enfrentar numa instituição deste género que dispunha então de apenas uma viatura que, para subir a rua Joaquim Nunes da Silva, tinha de ser rebocada por um tractor! E com todo o restante material obsoleto e quase inútil. Ilídio Rodrigues disciplinou e treinou o pessoal e nós arrebanhámos duas viaturas novas do BPI e do Grupo Bensaúde ao passo que erguíamos a toda a força as paredes da nova casa com a empresa de Mestre Manuel Soares e a orientação técnica desse humilde gigante engenheiro João Gilberto de Medeiros. Mas estou eu a falar de mim, esquecendo-me que elogio em boca própria é vitupério. Os outros que digam antes que estrague a festa. Quando estava tudo quase pronto, veio o 6 de Junho de 1975 e a minha prisão pelo que foi o meu carcereiro para minha amargura quem presidiu à inauguração do nosso trabalho, em sessão soleníssima, a que tive de assistir a seu lado, para mal dos meus pecados que até a caneta ele me emprestou pois a minha, na hora de trabalhar, recusou-se, sabe Deus por quê!

Julgava eu ter descoberto o caminho marítimo para a felicidade dos Bombeiros no que diz respeito a meios materiais e, eis senão quando, vem a Europa e os seus milhões e o Albano Neto de Viveiros que os agarrou fazendo uma obra única no País e quase única na Europa. Esta coisa de ser o primeiro, acreditem, não é fácil! Claro que nem ele nem eu trabalhámos sozinho. A minha companhia foi o Padre Zacarias, o Sr. Tibério Barbeiro, o Sr. José Francisco, secretário judicial, João Gualberto Arruda e os comandantes Ilídio Rodrigues, herói da Guiné e Álvaro Lemos que foi herói lá e cá, pois à sua devoção devemos todo o período áureo da corporação.

Os Companheiros do Albano foram Clarimundo Brandão e Ferreira de Almeida que sem eles não se teria conseguido coisa tão boa. A cereja em cima do bolo foi a bela estátua de Álvaro França, esse micaelense escultor e mestre de escultores, obra que eu tinha sonhado para uma das praças da nossa cidade com a efígie de Alfredo da Câmara. Valha a intenção que a Câmara de então, quiçá envolvida em complexos duma falsa direita, não deixou.

Hoje, Vasco Garcia e os seus colaboradores, gerem uma máquina complexa, pesada, difícil e eficiente. Graças a Deus que estão ao leme, pois doutro modo não seria fácil conseguir os resultados espantosos até agora obtidos em que a segurança inspirada é total.

Consola-me a lembrança de que a disciplina de hoje é herdeira do desejo dos fundadores da corporação, em que os aos bombeiros era vedado andar em brigas e desordens nunca podendo aparecer embriagados com farda sob pena de expulsão imediata, sem apelo nem agravo. Consola-me saber que meu querido e saudoso Pai, formado nas fileiras do glorioso exército português ainda que como oficial miliciano, impôs, inspirado na velha instituição castrense, uma disciplina férrea que pode tê-lo tornado pouco simpático mas o seu ensinamento perdura no ânimo dos que servem pois que sem essa disciplina não há ordem mas o caos que impede toda a obra útil.

Não disse tudo (nem nunca ninguém o dirá) sobre a história destes nossos heróis mas gostaria ainda de vos referir que aos Bombeiros também se ficou devendo durante décadas, o socorro a náufragos e a criação do Clube Naval hoje tão prestigiado e afamado.

No auge da campanha autonómica de 1893/95, António San-Bento que guardava os aprestos de socorro a náufragos numa arcada da Praça do Município por ele arrendada, junto ao Cais da cidade, pediu ajuda à Câmara. Aí ou no Cais da Sardinha ao Corpo Santo ou no Campo de S. Francisco, funcionou por vez primeira o Club Sport Náutico, avô do actual, com bóias, foguetes de lançamento de cabos e todos os outros aprestos com que salvaram centenas de vidas nacionais e estrangeiras e por tantos foram louvados e agraciados. Os sinos de alarme tocavam 7 vezes para chamar os socorristas ou não fosse esse número cabalístico tão da predilecção dos homens dos sete mares e dos sete ventos!

