quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Para uma Biografia de Natália Correia


O Reino dos Transparentes


Entre os manuscritos de Natália Correia que a sua amizade me dispensou, existem dois que gostaria de partilhar publicamente, não tanto para exibir essa amizade que o destino forjou em circunstâncias tão excepcionais mas para tentar explicar uma faceta do seu génio tão sublime como paradoxal e em vida só compreendido por uns poucos como é costume entre nós.

E foram de facto excepcionais esses tempos de fim do Império e do Estado Novo que ela abominava e que eu respeitava, o que deu à nossa amizade um tom ainda mais invulgar, não desfazendo no pigmeu que eu era perto da sua figura gigantesca.

Natália era o espírito mais livre que conheci, guiado apenas por uma estética que tuteava e por uma intuição (ou lá o que era ) que a elevava acima dos mortais conhecidos. Servida por uma cultura que parecia sem fim nem começo, as suas palavras, ditas ou escritas, foram néctar e manjar de deuses e ela divina sacerdotisa da coragem de ser e de dizer o que lhe ordenava o pensamento sem respeitos humanos de que desdenhava e sem temores reverenciais que desconhecia.

No mundo do seu universo mental havia um lugar muito particular para o esoterismo que ela cultivava quase ocultamente, como é dado às coisas encobertas que a fascinavam profundamente e é eloquentemente demonstrado por uma das suas obras mais conhecidas.

Voltemos ao manuscrito. Escreveu ela em 2 de Março de 1982, nesta querida cidade de Ponta Delgada, ao dedicar-me os Erros meus, Má Fortuna, Amor Ardente:” Para o meu querido amigo e leitor eleito C Melo Bento, em nome do Espírito que nestas Ilhas desponta para implantar o Reino dos Transparentes. ...”.

Por ora não quero falar do porque me chamou ela de “leitor eleito” que um dia se os fados me favorecerem, hei-de tentar explicar. Mas o Reino dos Transparentes merece dar entrada neste In Memoriam pois é uma expressão esteticamente tão perfeita que a sua beleza choca e convida a uma reflexão aprofundada.

Natália sentia que era chegada a era do Espírito, que deveria seguir-se à do Pai e à do Filho. Natália não era católica mas não desdenhava da religião pois escreveu num dos seus mais belos poemas (“Quando me derem por morta/De lágrimas nem uma pinga/Um trevo de quatro folhas/Tenho debaixo da língua”) que não desdenhava duma missa rezada por sua alma. Aliás, sempre me pareceu que o seu culto do esotérico era uma janela aberta onde buscou sem parar o mundo espiritual e tentou encontrar sempre as suas fontes últimas buscando a religião perfeita.

Ela viu no nosso movimento quando, ao som do hino do Espírito, tentámos e conseguimos unir todos os açorianos dispersos pelo planeta, uma chamada para si própria e acudiu-nos sempre que foi chamada. Mas ela sonhava com um mundo sem esconderijos, sem reservas, sem medos, sem perseguições, sem intolerância, onde se ouvia o “Cântico Novo” que ela escreveu e que tão esquecido anda, apesar de tocado todos os dias mais duma vez.

Quando me dedicou o “Dilúvio e a Pomba” ela escreveu que se achava identificada comigo “nos ritmos que aprendi nesta nossa Ilha do Arcanjo” e subscreveu assim;” Com toda a Amizade e no Espírito Santo”.

Não é fácil separar estas palavras da época em que elas foram escritas pois o ambiente político social era arrebatador e não é possível descrever a eufórica alegria que nos enchia a todos nas manifestações colectivas, como foi o caso do encontro maravilhoso que tive a sorte de proporcionar entre ela e o grande Vitorino Nemésio, no Ilhéu da Vila, em que se falou de tudo menos de presidências que para mim já estavam definidas há muito tempo.

Mas vi-a, espantado, tratá-lo por Mestre e escutá-lo respeitosamente, postura que nunca teve com mais ninguém, fosse Príncipe ou Presidente.

Sei que o seu desaparecimento foi um dos golpes mais rudes e injustos que a nossa causa sofreu e de que dificilmente se recuperará pois os génios, como dizia Marcello Caetano, só surgem com intervalo de séculos. Mas a sua mensagem é imortal e crescerá de intensidade à medida que as pessoas se esqueçam da sua postura irreverente, iconoclasta e perturbadora e compreendam sem preconceitos a beleza sem par da sua poesia.

Sousa de Oliveira, que também participou no encontro do Ilhéu (que aliás estimulou), considerava-a a maior poetiza de língua portuguesa no século XX.

Quanto a mim que temo não conseguir alcançar a transparência da Poetiza, resta-me incensar o altar da deusa com os perfumes duma admiração que se esfuma dos turíbulos dos seus versos imortais.

Carlos Melo Bento

16 de Julho de 2004



terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Soou a Hora!

6 de Junho de 1975
6 de Junho de 1976

Bruno Carreiro à minha esquerda,

José de Almeida à direita.

À nossa frente muita gente.
Estamos no campo sagrado de S. Joaquim, em Ponta Delgada. O presente e o passado, ali, conjugam-se sem dificuldade. O que eu digo por sobre as bandeiras é um grito d' alma. O que as flores pretendem dizer é a voz da natureza. O silêncio sepulcral é o sussurro da História.

À MINHA TERRA À MINHA PÁTRIA

AÇOREANOS!

Soou a hora derradeira para a nossa escravidão.

A libertação está próxima e já o seu suave encanto brilha em nossas almas.

Temos de expulsar o demónio da cobardia, para sempre, das nossas vidas.

Que nunca mais, para nunca ser, o nosso Povo torne a sofrer impunemente a ignomínia da grilheta do condenado.

Inconformemo-nos com a nossa sorte e condição. O tempo dos servos tem de acabar também para nós.

Substituíram o chicote pela lei iníqua e a escravatura pela exploração insidiosa.

Erguei-vos porém e, de cabeça levantada, havemos de tornar-nos homens livres, para que seja santa a nossa solidão de eternos cavaleiros do mar; para que seja solene o nosso silêncio contemplativo; para que seja sagrado o nosso imparável espírito de aventura.

Na ordem e na liberdade construiremos um mundo novo num País novo.

1.Estão neste Campo Sagrado as cinzas dos primeiros operários da obra que nos está agora confiada.

Onde está a honra dos que vacilam em segui-los?

Onde está a coragem dos que se envergonham de imitá-los?

Onde está a lealdade dos que se ufanam em atraiçoá-los?

Mães açorianas que me escutais, que os vossos filhos possam dormir neste chão fatal com a glória de terem servido o POVO AÇOREANO!

Jovem açoriano põe o teu braço ao serviço da tua Pátria. Não o deixes vergar em tempo algum e em nenhuma parte.

Onde estiver um açoriano aí está a ditosa Pátria nossa amada, filha de Portugal, Mãe Pátria, que t a n t a s vezes nos não quer compreender.

Portugal, acorda! Emancipaste os teus outros filhos. Desfizeste a tua casa. Agora liberta este que de ti herdou o orgulho de ser livre.

Não o faças teu escravo que nós somos sangue do teu sangue, carne da tua carne.

Não ouves o choro plangente que sai do nosso peito? Não acodes à súplica pacífica que ordeiramente te fazemos?

Porque haveríamos de sujar as nossas mãos com gestos parricidas e sacrílegos se nós te amamos afinal?

Que mais preferes: um escravo obediente ou um filho livre e amigo?

Liberta-nos Portugal!

Não mandes mais ninguém de tão longe para nos governar. Para que havemos de sofrer os arbítrios de ambiciosos ou as prepotências de oportunistas?

Que ganhas com isso Mãe - Pátria?

Para que queres que os teus algozes cobardemente e pela calada da noite nos prendam nas nossas próprias casas?

Pensarás talvez que tão grande e inulta afronta ficará impune? Que nos deixaremos ficar enxovalhados e algemados sem nos revoltarmos?

Pensas que esquecemos que somos de estirpe de gente livre e que livres pretendemos viver?

2. E aos estrangeiros que se acoitam no nosso território para dele fazerem poiso para voos guerreiros contra povos que não são nossos inimigos queremos dizer-lhes que basta. Que ganhamos nós com isso? Quem nos compensa pelo grave risco que os seus interesses egoístas nos fazem correr? E para quê corrê-los? Acaso alguma vez nos ajudaram? Houve algum gesto? Alguma voz sequer se levantou a interceder por nós, quando o governo de Lisboa inspirado de leste nos fazia sofrer por nos julgar comprometidos com esses falsos amigos?

Se na adversidade se conhecem aqueles que de facto estão por nós, agora sabemos pelo menos com quem não contamos.

E se assim é, limpem-nos a casa que a queremos só para nós. Vão-se embora que aliados desses podemos muito bem passar sem eles.

Aliás nunca nos enganaram não julguem.

Os nossos emigrantes, esses sim, são nossos irmãos de carne e de ideal. Vivem connosco, na nostalgia do afastamento, o ritmo da Pátria que nesta hora histórica eles ajudam a construir.

Nós não ignoraremos os sacrifícios sem conto que padeceram para buscar um conforto material e uma dignidade que em casa não tem sido possível conseguir.