E não vou dizer mais que hoje é dia de festa. A todos os que se sacrificam todos os dias por nós muito e muito obrigado e muitos parabéns por manterem vivo e em bom estado, o ideal romântico de Vida por Vida que nada há de mais sagrado nem de mais agradável neste mundo.
Carlos Melo Bento
2009-08-04






domingo, 26 de julho de 2009

Entrega de Prémios a Regina Bolarinho e a Pedro Sousa


Senhor Presidente da Câmara de Vila Franca do Campo
Senhora Presidente da Câmara de Ponta Delgada
Senhor Almirante Comandante Operacional dos Açores
Senhor Almirante Comandante da Zona Marítima dos Açores
Excelentíssimas autoridades
Minhas senhoras e meus senhores


Quando o bom Deus nos dá o privilégio de, em nossa vida, podermos comemorar o centenário de quem nos gerou, cumprir o Seu mandamento, de honrar pai e mãe, toma um significado porventura mais intenso e o êxtase que se sente não tem paralelo. Fazê-lo, rodeado de amigos, constitui porventura momento único na vida.

Quando informei o senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, Rui Carvalho e Melo da nossa intenção, foi com alvoroço que a Família recebeu a pronta anuência a esta modesta iniciativa. Já não bastava ele ter realizado, como autarca dinâmico e amante da sua terra, uma obra notabilíssima como também foi o primeiro governante que concretizou dois importantes sonhos das gerações e gerações que, antes dele, foram impotentes para o fazer. Toda a minha vida ouvi de meu pai, vilafranquense militante e apaixonado, que a primeira capital de S. Miguel tinha de ter um porto de pesca condigno, e primeiro que todas as outras terras. O Marquês de Pombal rasgara o projecto do porto, ligando a Vila ao Ilhéu porque o achou megalómano. A geração de oitocentos, apesar do seu prestígio e influência, apenas conseguiu um arremedo de alicerce que ali pairou décadas como prova da indiferença geral. Rui Melo, habilmente, harmonizou as forças normalmente antagónicas e realizou o sonho de tantos, entrando na história por direito próprio e agigantando-se perante os demais, com uma obra que se dizia impossível.

O outro sonho é o de elevar a Vila a cidade. Nunca esta terra esteve tão perto de merecer esse galardão, tantas têm sido as obras realizadas durante o consulado de Rui Melo. Vila Franca está irreconhecível e prenhe de actividade e dinamismo. Parece outra. Essa transformação ocorreu durante o seu consulado e o seu nome jamais poderá ser divorciado desse passo gigantesco. Bem-haja senhor presidente.

Chegou porém o momento da cultura porque nada de durável e de belo se faz sem ela, a não ser por sorte. As belas artes são a manifestação do bom gosto e atingem a alma pelos sentidos, maravilhando-a. Daquelas, a pintura é princesa. E desde que essa arte libertou as cores das formas existentes e clássicas, como que a pintura ganhou foros de liberdade e os pintores expressaram-se de maneiras estranhas. O pintor que ides contemplar inventou o pincelismo que ele traduz na busca da ideia através da cor. Formado em filosofia é natural que procure as razões das razões. Fazê-lo pintando é tarefa incrível. Costuma pintar o mesmo tema vezes sem conta, até que a ideia que procura fique desenhada na feição ou no objecto ou no conjunto. Os quadros aqui expostos são o produto dessa actividade que desenvolve obcessivamente há anos e sempre insatisfeito. Oxalá que esta mostra consiga realizar o favor que a Câmara de Vila Franca dá às manifestações do espírito, porque nem só de pão vive o homem.