Nós não olhamos para eles como quem vê fábricas de dinheiro para gastar. Se nos ajudarem, muito bem, mas se, atentas as desconsiderações que sofreram e os vexames a que sistematicamente os votam, compreendemos perfeitamente que suspendam essa ajuda até saberem quem é que estão ajudando e até que possam ter a certeza que em sua terra também têm voz activa. Tanto quanto os outros ou mais. Porque aquilo é o seu trabalho, o seu ganho e o seu sacrifício. Ninguém os poderá usurpar.

3.Mas há aqueles também que não queremos deixar sem resposta que pretendem amarrar-nos a conceitos abstractos de integridades tardias,

Íntegro era o Império; grande era o Mundo Lusíada e esse sim, é imorta1, por maiores heresias que sofra por parte de pseudo patriotas que, tendo falhado na espada contra o inimigo, querem cobardemente vingar-se nos filhos indefesos.

Parecem D. Sebastião que tivesse sobrevivido ao mais desgraçado Alcácer Quibir da história dos Lusitanos e quisesse esconder o amargo da derrota no castigo de inocentes. Hipócritas! Como podeis agora pronunciar a palavra Pátria sem corar? De vergonha! Como podeis falar de integridade real se vos falta a integridade moral?

4.Qual é o nosso futuro? Que vida nos espera?

Primeiro temos de conciliar a Família Açoriana; qualquer açoriano de qualquer credo, esteja onde estiver, é nosso irmão.

Os nossos adversários não descansam e por isso é natural que lancem campanhas para nos desunir.

Eles atiram o rico contra o pobre, o micaelense contra o terceirense, o trabalhador desta arte contra o daquela outra. O residente contra o emigrante, o socialista contra o social-democrata, este contra o democrata cristão.

Eles infiltram-se entre nós, escutam as nossas conversas, usam-nas contra nós.

Publicam jornais e subsidiam jornalistas aqui e na América e no Canadá para que escrevam contra figuras conhecidas dos nossos movimentos, para os enfraquecer.

Eles fazem ameaças veladas, eles prometem este mundo e o outro e tudo para nos manter divididos para que reinem e nos explorem descansadamente.

Eles mentem sobre as nossas possibilidades. Depois de deixarem a nossa administração no caos em que ela se encontra, acusam-nos de nos não sabermos governar.

Mas isto não é terra de incultos que se enganem com patranhas e ameaças. Aqui não têm guerra a fazer ou ocupação a organizar.
E, não obstante, é por tudo isso que compreendo que haja açorianos bem intencionados que durante algum tempo militem contra os Açores.

Mas a nossa persistência e o mantermo-nos sempre dentro da razão, há-de mostrar-lhes o verdadeiro caminho. Quem tem razão tem muita força e quem a usa em sua casa é invencível.

É preciso congraçar a família açoriana; não mais irmãos contra irmãos, ou pais contra filhos. Unidos venceremos.

5. Eu compreendo aqueles que juraram solenemente servir o Portugal-Maior. Mas é tempo de verem que o Império que os nossos avós construíam já acabou, e talvez não tenha sido nossa a culpa.

Se temos que viver o presente, sem atraiçoar o passado e preparando o futuro, então temos que fazer uma análise serena e objectiva da nossa presente situação.

Um Estado é um Povo, um território e um governo.

Nós somos um Estado.

Os Estados não têm sentimentos, como as pessoas; eles têm interesses. Se temos interesses há que defendê-los, pois se o não fizermos alguém o fará por nós, mas contra nós, provavelmente.

E qual é o nosso interesse como Estado em potência? O interesse é o bem-estar e progresso social. Como consegui-lo? Para tanto há que fazer terminar toda e qualquer situação de exploração e colonialismo.

Há que purificar as instituições e torná-las em meros instrumentos da nossa vontade colectiva.

Só quando nós açorianos conseguirmos ser os únicos donos do que é nosso, só então nos poderemos considerar livres.

E não seremos livres enquanto nos ocuparem vasos de guerra em missão de soberania. Pois não nos venham dizer que eles estão aí para levar medicamentos a ilhas isoladas ou para defender os nossos mares de pescadores furtivos, já que conhecemos meios muito mais baratos e mais eficazes de conseguir uma coisa e outra.

Esses canhões flutuantes farão mais falta postados nas costas do Algarve ou do Minho do que aqui. A não ser que a sua verdadeira missão seja a de ameaça aos açorianos, tipo fiscais de impostos que nós pagamos sem contrapartida. Nessa altura a nossa resposta será outra completamente diferente, pois me não parece conciliável uma declaração de igualdade seguida de tratamento desigual. E, não obstante, nós somos diferentes e temos capacidade de permanecer diferentes.

Unidos os açorianos por uma consciencialização profunda e duradoura e pela extirpação de elementos exógenos que perturbam o nosso equilíbrio sócio económico, haveremos de dar um passo mais em frente. Refiro-me à purificação e libertação das instituições.

Na verdade os partidos continentais portugueses não servem os açorianos nem servem para os açorianos.

E a nossa vivência democrática está globalmente comprometida se a nossa actividade política tiver de fazer-se através do filtro dos partidos portugueses

Como o estará também se apenas um partido com sede aqui puder ter (se tiver) existência.

As leis fizeram-se para servir os homens, e não estes para servir as leis. E quer-me parecer que a constituição socialista que nos foi imposta, ao proibir apressada e acintosamente os partidos regionais (que a liberal Inglaterra permite, por exemplo), quis evitar que nos manifestássemos livremente, o que, penso, não poderá ser fonte de paz e de sossego.

Só quando os políticos açorianos puderem apresentar-se livremente ao eleitorado através de partidos seus é que consideraremos legítimas as autoridades nascidas de eleições nossas.

E só então serão legítimas as medidas económicas por elas tomadas.

Até lá, tudo o que for decidido em economia e noutros sectores vitais é da exclusiva competência e responsabilidade de quem abusivamente se diz nosso representante.

Se politicamente aspiramos a uma democracia livre, não orientada para duvidosos socialismos e, consequentemente, pura e genuína, no campo económico também aspiramos à liberdade.

Se ao Estado vier a competir o zelo dos interesses gerais, como comunicações, saúde básica, etc., no mais, a iniciativa privada deve ter o seu natural desenvolvimento para não cairmos no regime das mediocridades sociais.

Uma iniciativa que pague o seu tributo certo ao Estado. Mas uma iniciativa livre como a Pátria que queremos consagrar.

6. AÇORIANOS

Os obreiros do início da emancipação açoriana contemplam-nos do seu mundo misterioso e que maior homenagem pode fazer-lhes do que mostrarmos a nós próprios que essa obra não se encontra parada? Que nós somos dignos de continuá-la e aperfeiçoá-la?

E que homens há que ainda agora tiram devidas ilacções das premissas do passado. Por isso vos peço que olheis para um Homem que hoje e aqui simboliza a nossa luta[1]. Ele foi em nome do ideal levar a Mensagem aos nossos irmãos dispersos pelo Mundo. Ele empolgou-os e deu-lhes uma razão para viver e um sentido à existência.

Pelo ideal perdeu o emprego e arriscou a liberdade e os nossos adversários contra ele assestaram as suas armas.

Lembrando os mortos quero prestar homenagem aos vivos. E esse homem que tudo sacrificou para que as nossas vidas pudessem ter um significado e no nosso futuro possa brilhar a estrela da Esperança, nós diremos : o teu sacrifício não será em vão.

Ergueremos as nossas vozes e oporemos uma barreira invencível para além da qual só existirá Fraternidade, Liberdade e Amizade.

Não nos intimidarão as ameaças venham elas donde vierem. Não vacilará o nosso alento. Não descansaremos enquanto a Vitória não for nossa!

Perante estes túmulos sagrados, face a estas sentinelas eternas da nossa História, eu pergunto-vos:

AÇOREANOS:

- JURAIS DEFENDER ESTA TERRA ATEÉ AO VOSSO ÚLTIMO ALENTO?

- JURAIS OU NÃO PELA ALMA DOS VOSSOS IGREJOS ANTEPASSADOS QUE DAREIS A VOSSA VIDA PELA LIBERTAÇÃO DESTA TERRA?

- JURAIS OU NÃO QUE O VOSSO ESPÍRITO NÃO CONHECERÁ DESCANSO E O VOSSO CORPO NÃO CONHECERÁ CANSAÇO ENQUANTO NÃO FORMOS VERDADEIRAMENTE LIVRES?

Seis de Junho de 1976




[1] O orador referia-se ao Dr. JOSÉ DE ALMEIDA.

Obrigado!

Há pessoas que estando na nossa Terra e nela trabalhando, melhoraram duma forma profunda a nossa qualidade de vida, pela sua superior inteligência, pelo seu imenso saber, pela sua dedicação sem limites e pelos dons com que nasceram, sabendo transformá-los em bênçãos para aqueles que têm a fortuna de beneficiarem dos seu labor.

Bendita a Terra que tais filhos tem. Não são superhomens nem feitos de aço e são de carne e osso como nós. Sofrem as mesmas alegrias e padecem das mesmas dores do comum dos mortais, embora as angústias que o destino lhes reserva os firam com infinita dor, pois o absurdo da tragédia, nos seus espíritos clarividentes, é um punhal pontiagudo que amarra a agonia à alma sofredora tão profundamente como grandes são a angústia e a amargura causadas pelas fatalidades que os atingem.

Tão pouco lhes serve de lenitivo saberem que tantos lhes devem a vida, a saúde ou o saber porque, emersos no turbilhão de tão dolorosas emoções, sentem-se vítimas duma incompreensível injustiça que realmente existe mas para a qual não se conhece cura natural. Não conseguem sequer força para reconhecer que a sua falta poderá fazer perigar vidas ou perdê-las; que todo um trabalho de décadas se esfumará, transformando-se apenas numa grata recordação dos que tiverem consciência do que lhes devem.

Aos que cá ficam, porventura desamparados mas reconhecidos, resta apenas pedir a Deus que tudo pode, um bálsamo imenso que lhes dê ainda tanta felicidade como a que conquistaram para os outros.
Carlos Melo Bento
2008-01-29



domingo, 27 de janeiro de 2008

Manuel Alfredo da Silva Melo Bento

Nasceu meu irmão Manuel em 17 de Novembro de 1940, na cidade de Ponta Delgada, à Rua dos Manaias nº. 21, edifício que, à data pertencia a nosso avô materno, Carlos Augusto da Silva (nascido em 28 de Setembro de 1877 e falecido em 6 de Agosto de 1954), que a emprestara a nossos pais e que dele a herdaram.

Quer do lado de nosso Pai quer de nossa Mãe, descendemos dos primeiros povoadores da Ilha de S. Miguel. Do lado materno[1] seguramente de João Afonso Pimentel, o das Grotas Fundas, filho do terceiro Conde de Benavente, em Leão de Castela, cuja linhagem atira para a formosa Ribeirinha companheira de D. Sancho I de Portugal, que os poetas cantaram e o Rei amou apaixonadamente até morrer. Do lado paterno[2], pelo ramo Melo, descendemos de Pedro Vaz Pacheco, escudeiro da Casa Real, pai do 8º Memposteiro-mor dos cativos de S. Miguel, netos dos Marqueses de Fromista em Castela, vindos para S. Miguel, via Algarve, por causa das guerras das Comunidades, por volta de 1497-1502.

Ainda do lado paterno descende o meu biografado provavelmente de Pero da Ponte, o velho que veio para esta ilha no tempo do seu povoador Rui Gonçalves da Câmara (o filho do descobridor da Ilha da Madeira que governou S.Miguel de 1474 a 1497). Pero da Ponte era bisneto de Rodrigues Annes da Costa, o que fez a Torre da Raposeira no Algarve para acolher os senhores infantes.

Digo provavelmente, porquanto os documentos que o poderiam provar jazem nos escombros de Vila Franca do Campo que um terrível terramoto destruiu em Outubro de 1522. Apesar do nosso último nome ser Bento, a verdade é que o apelido da nossa Família foi durante 5 séculos pelo menos, da Ponte, e no século XIX, Bento da Ponte, até que nosso bisavô António José Bento da Ponte, decidiu que deixássemos de usar o Ponte para não sermos confundidos com um primo homónimo de quem não gostava. Até hoje, tal decisão só não foi acatada por nossa tia avó Maria da Glória Bento da Ponte Pires Coelho que era, como sua Mãe, professora, mas que desde que fugiu de casa para casar com o médico da Povoação, Dr. Tito Pires Coelho, tornou o seu relacionamento impossível.

Eram os Pontes mareantes, em Vila Franca do Campo, embora no século dezanove e princípios deste, ao menos o nosso ramo, dedicava-se com tanto sucesso à marcenaria que o nosso referido bisavô se vangloriava de ser um dos 40 maiores contribuintes da Vila; formou duas filhas professoras e um filho em engenharia electrotécnica, em Lisboa que deu boa conta de si em Portugal onde faleceu com descendência, na Serra da Estrela (Gouveia).

Nosso Avô Manuel foi destinado pelos pais para estudar para sacerdote católico. Em consequência dessa decisão que felizmente não acatou, saiu de casa muito novo, casou com a bonita filha dum rico “brasileiro” (Mariano Jacinto de Mello), montou e fez funcionar a primeira marcenaria eléctrica dos Açores e mandou nosso Pai, Alfredo de Melo Bento (1909-1994) estudar para Lisboa, onde, após longos e bem vividos dez anos, se graduou em engenharia de máquinas pelo Instituto Industrial de Lisboa.

Nosso Pai casou já de 30 anos feitos, com nossa Mãe, Natália Maria Augusta da Silva Melo Bento que tinha menos dez anos que ele e era filha dum dos mais opulentos comerciantes de fazendas de Ponta Delgada (Carlos Augusto da Silva).

Muito jovens ainda fomos os dois para a Escola Infantil das senhoras Mirandas que se situava ao canto em cima da nossa rua, na esquina nascente da Rua da Boavista e, quando ele ia fazer sete anos e eu seis, fomos os dois para a escola Normal de Ponta Delgada que nessa altura estava instalada num solar perto do mercado da Graça. Era ali professora a D. Mariana Bento (da Ponte) Carreiro, prima irmã de meu Pai. Fomos alunos dela durante 4 anos. Meu irmão foi o melhor aluno da classe e eu arrastei-me penosamente com muitas deficiências que a minha alta miopia só agravava, de parceria com a teimosia de meu Pai que só me deixou usar óculos na 4ª. classe, convencido que estava de que eu via muito bem!

Durante esses anos meu irmão foi uma espécie de protector, chegando até a entrar em brigas por minha causa, deixando o adversário de tal maneira maltratado, que houve necessidade de desculpas públicas e reconciliação oficial, diante de pais e parentes.

O destino porém, por vezes, prega-nos partidas cruéis. No exame de admissão aos liceus, nesse tempo obrigatório, meu irmão apanhou, em professor de ditado, o Dr. Armando Cortes Rodrigues que, escrevendo divinamente, falava um micaelense cerrado e nervoso, pouco mais que ininteligível. Chumbou meu irmão por erros no ditado, facto que o traumatizou de tal forma que jamais se recuperou da injustiça perturbadora de toda a sua vida académica.

Munido dum sentido de humor muito agudo, Mélito sobreviveu (tal foi o diminutivo que nossa Mãe lhe atribuiu, o meu foi Cálito). Mas sempre que lhe saía na rifa o Dr. Armando o caldo entornava-se, facto que lhe atrasou a formatura universitária. Desorientado por um ensino autocrático com o qual nunca fez as pazes, o seu percurso de adolescente iria levá-lo à América e Canadá, de onde o frio o expulsou rapidamente. Depois, vê-lo-emos trabalhar como apontador na ponte sobre o Tejo (a primeira, que foi baptizada com o nome de Salazar e depois crismada com o de 25 de Abril). Daí foi posto na rua pela Madrugada com quem nunca se deu bem. A venda de imóveis levou-o para França, e o Cadastro Geográfico para Coimbra e Lisboa onde, já casado, resolveu tirar um curso superior, o que fez em tempo surpreendentemente curto.

Ainda na Faculdade de Letras de Lisboa, apanha-o a Revolução dos Cravos cuja turbulência o arremessa para as plagas açorianas de S. Miguel, em plena convulsão independentista. O seu espírito inquieto onde porventura a minha prisão pelos pseudo revolucionários dos Açores gerou revolta, impele-o para acção directa em defesa da lavoura micaelense então completamente desorganizada e explorada, mas acaba por ser preso e julgado, liberto e amnistiado.

É neste período complexo de luta entre os autonomistas, centralistas e independentistas que a sua produção literária e artística se desenvolve com virulência.

Entre artigos para os jornais e os diálogos que tomam a direcção da comédia ou tragédia conforme a sua vontade criadora, ele usa a língua portuguesa com mestria e à vontade para obrigar o leitor a pensar criticamente o tema proposto embora lhe seja indiferente a opinião daquele, que despreza e ama simultaneamente.

A carga psicológica é porém indisfarçável. Partindo dum motor egocêntrico em que a introspecção chega a parecer violenta nos seus efeitos, ele descreve um mundo em que se de gladiam complexos, culturas, feitios, traumas, passado pessoal e político, formação académica e algum autodidatismo. Tenta a síntese. E, por vezes, atinge-a genialmente. Com ele abriu-se um novo capítulo na literatura escrita nos Açores. Desta vez sem a bênção dos poderes mas com a indiferença dum mundo oficial divorciado de valores reais e essenciais que ele cultiva com soberano desprezo pela opinião dos sábios da nomenclatura e da inteligentzia consagrada.

Do período que vai de 1975 a 2001 gostaria de destacar na sua obra literária os seguintes trabalhos. A Filoflá, No Reino dos Apedeutas, Os Esquerdistas e Os Memoráveis. Penso que são as suas obras primas, inspiradas pelo momento histórico da revolução abrilista, do fim do império português e a restauração da democracia que geraram no seu espírito os retratos geniais de figuras reais mas simbólicas de posicionamentos sociais e políticos diversificados. A universalidade desses tipos psicológicos, arvoram tal obra a uma altura até aqui inatingida na literatura açoriana.

Além destes trabalhos produzidos sob a forma de dramatologia, escreveu diversos diálogos em que aprofunda, à maneira socrática, temas que o atormentaram. Amargura, Caderno do Olhar, Desatino, Diálogo, Mente em Pó, Na Servidão do Desejo, O Biteísta.

Da pintura, só deve falar quem sabe. Por isso e bem vistas as coisas eu devia ficar mudo. Não sou nenhum Francisco de Holanda nem sequer vejo muito bem. Mas a verdade é que a pintura de meu irmão não me deixa indiferente.