Por isso também, aproveitámos este momento para galardoar aqueles que pela excelência do seu trabalho atingiram os lugares cimeiros no estabelecimento de ensino de maior grau desta Vila. Aproveitámos o facto de nosso pai ter sido aqui aluno do ensino secundário e depois em Ponta Delgada dedicado professor de matemática desse mesmo ensino e, criámos um prémio com o seu nome, que foi atribuído ao aluno mais bem classificado do 12.º ano em matemática. Este ano vai recebê-lo, REGINA MARIA DE PAIVA BOLARINHO que o arrebatou com a média final de 17 valores. Embora nascida no Hospital de S. José de Ponta Delgada, em 1991, a Regina é filha de vilafranquenses e passou toda a sua vida nesta Vila onde frequentou a escola primária dos professores Graça Amaral e João Esteves que lhe marcaram o ritmo escolar para sempre. Depois, na Escola Secundária da Vila, foi aluna de diversos mestres de que ela própria destaca pela influência que nela tiveram, o casal Paula e Fernando Vieira em filosofia e psicologia. Mas a professora de matemática seria Maria da Graça Bettencourt Gata que lhe vai dar o impulso inicial para alcançar o curso de engenharia civil que pretende tirar. Registo que em 2008, a Regina já recebeu o prémio da melhor aluna do 11.º ano da sua escola e este ano lá foi com professores e colegas em férias para a Cote d’Azur, Barcelona e Lisboa. Peço ao senhor presidente da Câmara que lhe entregue o diploma que regista o justo galardão que recebeu e que foi composto nas oficinas desse vilafranquense de primeira água que é Valentino Henriques, a quem aproveito para agradecer a amizade e a prontidão com que sempre nos atendeu e serviu. À minha irmã, Maria da Graça peço que entregue à Regina o prémio que lhe atribuímos.

O outro galardoado é Pedro Miguel Furtado Sousa. Filho de Ponta Garça, onde nasceu em 1990, ali frequentou a Escola Professor José Jacinto Botelho, onde Manuela Lopes lhe forjou a alma de estudante nos moldes da sua têmpera bondosa de professora e mestra. Na escola secundária da Vila, vai deliciar-se com as aulas de Paula Vieira que muito o influenciaram e, naturalmente, com as do professor de história, André Moura, onde alcançou o primeiro lugar entre os seus pares. Espera-se agora que essa preparação lhe sirva de bom apoio na carreira que pretende seguir na Academia Militar, e talvez seja de bom augúrio para ele a presença de tantos oficiais superiores nesta cerimónia…E por ser ele o melhor aluno de História do 12.º ano de Vila Franca neste ano de 2009, é que a Fundação Sousa d’Oliveira, cujo fundador introduziu a arqueologia científica nos Açores, precisamente aqui em Vila Franca onde estão soterrados com tudo o que tinham, milhares de vilafranquenses que nessa fatídica madrugada de 1522 perderam a vida, lhe resolveu dar o prémio do seu fundador. É preciso inventariar os lugares importantes da Vila velha fundada por Gonçalo Vaz Botelho no século XV e defendê-los de destruição, pois eles não têm preço quer em termos turísticos quer em termos científicos quer em termos patrimoniais. O progresso verdadeiro faz-se com a salvaguarda dos valores culturais. Peço ao Dr. Almeida Melo, secretário-geral da Fundação Sousa d’Oliveira que entregue ao nosso galardoado o diploma a que tem direito e ao Professor Doutor Teixeira Dias, presidente do Conselho Fiscal da Fundação a gentileza de entregar o prémio agora criado.
Ao Dr. António Pracana Martins peço que ofereça a cada um dos nossos galardoados de hoje, dois livros. Um sobre as escavações em Vila Franca feitas pelo nosso fundador e o outro a minha romântica História dos Açores.

Antes de terminar, peço licença para agradecer à Dr.ª Aureliana da Câmara a pronta colaboração e o entusiasmo que emprestou à nossa iniciativa, ao mesmo tempo que formulo votos para que goze com muita saúde e proveito as novas instalações da escola secundária desta Vila, a cujos destinos preside com tanta competência e que é, acreditem, a única via para o verdadeiro progresso das populações. À senhora vice presidente da Câmara, Dr.ª Eugénia Leal, agradecemos a forma gentil e eficaz com que nos recebeu e executou a deliberação camarária quanto a esta iniciativa.
Finalmente, the last but not the least, ao Dr. Miguel Cravinho e aos seus colaboradores quero enfatizar a excelência e o rigor do seu trabalho científico, as suas irrecusáveis sugestões e decisões que puderam tornar a nossa pobre iniciativa num primor artístico que até meu irmão Manuel cuja habitual ausência física nestas ocasiões em que o seu trabalho é julgado, não pode ser interpretada senão como liberdade poética, certamente aprovou lá no íntimo da ideia que tanto e há tantos anos procura pintar.

Obrigado a todos.
Carlos Melo Bento
2009-07-18



terça-feira, 21 de julho de 2009

Coisa Estranha

Como era de esperar, começaram a aparecer na imprensa do costume revelações que dão a entender que o Tribunal Constitucional vai chumbar mais normas do Estatuto aprovado unanimemente pelos órgãos representativos do Povo Açoriano. Esta é porém uma questão que levanta alguns problemas. O primeiro é saber como é que esses órgãos de comunicação social têm conhecimento dum processo que talvez não esteja em segredo de justiça, é certo, mas que se saiba, não foi objecto de nenhuma conferência de imprensa que divulgasse o pensamento, as razões e as decisões dos conselheiros constitucionais no chumbo que agora se anuncia. Isto no mínimo é deselegante. No máximo, cheira a cabala de quem deveria proceder de outra maneira, pois quer-me parecer que o Estado de que os tribunais são parte integrante e importante, se se proclama pessoa de bem, tem de o ser. Que aquela comunicação social se aproveite das fugas de informação já é pouco ético, mas aí as atitudes ficam com quem as pratica e valem o que valem. Agora que ao nível dum órgão de cúpula do poder judicial se permitam fugas de informação dum Estatuto que rege o destino dum povo inteiro que pode não caber na Constituição de 1976 mas que cabe certamente no coração dos açorianos de lei, é que é coisa estranha, inqualificável e certamente condenável.
Carlos Melo Bento
2009-07-21

Posturas

Com emoção assistiu-se à triunfal recepção a Craig de Mello proporcionada por quem de direito rematada por inesquecível recepção no Teatro Micaelense em que o ilustre visitante proferiu conferência de alto nível científico explicativa da tese que o levou a Estocolmo e receber o mais importante e prestigiado galardão do mundo. Um sistema de tradução simultânea diligentemente distribuído aos convidados, ajudava a perceber o que aquele bisneto de uns pobres emigrantes da Maia e hoje príncipe da ciência, dizia, em inglês. Seu bisavô, se vive fosse, também usaria o aparelho. Foi das cenas que mais emocionantes o ver, na América, uma avó falar com um neto ainda criança e este responder-lhe apenas em inglês que ela não percebia. Só o amor os unia mas, ainda assim, a barreira era tremenda e traduzia o drama de quantos a emigração espalhou irremediavelmente. Mas a questão aqui é outra: um dos nossos conseguiu o Nobel. Dêem-nos terreno que o cultivamos. Somos bons como os melhores e se na nossa terra não conseguimos vencer, a culpa não é só nossa. A recepção foi triunfal, bem preparada e digna de quem a fez e de quem a recebeu. Algumas ausências inexplicáveis. Oxalá que no calor das lutas eleitorais não se pise o risco com posturas fracturantes de efeitos irreversíveis. Somos tão poucos que desunidos de nada valemos.
Carlos Melo Bento
2009-07-14