Aliás, desde muito novo que ele mostrava queda para o desenho e trabalhos manuais. Julgo que eu tinha doze anos quando ele desenhou a minha cara a carvão, que nosso pai achou tão bem feita que decidiu logo que ele tinha que tirar o curso de dentista, devido à notória habilidade de mãos!

Penso, no entanto que a pintura de Mandala (um dos pseudónimos que adoptou já entrado nos entas) ainda se aproxima perigosamente da verdade quando ele pinta o retrato. Verdade psicológica e por vezes cruel como uma caricatura e que nossa irmã Maria da Graça vem salvando pacientemente da destruição. Licenciada em História, ela tem a noção do valor estético a preservar e observa a obra de nosso irmão pela verosimilhança e pela beleza.

Confesso que as primeiras obras que me ofereceu não me puseram eufórico, talvez porque nessa altura a pintura nada me dizia e nunca tinha visto na minha frente uma História de Arte.

Depois que ele atingiu a idade da sabedoria e à medida em que as pessoas que retractou se vêm tornando, com a idade, cada vez mais parecidas com a obra que inspiraram, esta torna-se profética e de alguma maneira denuncia o génio que estava oculto às mentes vulgares do nosso ainda mesquinho meio semi-medieval da cultura.

A paisagem e as flores, o nu e o abstracto são duma sofisticação e dum intimismo que denunciam uma alma tímida com a educação dum príncipe romântico. Sofisticação patente na harmonia das suas cores. Intimismo manifesto na solidão dos temas que se diriam concebidos numa torre de marfim onde os tumultos da plebe não sobem.

Possuo quatro estudos em que meu irmão tentou exprimir o mar, o homem e o domínio deste sobre aquele. Há diferenças subtis e quase imperceptíveis entre os quatro trabalhos mas que são suficientemente explícitos para demonstrar a busca sistemática e persistente dum objectivo quiçá não atingido.

Resta por fim o auto-retrato de que se já disse ser aquela obra onde o artista não se deixa iludir pelo modelo. Serenidade, perspicácia e perplexidade, eis o que me parece que o artista viu.


Ultimamente, resolveu ir para Lisboa, entediado com o marasmo local e ferido por memórias dolorosas, mas com o objectivo de tirar outro curso universitário. E já na antiga capital do Império, designou a sua pintura como “pincelismo”. Juntamente com os maravilhosos quadros que me mandou, dentro desse estilo, e de que se fará exposição oportunamente, enviou-me o seu pensamento sobre esse género de pintura que vos transcrevo:

“O Pincelismo tem por objectivo o limite da ideia. Como esta é fruto das maquinações do cérebro, aquele (limite) distende-se rebeldemente ao sabor da instabilidade. Talvez seja, em certa medida, o espelho dum universo que se digladia (interpretativamente, claro) nas diversas opções da Física Teórica, uma teoria da relatividade generalizada que não encontra resposta no mundo quântico. Mas será o “pincelismo” pintura? Eu penso que não! Pelo menos no sentido clássico, moderno, e mesmo contemporâneo. Não se procura agradar nem tão pouco organizar os pigmentos sistematicamente. Anarquismo, traumatismo pós nascimento das vítimas involuntárias que não pedem para sofrer”? É capaz! Como encarar a crítica? Mandando-a lamber sabão. O que procurei pintar? Quando entrava em casas da velha burguesia, sobretudo a comercial, encontrava em cima das mesas da sala de estar algumas fotos. Fiquei com elas na memória. É que a pose das personagens as tornava patéticas umas vezes, outras empertigadas. Mas sempre vazias e idiotas. Algumas, menos dotadas de fundos, a meu ver, representavam uma caricata hipocrisia no momento em que o fotógrafo os captava. Nem sempre é fácil pintá-los… sobretudo de memória. Pintar, leia-se pincelar! Este texto acompanha a pintura. As figuras têm por detrás um certo tipo de pintura impressionista. É o que eu chamo de incoerência do pincelismo. Nada a fazer…

É uma espécie de queda no abismo, à medida que nos aproximamos da morte vem à lembrança todo um passado de momentos. Esses momentos são parecidos como quando as queremos expressar através da pintura. Fica-se com a sensação de impotência perante eles e “retratá-los”, às vezes, é angustiante. Não temos os modelos presentes, não sabemos desenhar, tão pouco pintar, mas a vontade de os descrever através do pincel torna-nos “pincelistas”.

Terá isto a ver com a escrita pictórica dos primeiros tempos em que o homem a utilizava para contar histórias ou momentos?

Pincelismo ou seja “utilizar a pintura como expressão “escrita” do pensamento. Este até pode ser confuso ou muito confuso”; e isto porque a “caligrafia assim como a pintura têm que ter dono. Quando houver confusão em atribuir-lhes paternidade, a pintura mais que a grafia não singra”. “O pincelismo não respeita as regras dos pigmentos primários. Muitas vezes as pinturas rupestres são consideradas obras de mestres em relação àquele. Não é liberdade nem desvario, é expressão manipulada pelo subjectivismo de cooperação. Um tipo de colectivismo encapotado”.


São palavras de meu irmão Manuel que expressam esta nova maneira de encarar a pintura que parece merecerem meditação.

Guardo para o fim a sua faceta de professor, pedagogo e dirigente pedagógico, campo em que a minha capacidade de análise é ainda mais pobre. Foi o seu grande amigo, o Dr. José de Almeida, quem escreveu a mais acutilante imagem dele que transcrevo. Aliás, nosso Pai que era primo, sobrinho e neto de professores, também ensinou na velha Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada onde deixou rasto que ainda hoje se sente nos seus antigos alunos. Por isso, o ensino foi desde sempre uma opção para nós. Para meu irmão foi o pretexto para demonstrar uma coragem e competência invulgares. Ouçamos o que, neste capítulo diz José de Almeida de cujas Memórias ainda inéditas roubei o seguinte passo:

“Foi professor, director de turma e orientador pedagógico, na Escola Roberto Ivens, em Ponta Delgada e Director de Escola, na cidade da Ribeira Grande.

Envolvido na nova perspectiva de localizar a Escola centrada no aluno, acreditou, estudou e percebeu que esta Escola Nova exigia professores competentes e empenhados. Desenvolve técnicas e realiza actividades que o distinguem como professor e homem, no ensino, com projecto e empenho. Daí as responsabilidades que assumiu.

A sua figura de pedagogo e mestre na área do ensino criou uma corrente de ligações afectivas, culturais e sociais, hoje, ainda, de muito boa memória entre colegas e alunos, testemunhas vivas deste riquíssimo período da sua actividade no ensino”.

Personalidade complexa mas genial. Sensibilidade frágil como um cristal mas camuflada. Inteligência brilhante mas inaproveitada, não me fica bem dizer isto mas meu irmão é uma personalidade excepcional que uma cultura insaciável transforma num ser imprescindível para quem tem a ventura de o conhecer de perto.

Carlos Melo Bento
2008-01-10

[1] Ver, Genealogias Manuscritas de Carlos Machado, na Biblioteca Pública de Ponta Delgada, descendência de João Afonso, e Enciclopédia Luso Brasileira, com referência ao mesmo nome.
[2] Jorge Forjaz, Genealogias da Ilha Terceira, VI, p.783 e seguintes e Frutuoso, Saudades da Terra, IV, vol. 1º, p.191. Os Marqueses de Fromista, além de outros, usavam os apelidos Pacheco e Benavides que seus descendentes ainda hoje usam nesta ilha. Esta Casa é hoje representada em Espanha pela Duquesa de Plasencia, Elenco de Grandezas y Títulos Nobiliarios Españoles, Madrid, 2001.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A Rua de Pedro Homem e Coisas Dela


(Subsídios para a História das Ruas da Cidade de Ponta Delgada)