terça-feira, 30 de junho de 2009

Máscaras

As europeias foram intrigantes. Dois deputados desunham-se a trabalhar no nosso interesse, com afinco, projecção e aparente dignidade. São afastados por razões nunca explicadas, como certamente deveriam ter sido. A opinião pública, em democracia, não pode nem deve ser tratada com a indiferença e o desprezo das ditaduras. Sem círculo eleitoral, ainda assim contemplaram-nos com dois deputados, por ora politicamente inócuos e desconhecidos que partem do zero. Num arquipélago em que praticamente tudo o que de grandioso e bom aqui foi realizado, em todos os sectores, se deve ao dinheiro e à intervenção da Europa, é chocante que apenas 20 por cento dos eleitores tenha consciência disso. Depois, que esses 20 por cento se tenha preocupado mais com os sportings e benficas da política do que com o que aqui realmente acontece, faz pensar que os autonomistas falharam na sua missão de fortalecer o espírito autonómico nos destinatários da política açórica que parecem viver lunaticamente fora daqui. Não tivemos Freeports, nem Loureiros nem pressões políticas sobre os tribunais, nem dinheiros do Estado em offshores, nem a bandalheira autárquica de outros azimutes. Falhou ainda a comunicação social, televisão à cabeça, alheadas do essencial, arrastando-se pelo folclore e pelo fútil. Pode o resultado ter favorecido uma das partes. Mas isso é, por enquanto, ricochete sem significado real. Importa vislumbrar para além das máscaras, os verdadeiros actores e sua real valia. As próximas são a valer e a doer.
Carlos Melo Bento
2009-06-09

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Esferas

Jurgen Habermas o filósofo alemão autor da chamada “Teoria da acção comunicativa”, que manteve um debate extraordinário com Bento XVI, ainda Cardeal, discutindo a esfera pública, e onde a opinião pública é escalpelizada racionalmente até saber-se alguma coisa sobre a forma como ela própria se estrutura, obriga-nos a meditar numa coisa simples. O que é que o povo quer? Como é que nós sabemos se é isso que o povo quer? Que desvios pode levar a esfera da opinião pública desonestamente conduzida para este ou aquele resultado? Há muitos anos, ao escrever o primeiro volume da minha História dos Açores, proclamei com orgulho (pecado feio) que nós açorianos éramos diferentes e tínhamos capacidade de permanecer diferentes. Vivendo em comunidades pequenas onde todos nos conhecemos (ou temos obrigação de conhecer), parecia-me, restaurada a democracia, que não iríamos ser uma Maria que vai com as outras e teríamos uma palavra diferente a dizer, como em 1580, 1830, 1895, 1925 e por aí adiante. Mal sabia que os outros também conheciam Habermas e, jogando com ele, levaram-nos para onde quiseram perante a estupefacção de alguns (poucos). Os peritos (que se alugam a quem querem) ganham as opiniões gerais através de truques que nada têm a ver com a realidade social. E é vê-los fazerem presidentes ou primeiros-ministros ao sabor de métodos que dominam como treinadores de futebol de alta competição. O povo nunca se engana, dizem sempre os vencedores. Talvez…
Carlos Melo Bento
2009-06-23

terça-feira, 16 de junho de 2009

Dilema

Berta Cabral enfrenta difícil e delicado dilema, face às próximas legislativas. Ferreira Leite quer escolher os candidatos. Tecnicamente, nos Açores, prevalece a autonomia mas, a partidária, nas europeias não funcionou completamente. E, mesmo que se tornasse necessário renovar os candidatos, Mota Amaral não deu ainda mostra de cansaço e a líder açoriana parece enfrentar o dilema de Marcelo Caetano face a Américo Tomás, ressalvadas as distâncias e as situações. Por um lado, ele continua a representar o passado heróico laranja que exerceu o poder 20 anos. Por outro, a sua postura como deputado não esteve à altura do seu prestígio nacional, haja em vista a questão do Estatuto Autonómico em que pareceu não ter tido influência. E, ainda, a nova geração que pode decidir tudo, praticamente não o conhece. Com lugares cativos para as outras ilhas e sendo naturalmente importante a identidade dos candidatos, vai ser interessante seguir o processo de escolha daquela que é a política mais bem colocada para disputar a sucessão do poder nos Açores, que é a que nos interessa. Qualquer erro pode deixar tudo a perder. É certo que as tendências do eleitorado nas últimas duas eleições parecem querer deslocar o eixo do poder do seu lugar actual. César, no auge da sua governação com realizações que atingem a mesma dimensão de Mota Amaral (aeroporto, hospital, versus, Portas do Mar e SCUTS, por exemplo), vê o seu eleitorado recuar. E um governo Ferreira Leite em Lisboa, nesta altura, nada de bom augura.
Carlos Melo Bento
2009-06-16

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Biografia de Alfredo de Melo Bento 1909-1994