1. A palavra Rua deriva do latim "rugam", que deu também "ruga" com um significado aparentado com caminho público entre filas de casa ou muros. Aplica-se essa palavra neste sentido quer se trate da cidade, vila ou freguesia ou, mesmo, lugar. Também se dá o nome de rua ao espaço entre renques de plantas nos jardins. Em sentido figurado pode significar os próprios moradores: "rua de gente fina". E como uma interjeição usa-se no sentido de: fora daqui. É no primeiro sentido obviamente que vamos usar a palavra. Os nomes das ruas têm sido ao longo dos tempos um termómetro interessante da cultura de um povo, exprimindo melhor que nada a sua mentalidade. Ou são poéticos como ' "Da Alegria" "Do Valle-Verde" ou "Da Boavista", ou são tétricos como "Rua da Cruz", associado a morte e crime, ou estão ligados a templos como a do Desterro, S. Joaquim e Santana, ou a profissões como a dos Mercadores, ou a direitos reais como a dos "Foros" e os "Forais", ou a calamidades como a do Lameiro e a d' Água (lamas e chuvas diluvianas). Há nomes derivados de factos como a do "Saco" (ou saque); outros derivam de algum estabelecimento importante como a da Misericórdia. Sem querer esgotar as fontes toponímicas das ruas, direi que talvez o mais frequente seja a do nome de pessoa ou de cargo por ela exercido, porque eram conhecidas (caso das Ruas do Contador e a do Provedor).
Ultimamente as Câmaras Municipais optaram no geral por atribuir às Ruas o nome dum cidadão que consideram notável. Mas, na nossa cidade, há nomes de ruas ligadas a cidadãos que se impuseram por si. Viveram lá tantos anos, exercendo funções importantes, normalmente de carácter público que acabaram por ver o seu nome associado indelével e definitivamente à Rua. Normalmente, o nome desses cidadãos é fácil de dizer e de reter. Veja-se os casos das Ruas do Brum, do Gaspar, por exemplo. O que nos vai ocupar hoje é o de Pedro Homem e vamos começar exactamente por ele.
Segundo Frutuoso, Pedro Homem foi escrivão do Ouvidor do Donatário de S. Miguei. Viveu por meados do século XVI. Os Ouvidores eram juízes do crime ou do cível e podiam ser nomeados pelo Rei ou pelos Senhores. Neste caso tratava-se do Ouvidor do Senhor da ilha, cujo mandato (renovável) durava 3 anos, findo os quais e a ser substituído, teria de ficar necessariamente com o sucessor um mês ou dois num sítio central da sua comarca, esperando as queixas que pudessem ser levantadas contra ele. O escrivão, como o nosso primeiro historiador refere, era "perpétuo", isto é, o seu cargo era vitalício.
O Escrivão tinha a seu cargo os processos (como ainda hoje) cabendo-lhe, praticamente, o funcionamento do Tribunal. Frutuoso refere que o Ouvidor tinha Escrivão e Meirinho, sendo aquele, como vimos, Pedro Homem e este Vasco Caldeira.
O Meirinho corresponde ao oficial de diligências, figura hoje desaparecida mas que é o funcionário encarregado das citações, notificações, chamamento de testemunhas ou partes durante os actos processuais públicos ou privados. O lugar do escrivão era e é muito importante nos tribunais e, consequentemente, na sociedade a eles sujeita.
Um ditado que chegou aos nossos dias é este: "Se fores à caça e caçares um perdigão, mostra-o ao juiz e oferece-o ao escrivão". Por lei, nesse tempo, este era obrigado a ter couraça, capacete ou casco, uma adarga (ou escudo redondo ou cordial de couro), uma lança, "para quando cumprir nas cousas de seus ofícios, e por bem da justiça com as ditas armas servirem, o poderem fazer, ou em qualquer outra coisa em que por Nosso serviço lho mandarmos " (Ordenações Manuelinas, título CV do Livro Quinto).
Para nos situarmos agora bem no terreno, teremos que recuar uns bons quinhentos anos.
Quem viesse de Vila Franca, por mar (que por terra era difícil), dobrando a Ponta do Galé ou Galera, entre a da Caloura e a de Água de Pau e, ao aproximar-se da que é hoje a maior cidade açoriana, via apenas um “solitário ermo, um saudoso lugar e uma pobre aldeia de uns poucos pescadores”, talvez com uns casebres de palha na Calheta, em S. Pedro, no Cais da Sardinha ou em Santa Clara. Mas se esse mesmo cidadão de Vila Franca se dispusesse a visitar esse mesmo lugar, 20 anos depois, veria espantado uma vila pequena, sem ribeiros nem fontes é certo, mas com diversos poços de onde uma operosas população tirava o precioso líquido com que a humanidade sobrevive, mas já nobre e populosa, com célebres e generosos moradores, e comerciantes de grandes tratos.
Alguns anos depois, porém, esse mesmo viajante já nos seus 80 anos, abria a boca de pasmo ao ver, no princípio da agora cidade por graça de El - Rei D. João III (sem que ninguém lho pedisse), a magnífica casa de Baltazar Rebelo a que se seguia uma longa rua com 3, 4, 5 e 6 atravessadas de norte a sul, em largura, com mais de 16 notáveis ruas, afora muitas azinhagas (palavra de origem árabe que significa caminho estreito entre muros ou sebes) becos, e outras ruas menos principais.
Nessas ruas via casas sumptuosas e ricas, sobradadas e muito altas, mas poucas de dois sobrados. Via paços de fidalgos e homens poderosos, bem lavradas (com pedra de lavoura) fora ainda os Paços que o Conde de Vila Franca estava a construir julgo que por volta de 1583 onde será hoje, mais ou menos, a Escola Antero de Quental, palácio da Fonte Bela. Paço onde despachou o Rei D. Pedro IV, 1º Imperador do Brasil e regente do reino de Portugal em nome de sua filha D. Maria II. A Rua a norte deste palácio ainda tem o nome vulgar de Rua do Conde.
Ponta Delgada, assim chamada devido a uma ponta rasa com o mar com esse nome (mas hoje aterrada) e também de Santa Clara devido a uma ermida que existia entre a que é hoje a Praça Gonçalo Velho Cabral e a Avenida do Tribunal (Conselheiro Luís Bettencourt). Esta ermida nada tem a ver com a Igreja Paroquial de Santa Clara, fronteira poente da cidade.
De qualquer dos modos, vindo do poente, o viajante topava com o forte de S. Pedro, que existia em frente da igreja do mesmo nome e foi destruído este século XX para a construção da marginal, forte esse que era ligado à poderosa Fortaleza de S. Braz por muro ou muralha (ainda visível por detrás da Rua dos Mercadores) onde se abriam várias portas, algumas ainda existentes como a do Laguim, a do Arco e as da Cidade, embora estas em moldes diferentes do que se apresentam hoje.
Da porta que existia em S. Pedro, a principal, diz Frutuoso, donde se vêm os barcos à vela e toda a cidade; existiam para poente, pelo menos duas portas em Santa Clara, uma junto das casas do "generoso e em tudo grandioso Francisco d ' Arruda da Costa", cercada de muro e cubelos (ou torreão próprio e fortificações). Estas casas situavam-se em frente duma pequena baía de areia que se segue a um baixo existente em frente da ponta dos Algares (do Carvão).
A outra porta, e pegada a esta, a de Santa Clara, por "estar ali a Igreja Paroquial desta Santa, onde se acaba a principal costa da cidade que ainda chega a outra porta de Baltazar Roiz". Esta cidade de Ponta Delgada era "tão fortificada com fortaleza, baluartes e cubelos; tão acrescentada com custosos edifícios e casario; tão religiosa com sumptuosos templos e mosteiros; tão visitada e acompanhada de navios e infinita gente forasteira, em todo o tempo".
No de Pedro Homem era "grande, rica, forte e tão afamada cidade, quase furtando a bênção a Vila Franca primaz e por ocultos juízos da Divina Providência herdando o seu morgado; e a que dantes era sujeita e sufragânea a outra vila, é ao presente feita senhora a que vão obedecer todas as vilas e lugares de toda a ilha”.
É curioso referir como subiu Ponta Delgada a concelho em I499, isto é, faz daqui a um ano 500 anos. Os nobres, fidalgos e Homens Bons de Ponta Delgada eram obrigados a ir a Vila Franca, sob pena de multa, na procissão do Corpo de Deus, a mais importante manifestação religiosa da Igreja, nesse tempo. Foram lá os principais, de que a história registou Nuno Gonçalves Botelho, Fernão Gonçalves "o Matoso" (que significa terreno coberto de mato), Rui Lopes da Silva, Pêro de Teve, Fernão do Quental, Francisco Dias Caiado, João da Castanheira, Pêro Jorge, João Gonçalves "o Tangedor", Álvaro Pires "o Procurador" (advogado), João Álvares do Olho, Fernão de Lima e outros muitos.
Durante a procissão, pingaram o fato de Pêro Jorge com cera; este, julgando-se ofendido de propósito, puxa da espada, e perante o reboliço, fogem às espadeiradas, nos três barcos em que vieram. O irmão de Pêro Jorge, Fernão Jorge é então mandado imediatamente a Lisboa em missão secreta e regressa um mês depois com Alvará escrito em papel, em que o Rei Dom Manuel I faz concelho daquele pobre lugar.
Pêro Roiz da Câmara é chamado à pressa da Ribeira Grande, de onde governava S. Miguel por seu irmão; são feitas eleições de que saem eleitos Nuno Gonçalves Botelho, João da Castanheira, como juízes; João Gonçalves o Tangedor e Pêro Afonso Castelhano, como vereadores, João Dias Caridade, como Provedor do concelho. A primeira acta foi redigida por Pêro de Teve. Os embargos que os vilafranquenses deduziram perante o substituto do donatário são julgados improcedentes, porque os novos edis já estão de varas “alevantadas...”
E quando a nova de que Ponta Delgada foi feita cidade em 2 de Abril de 1546 correu, começaram os seus moradores "a negociar a cavalo em que pareciam bem pelas ruas e praças, e se fizeram muitas festas, agradecendo a el-rei a mercê que lhes fizera".

A Rua de Pedro Homem

2.- Ora, uma das tais ruas que parte a rua direita é precisamente a Rua de Pedro Homem de que convém nos aproximemos senão nunca mais acabamos esta nossa digressão.
A nossa Rua fica enquadrada por outras duas: a sul, a velha rua do Garcia e a norte a de Santana. À rua do Garcia deu o vulgo o nome de Rua do Frade mais tarde oficialmente designada (depois da autonomia de 1895) rua Conselheiro Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro, por lá ter nascido este famoso primeiro ministro do tempo do Rei D. Carlos, na casa onde hoje se situa o edifício da sociedade Corretora.
A Rua do Pedro Homem tem hoje 54 casas com estilos que vão desde o séc. XVI, com as ombreiras das portas em suta, de alto a baixo, até ao séc. XX, rectilíneas e algumas de duvidosa beleza, embora de indiscutível funcionalidade e higiene.
Suponho que todos os séculos estão ali representados desde os "papos de pomba" abrasileirados até às portas e janelas de grandes dimensões à moda de Abel Coutinho, passando por um barroco-chão do séc. XVII, em imitação do vizinho colégio dos Jesuítas e seus complementos, sem esquecer a mais pequena casa dos Açores, mimosa e bela no seu encanto de moradia de gente pobre e de trabalho.
Nesta rua moram hoje pessoas importantes e de reconhecido mérito. Gostaria de salientar entre eles, o Dr. Ricardo Ferreira, pedagogo cujo nome está ligado à fundação da Universidade dos Açores, que a ele, em boa parte, deve a existência e que o torna o mais ilustre dos seus habitantes.
Aqui trabalha um ilustre advogado, Eduardo Medeiros, um distinto médico dentista, Dr. Ricardo Viveiros Cabral, e o único mestre organeiro dos Açores, Dinarte Machado, habilíssimo artista a quem se deve a restauração dos nossos preciosos órgãos, e também nela reside e mantém oficina.
E aqui nesta casa onde estamos trabalha o João Pacheco de Melo que a seguir a 25 Abril de 1974 optou pela emancipação dos Açores, até hoje sem desvanecer o seu nobre propósito como aqui e agora se vê. Fui seu professor e sei da sua inteligência e cultura.
Muito novo ainda ganhou um prémio com a poesia que vos passo a ler para amenizar a fala,

Carta de saudade

Estou bem
Mas...
não sei que fazer
sinto que estou longe d' alguém
alguém que me viu nascer
Oh que saudade eu sinto
da minha terra amada
isto é puro; eu não minto
anseio a minha chegada
à terra que tanto amo
e que trago comigo,
que para mim é o ramo
onde o meu ninho foi erguido.
Oh terra minha d' além
que por ti sinto vaidade;
não direi a mais ninguém
a não ser a ti; só a ti
que de ti, sinto saudade.


Pedro Homem e as perdizes do Senhor Capitão

3. Rua de Pedro Homem é pois uma rua muito antiga e que mantém, desde há muitos séculos, o mesmo nome. E a história regista algumas pessoas que nela viveram. O primeiro é o próprio Pedro Homem que nós já sabemos ser escrivão do Ouvidor.
D. João III ordenara a Manuel da Câmara que viesse para S. Miguel governar pessoalmente a sua casa e construir a fortaleza de S. Braz. Habituado a uma vida da corte opulenta e rica, o donatário rodeava-se dos requintes próprios desses meios.
Mandou vir de Londres cisnes, açores e falcões. E perdizes de Portugal, em 1561. É curioso que estas aves, que seu pai já tentara introduzir entre nós para poder caçá-Ias, foram espalhadas pelo próprio ouvidor, Dr. Francisco Picão e pelo nosso escrivão, Pedro Homem que as deitaram acima da cidade, na Fajã de Gaspar Ferreira que não sei se terá alguma ligação com o que deu nome ao charco do Ferreira.
Por certo que, tanto o capitão como o Juiz por ele nomeado e por tabela o nosso escrivão, deveriam ter na caça a paixão que então dominava as classes elevadas, senão ficava por compreender a que cargas de água ia um escrivão de direito espalhar cinco casais de perdizes por conta do donatário a quem não faltavam criados e escravos que disso se encarregassem.
Se essas perdizes, nobres antepassados das que ainda por aí voam baixo, estiveram ou não nesta rua é talvez coisa que nunca saberemos ao certo, mas não custará a acreditar nisso.

A Tenebrosa Inquisição

4. A mais antiga referência a esta rua é porém, segundo Hugo Moreira, aquela que existe no arquivo da Inquisição na Torre do Tombo, a respeito de Belchior Rodrigues e de sua mulher que pretenderam ser familiares do Santo Oficio e para tal tiveram que o pedir por escrito a esse areópago amaldiçoado, indicando que residiam na rua de Pedro Homem, ao mesmo tempo que apresentam imensos testemunhos das suas qualidades sociais e pessoais.
Os familiares do Santo Ofício são auxiliares dos juízes e funcionários da Inquisição. Tinham rendimentos próprios, embora recebessem uma espécie de ajuda de custo; realizavam prisões, davam informações, tinham hábito ou farda só usada em serviço, gozando de privilégios que lhes davam uma excelente posição social; sendo as suas causas julgadas pela Inquisição; estavam isentos de impostos e de cargos municipais; tinham o direito de andar armados; a sua limpeza de sangue era incontestável e o seu número era limitado. Podiam ser Familiares do Santo Ofício pessoas de várias classes: nobres, burgueses e oficiais mecânicos; tinham carta própria (espécie de diploma profissional) e um estatuto social muito importante.

Um Médico Inglês em Bolandas

5. Nesta referência naturalmente resumida da historieta desta rua, apenas assinalo uns poucos de factos que um dia, se calhar, irei aumentando se tiver tempo, paciência e oportunidade. Daí que vamos dar um salto de dois séculos e vejamos o que aconteceu em 1820 que obrigou um médico Inglês a vir viver para a Rua de Pedro Homem, a toque de caixa, e duas horas depois de ter recebido ordens para despejar a casa que tinha na Matriz.
Mas comecemos do princípio. Os Açores eram governados da ilha Terceira pelo Capitão General Francisco António de Araújo Azevedo, desde 1816. Com receio da ameaça espanhola, resolveu ele vir a S. Miguel em 1820, pelo que, 2 anos antes começaram os trabalhos preparatórios desse acontecimento. De Angra pediu-se à Câmara de Ponta Delgada que arranjasse alojamento para o governante. A Senhora Câmara oficiou aos grandes da terra, possuidores de faustosas residências: Vicente e João Soares de Albergaria (tio e sobrinho), coronel Nicolau Maria Raposo, coronel Chaves e Melo, Luís da Câmara Coutinho Carreiro, José do Canto e Jacinto Inácio da Silveira. Estes ou disseram que não ou nem se dignaram responder.
Vai daí, a Câmara resolve alojar sua Excelência nos Paços do Concelho que foram arranjados para esse efeito. Só que, prontas as obras, o General a chegar, e lembraram-se que faltava lugar para a vasta Secretaria da Secretaria
Geral dos Açores. Em frente à praça da Câmara, morava um médico cirurgião Inglês, chamado Sanderson Walker, cuja casa foi considerada adequada àqueles serviços; por isso o eminente clínico recebeu ordem para sair de lá em poucas horas.
Acontece que, na rua de Pedro Homem, a D. Jacinta de Medeiros tinha umas casas que se achavam por habitar. Deve ter-se assustado a nobre senhora ao ver entrar os esbirros do general talvez acompanhados do Meirinho do tribunal, por sua casa, a pedir as chaves das da Rua de Pedro Homem, tudo sob pena "de prisão não acontecendo assim e havendo desobediência a intimação se procedesse pela justiça em termos hábeis e competentes".
Não é difícil imaginar a indignação do súbdito de sua Majestade Britânica perante a ameaça oficial e a consternação com que fez a mudança, perante o pasmo do populacho e o tilintar das tesouras e do bisturi entre o trotar das mulas e o chiar das rodas da carroça na calcada...
Os Liberais
6. Passados alguns anos, porém, a Rua de Pedro Homem viveu momentos de glória, esses então de impacto nacional e indelével. É que também viveu nesta rua o grande José Xavier Mouzinho da Silveira, o jurista, membro da Regência do reino por D. Maria II, e nesta rua escreveu os célebres decretos de 16 de Maio de 1832 que mudaram a administração pública em Portugal e seus domínios, destruindo uma estrutura de séculos. A 17 e a 18 desse mês deu ele cabo da maioria dos conventos, atirando para a privatização, dispersão e desaparecimento um património artístico e cultural sem preço.
A casa onde ele escreveu ou fez os últimos retoques a esses decretos com a colaboração de Almeida Garrett, ficava "logo à entrada, lado direito”. O último habitante dela antes de ser reconstruída ou feita de novo, como há tempos se achou, foi o proprietário dela, António Xavier de Sousa, geralmente conhecido pelo Xavier Bambas, era gracejador de chocarrices, mas perfeito calígrafo. Isto lhe dava meio de vida, empregando-se em escriturações comerciais designadamente na casa Bensaúde que o sustentou na doença cancerosa de que morreu.
Nesta casa, em frente da que nós estamos[1] consta a lápide de que nela funcionou o governo liberal em 1832. Esse governo ficou designado como "Regência" e era constituído pelo Marquês de Palmela, liberal moderado, o Conde de Vila – Flor e nosso Mouzinho da Silveira.
Vila - Flor residiu na casa que é hoje a Secretaria Regional da Economia, a norte do Teatro Micaelense e seria mais tarde promovido a Duque da Terceira pois a ele se deveu militarmente grande parte do êxito das forcas liberais.
Quando D. Pedro chegou à Terceira, esse governo foi remodelado, saiu Vila – Flor e entrou José Freire. É certo que nessa altura o governo liberal apenas "mandava" nas nove ilhas dos Açores, mas em Maio de 1934 já dominava todo o País, e a verdade é que desta rua saíram as leis que haviam de mudar por completo o modo de viver de todos os portugueses.
Não é difícil imaginar o vai e vem da tropa, cavalos e coches que por aqui andaram, os militares, as fardas e as continências, gente á janela, o rapazio e bulício duma terra que de um momento para o outro se via com 8.212 pessoas a mais.
As nossas ruas não eram como agora, limpas, asseadas e iluminadas, que a noite parece dia. Luz Soriano diz que essas ruas eram “bastante espaçosas e o nosso comércio de bastante consideração. O que mais se viam eram burros que chamam asnos, que era o exclusivo transporte de pessoas e mercadorias pelo que empaxavam praças, largos e algumas ruas em que os prendem a argolas”.
As pessoas achavam estranho que nessas ruas houvesse canastras de louça, caixões de queijo, pipas de vinho, cartolas de açúcar fora das portas das lojas, colocadas nos ladrilhos, ramos nas tavernas, degraus em algumas casas, ratazanas mortas, especialmente junto aos granéis, cães a regarem as calças aos transeuntes ou a irem lhes ás canelas, porquinhos, cabras nas canadas e dentro da cidade, obreiros de carpina limpando tabuado e aparas nas testadas.
Leite em odres, pão de trigo com metade de farinha de milho, manteiga de porco pesando menos, pão, queijo e linguiça nas tavernas servindo de pousada ás moscas e couros de rezes a secarem pelas ruas.
É evidente que não acabou com o liberalismo a história da Rua de Pedro Homem (ou do Pedro Homem como se vê na placa toponímia da travessa?) o escrivão de direito que tanta importância teve que lhe foi dispensado um anel d'água, com a condição de o botar fora (depois de 1593, em que se deu um ao Conde, e 1599, em que se concedeu outro à freguesia de S. Pedro para correr na Pranchinha ou Panchina).
Antes tinham dado a S Francisco, Esperança (na condição de a darem ao povo), aos Jesuítas aqui perto e a Santo André aqui ao lado.
O Conde Dom Rodrigo, aquele que se perdeu por amar de mais e sem conta, tinha obrigação "de a botar fora, de noite, só a recolherá 3 horas no tanque, das 11 até ás 2 depois da meia-noite". Numa cidade sem ribeiras em que o povo tinha sido fintado para ter água, só as pessoas mais importantes tinham esse direito. Quem terá sido este Pedro Homem em cujo rua, 300 anos depois dele, viveu o músico Carregal do continente, mestre de música militar com duas filhas de não vulgar formosura e em que nuns viveiros para canários havia preciosíssimos azulejos que tinham sido da capela mor da Matriz, quando a moda mandou cobri-la de gesso?