Biografia de Alfredo de Melo Bento: filho de Manuel Francisco Bento (da Ponte) e de Rosa Viterbo de Mello Bento, nasceu na freguesia de S. Miguel, em Vila Franca do Campo em 18 de Julho de 1909, tendo sido baptizado na Igreja Matriz do Arcanjo S. Miguel da velha Capital da Ilha do mesmo nome. Nessa vila frequentou a escola primária de sua tia D. Maria de Lurdes Bento da Ponte e Melo e o Externato de Vila Franca em que foi aluno do Padre Ernesto Ferreira, sócio correspondente da Academia das Ciências e do notário, historiador e literato Urbano de Mendonça Dias. Foi também aluno do Liceu Antero de Quental onde recebeu ensinamentos, entre outros, do poeta Espínola de Mendonça e de Armando Cortes-Rodrigues, companheiro de Fernando Pessoa, no Orpheu. Formou-se em engenharia de máquinas em 1936, no Instituto Industrial de Lisboa fundado por Joaquim Bensaúde, onde foi discípulo dum dos melhores matemáticos da Europa do tempo.

Em 1939, casou em Ponta Delgada com Natália Maria Augusta da Silva (filha dum abastado comerciante desta cidade); tiveram quatro filhos: Manuel Alfredo, Carlos Eduardo, José Rosa e Maria da Graça.

Foi mobilizado em 1941 para o Corpo de Engenharia do Batalhão Expedicionário dos Açores onde atingiria a patente de tenente miliciano, ficando-se-lhe a dever a construção de inúmeros aquartelamentos militares designadamente hospitalares, como o de S. João na sua terra natal. Depois de cumprir o serviço militar, foi colocado no quadro da Direcção dos Serviços Eléctricos e de Viação e Trânsito da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada, encarregado dos exames de condução e inspecções, cargo que desempenhou praticamente sozinho até 1979, ano em que atingiu, contrariado, o limite de idade.

Foi professor do ensino técnico, ministrando entre outras, em ensino nocturne, as disciplinas de desenho técnico e matemática na Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada, durante mais de duas décadas.

Foi Comandante dos Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada de 1955 a 1957, cargo a que dedicou toda a sua paixão filantrópica, formando pessoal, melhorando o equipamento, tomando a iniciativa de angariar fundos para a construção do novo quartel, para o qual obteve da Câmara Municipal, terreno na Avenida marginal, Infante D. Henrique, em Ponta Delgada onde hoje se situa a Caixa do Montepio Geral.

Como Comandante da Brigada Naval, em Ponta Delgada, protegeu a sua terra natal, mobilizando a banda União Progressista para quem conseguiu fardamentos e instrumental, nessa época de muito difícil obtenção.

Foi torneiro amador de grande qualidade, habilidade que aprendeu nas oficinas de marcenaria de seu pai, que foi o pioneiro da marcenaria electrificada em toda a ilha de S. Miguel e nos Açores. Foi também comerciante de ferragens com um pequeno estabelecimento que funcionou na rua da Cruz e na Rua dos Manaias, nos baixos da casa onde residia e onde lhe nasceram todos os filhos.

Nos anos cinquenta do século XX, tomou a iniciativa de criar o primeiro parque infantil da cidade de Ponta Delgada, que fez ajudado por seu irmão Eduardo de Melo Bento, topógrafo do Instituto Cadastral de Ponta Delgada e, como ele, também grande artista, desenhando e executando em madeira, entre outros brinquedos, animais de grande dimensão que foram colocados numa roda horizontal movida a electricidade, constituindo em todo o Arquipélago um parque de diversão do mesmo nível do de outros países. Ali também construiu uma roda vertical de cerca de cinco metros de altura, a primeira que a ilha teve e que constituiu durante anos a alegria de graúdos e miúdos.

Viveu o suficiente para assistir ao nascimento da sua primeira neta (Patrícia) em 26 de Outubro de 1965, e do seu primeiro bisneto, Carlos, em 25 de Dezembro de 1992.

Faleceu na Clínica do Bom Jesus em Ponta Delgada no dia 25 de Abril de 1994. Deixou ainda dez netos e oito bisnetos.