[1] Esta conferência foi proferida a 6 de Junho de , no nº 49.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Carlos Carreiro


Foi com surpresa e dor que recebi a notícia da sua inesperada morte. Aquele coração de bom açoriano sempre pronto a servir qual vulcão de amizade em erupção permanente, deixou de bater, quando tanto ainda queria e podia dar à sua Terra e ao seu Povo. Vida atribulada de quem nasceu na Calheta e dali emigrou na adolescência; Fall River viu-o amadurecer, desde sempre ligado a esta ilha por um cordão umbilical de aço e emoção. A ela voltou sempre que pôde e aqui estava como se de cá nunca tivesse saído. Amigo de seu amigo não olhava a meios para os servir com a devoção dos apóstolos. E foi como apóstolo e discípulo que seguiu e serviu com José de Almeida na grande luta dos tempos heróicos da emancipação açoriana. Aqui deu ânimo e saber aos que nada sabiam de lutas políticas e granjeou ainda mais amizades. Quando foi preciso veio com armas e bagagens e família, e tudo deu sem nada pedir em troca, durante todo o tempo julgado necessário. Regressado à América serviu sempre os Açores, independentemente de quem o governava, pois pôs o interesse da Terra acima das suas convicções políticas, e se as tinha! Ficou bem à Câmara da Lagoa invocar agora a sua alma benfazeja. Felizmente, porém, não foram só os lagoenses que lhe ficaram em dívida. Toda esta Terra chora quando um dos seus bons filhos morre. As lágrimas hão-de adubá-la como as que salgaram o mar que para aqui nos trouxe.
Carlos Melo Bento
2008-01-22

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Quem ganha?

Quem ganha?
O Tribunal Constitucional resolveu cumprir a lei dos partidos, notificando todos, grandes e , para fazerem prova de que têm pelo menos 5000 filiados. Tudo bem que as leis fizeram-se para ser cumpridas e ninguém está acima delas. Mas, como dizia o Senhor Daniel chefe de Secretaria do antigo Sindicato dos Estivadores “-Há casos que podem mais do que as leis”. É que há leis e leis e como nem todas são feitas pela mesma pessoa, há umas que dizem umas coisas e outras que mandam outras. No nosso caso, há uma lei que diz que os dados pessoais dos membros duma associação legal, são confidenciais e só um tribunal, por razões legais pode mandar levantar pontualmente e em casos concretos essa confidencialidade. Os grandes partidos, usando e abusando do poder passageiro que o favor popular lhes deu, resolveram encurralar os outros mais pequenos, acabando, na prática, por proibi-los. Salazar também os proibiu. Com excepção do seu. Bom, mas a questão açoriana não é essa. Se os açorianos tivessem querido e entendessem que lhes era vantajoso ter um partido seu, em que fossem só eles a mandar, o que aí está servia-lhes perfeitamente. Não quiseram por esta ou por aquela razão que se não discute. Terão porém de compreender que, sem o estímulo do seu apoio eleitoral, não há direcção partidária que resista à erosão. Perde esta, certamente porque não levou a carta a Garcia. Mas eles perdem mais porque ficam totalmente na mão dos de fora e não sei quem é que perde mais.
Carlos Melo Bento
2008-01-15

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Os Melhores



Para que as instituições autonómicas funcionem em plenitude é preciso que tenham as condições necessárias e suficientes para o melhor aproveitamento das suas potencialidades materiais, que são importantes, e humanas que são mais importantes ainda. A nossa dispersão geográfica é a nossa força e a nossa fraqueza. Tornada impossível politicamente a concentração numa só ilha de todos os órgãos autonómicos de decisão, como acontece para vantagem deles na Madeira, somos obrigados a um difícil jogo de equilíbrios que nem sempre consente a solução óptima. Olhemos por exemplo a Assembleia Legislativa. O seu afastamento da sede do governo é um calcanhar de Aquiles dificilmente ultrapassável. A sua localização numa ilha pouco povoada e por isso de relativa importância política, diminui o seu poder de influência e impede que muitos dos melhores queiram deslocar-se da sua ilha para ali, onde, se estivessem, lhe dariam o prestígio que vem faltando ao mais importante órgão de representação autonómica. No princípio e em nome da unidade açórica (e para garantir maiorias) houve que conceder à antiga sede do terceiro distrito um relevo proeminente. Agora, que a unidade é um factor de força que todos aceitam como indiscutível, era bom que se pensasse em mudá-la para esta ilha ou para a Terceira, ali deixando o governo do mar, onde com proveito farão melhor que todos. Como está não é uma mais valia nem nos levará longe. E os tempos aconselham que, nesses lugares, estejam só os melhores.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Estivadores de Ponta Delgada



SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DO SINDICATO NACIONAL DOS ESTIVADORES E OFÍCIOS CORRELATIVOS DO DISTRITO DE PONTA DELGADA, HOJE, DESIGNADO, SINDICATO DOS TRABALHADORES PORTUÁRIOS DO GRUPO ORIENTAL DOS AÇORES,

Palestra proferida pelo consultor jurídico daquela associação desde 1975, no dia 12 de Maio de 2004, em Ponta Delgada.

Pediu-me o actual presidente do Sindicato dos Trabalhadores Portuários do Grupo Oriental dos Açores, senhor José Manuel Cezília que vos escrevesse a história breve desta associação.

Não é tarefa fácil porque este agrupamento é muito antigo e a sua história tão rica que por ela se pode seguir a vida dos trabalhadores açorianos durante sete longas décadas.

E essa história está toda por fazer, tão descuidados têm sido os interessados em todos os ramos de actividade que vêm correndo o risco de repetir erros passados, pois esse é o destino dos que ignoram a sua própria história que nada é melhor para o progresso das pessoas e dos povos que aprender à custa dos próprios erros.

Desconhecendo-se que se errou neste ou naquele caso, é como ir para o mar sem bússola ou entrar no mato sem cachorro. Este Sindicato, agora com outro nome, nasceu oficialmente em 12 de Maio de 1934 quando o Secretário de Estado das Corporações, dr. Pedro Teotónio Pereira assinou, o Alvará que aprovou os respectivos estatutos. Estávamos em plena ditadura salazarista, pois a revolução militar de 1926 impôs um regime totalitário que entregou a pasta da Fazenda ao professor de direito de Finanças Públicas de Coimbra António de Oliveira Salazar que, em 1932, acabou por ser nomeado Presidente do Conselho de Ministros, o equivalente a primeiro ministro na linguagem de hoje.

Em 1933, ele fez aprovar uma Constituição que aparentemente afastava a ditadura mas a verdade é que a proibição dos partidos políticos e a sistemática perseguição da Oposição, criaram um regime de poder pessoal que se prolongou autocraticamente até 1968, momento em que adoeceu gravemente e foi destituído.

Foi na sequência dessa Constituição que o nosso sindicato iria ser criado, no ano seguinte, pois todas as organizações de trabalhadores existentes antes de 1926 tinham sido banidas ou impedidas de exercer os seus direitos associativos.

No entanto, algum princípio de organização devia existir já, pois o Estado Novo como se gostava de chamar o regime, não era simpático a esse tipo de associações que só criavam problemas ao governo com as suas reivindicações e acções colectivas. Os Estivadores eram, como veremos, uma classe muito numerosa, visto que todo o tráfego então existente se fazia por via marítima. E não era possível preparar capazmente o seu trabalho sem um mínimo de organização profissional. Parece-me assim que as empresas transportadoras não terão sido estranhas à iniciativa, pois o caos no sector também não lhes era favorável, e elas tudo fizeram desde essa época para que fosse o novo sindicato a contratar e a pagar aos seus sócios, solução que só viria a ser aceite muito mais tarde.

Duma forma ou doutra, o Alvará que referi é muito claro sobre quem é que mandava: a aprovação dos estatutos seria retirada e este proibido quando o sindicato se desviasse do fim para que foi constituído, não cumprisse os estatutos, não prestasse ao governo ou às entidades de direito público as informações que lhe fossem pedidas sobre assuntos da especialidade do sindicato, não desempenhasse devidamente as funções que lhe tivessem sido confiadas, quando promovesse ou auxiliasse greves ou suspensões de actividade, ou, violasse o Estatuto de Trabalho Nacional e a legislação complementar, por cujas disposições sempre e em qualquer hipótese se tinha de regular, como pode ler-se no próprio texto daquele documento.

A greve era proibida bem como o lock out que é como uma espécie de greve dos patrões, ainda hoje interdita. É neste pano de fundo que vai nascer o sindicato quando na Alemanha governavam Hitler e os nazis e na Itália Mussolini e os fascistas. Dois anos depois rebentava a guerra civil de Espanha que iria matar um milhão de pessoas, quatro vezes a população dos Açores e levar Franco ao poder tendo como embaixador de Portugal junto de si aquele mesmo Teotónio Pereira. E quando o sindicato tinha cinco anos rebentou a Segunda Grande Guerra que iria matar mais de 60 milhões!

Nessa época, isto é, até 1945, viveu-se o terror desses flagelos e é natural que quase toda a gente acompanhasse o governo ainda que ditatorial de Salazar porque conseguiu afastar o país e o grande Império que então possuía, das guerras, mantendo uma neutralidade colaborante com a Espanha e com Inglaterra e os seus aliados. O país era então um invejado oásis de paz e de algum progresso material, pelo menos comparado com a miséria que a guerra espalhara por todo o mundo beligerante.

Depois da guerra seguiu-se a reconstrução. Os Açores foram ocupados por um grande exército que Salazar mandou para cá e os navios aliados frequentavam os nossos portos diariamente, situação que durou até aos anos cinquenta, dando ao nosso muito movimento e certa riqueza.

Só foram encontradas até agora actas da direcção do Sindicato a partir de 6 de Maio de 1950, e como esse livro começa na acta n.º 84 sabe-se que operou desde o princípio. No entanto, como não é possível fazer história sem documentos, teremos de esquecer, por ora, o que aconteceu até aquela data.

Era então presidente da Assembleia Geral Manuel Medeiros Castanha e da direcção Manuel Raposo Carvalho, secretariando a direcção José de Sousa Catarino e Jorge de Simas era o tesoureiro. Hipólito José da Silva presidia ao Conselho Fiscal.

Regista-se a morte dum sócio e faz-se a utilização do subsídio respectivo para pagamento do funeral e de roupas para a viúva e filhos.

Também se fica a saber que o sindicato distribuía às vezes um bodo aos sócios no feriado do 28 de Maio (que correspondia ao dia em que ocorrera a Revolução Nacional que instituíra o regime), e organizava uma colónia de férias infantil no Nordeste, onde a D. Maria do Carmo do Monte era encarregada de providenciar leite, peixe, carne e lenha. Esta senhora ficaria na história daquela Vila como a grande dinamizadora da Casa de Trabalho que chegou até aos nossos dias altamente prestigiada. As crianças em número de 40 usavam farda que o sindicato comprava e ficavam instaladas em escola ou outro edifício melhor arrendado por 800 escudos durante cerca de 15 dias. O Sindicato comprou toda a louça da Lagoa necessária, bem como um trem de cozinha, roupas de cama etc. etc, pedindo ajuda ao Delegado de Trabalho e à Junta Geral que forneceu o transporte para os móveis e para as crianças. Contratou-se cozinheira e empregadas sendo que as famílias da direcção seguiram adiante para preparar as coisas. No dia 28 de Maio (correspondente ao feriado do 25 de Abril de hoje), ficava assente que a colónia seria visitada pelas autoridades...

Também se fica sabendo que os sócios que não pagam cotas ou que trabalham para a Câmara Municipal a tempo inteiro eram expulsos do sindicato. E que o sindicato era suficientemente rico para dar à Comissão de Festas do Senhor Santo Cristo a importante soma de 500 escudos, correspondente hoje ao salário dum chefe de serviços do governo.

Nem tudo eram rosas. Manuel Arruda e Eduardo Soares são proibidos pela autoridade marítima de trabalhar.

O orçamento anual era de 250 contos e o saldo era positivo em 40 escudos como mandava o governo: produzir e poupar; mas a direcção lá foi reforçando as verbas da comida nas festas e no Natal e despesas da colónia de férias e dos pais das crianças, para que essa despesa não tivesse que sair da algibeira dos directores...

Havia já um Fundo de Assistência que servia para pagar medicamentos e pensões aos doentes e um posto clínico, com Raio X (coisa rara na ilha), procedendo a direcção a obras na cave da sede já então na Rua Joaquim Nunes da Silva, com a construção dum estrado por causa da saúde dos sócios que tinham de ali permanecer.

Para se ser estivador tinha que se passar dois anos como aprendiz.

Em 1956 assumem a presidência, da direcção Manuel Branco de Andrade, da Assembleia Geral Manuel de Almeida, mantendo-se Hipólito José da Silva no conselho fiscal. É esta direcção que vai estar em funções no ano de 1957 altura em que o General Humberto Delgado se candidata à Presidência da República contra Salazar que anuncia ir demitir se for eleito. Por essa razão os ânimos exaltam-se em todo o país. O Sindicato não foi excepção. Joaquim de Sousa Garcia por ter dito que as entidades patronais só querem que os estivadores sejam seus escravos e instigar os colegas à indisciplina é punido com suspensão por seis meses; João Inácio Cezília é punido com suspensão por 30 dias dos direitos ao Fundo de Assistência por ter faltado ao respeito à direcção e infringido o regulamento.

A massa associativa descontente insurge-se contra os baixos salários e a direcção resolve ouvir pessoas idóneas. Os sócios conspiram e a direcção teme ser desrespeitada. O Delegado de Trabalho quer uma escala com estivadores de primeira, velhinhos e aprendizes com salários diferentes. O sindicato não aceita.

Sem grandes explicações é nomeada pelo Governo de Lisboa, em 13 de Fevereiro de 1958, uma Comissão Administrativa presidida por Alcindo Bettencourt Santos Coutinho piloto da doca, Manuel de Almeida e Manuel de Castro Azevedo. O país estava em reboliço, Américo Tomás é proclamado, apesar das suspeitas de fraude eleitoral, Presidente da República, Humberto Delgado foge para o Brasil, acabando por ser assassinado, mais tarde, em Espanha. Salazar endurece o regime e abafa toda e qualquer agitação. O Sindicato passará a viver tutelado por estranhos ao serviço de interesses alheios à classe onde os empresários tinham maior peso.

Foi um longo período. Alcindo Coutinho, que chega a piloto-mor, preside pelo menos até 1965, só temos actas a partir de 1971, em que preside à Assembleia Geral Juvenal Jacinto do Rego, que continua exercendo esse cargo em 1972 e 73 sendo presidente da direcção em exercício António Urbano do Rego Martins, presidindo Leonardo Mota Cabral ao Conselho Fiscal. Em 1973, é eleito presidente o nosso conhecido Joaquim de Sousa Garcia, 16 anos depois de ter sido severamente castigado por acusar os patrões de tratarem os estivadores como escravos. Estamos aqui em plena primavera Marcelista e vão começar a acontecer coisas diferentes na vida sindical.

Os estivadores começam a reunir fora do sindicato. Contratam e enviam um advogado a Lisboa[1] porque querem deixar de receber à tonelada para começar a receber à hora. Apesar de proibida a greve eles, fazem-na de braços caídos, a bordo dos navios. Os jornais denunciam que os estivadores agrediram colegas para obterem dinheiro para o advogado ir a Lisboa. A PIDE intervém mandando inspectores de Lisboa que interrogam e amedrontam sócios do sindicato. Mas a batalha é vencida e os estivadores começam a receber à hora.

Em Abril de 1974, dá-se a revolução, a queda do regime, a restauração da democracia. Em Maio de 1975 reúne-se uma Assembleia Geral extraordinária. Preside José Ferreira Soares à comissão directiva provisória que por maioria esmagadora delibera aderir à União dos Sindicatos do Distrito de Ponta Delgada. Em 8 de Junho do mesmo ano, resolve por unanimidade aderir à Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Portuários, histórica e decisiva medida sindical que iria revolucionar o poder reivindicativo da classe, a partir daí coordenado com o resto do País e passando a dispor do apoio duma equipe de dirigentes de categoria incontestável e dum jurista altamente especializado[2] em direito portuário como nenhum outro em Portugal e que nunca falharam sempre que solicitada a sua preciosa ajuda. Em 28 daquele mesmo mês, são aprovados os novos estatutos do sindicato, por unanimidade dos 203 sócios presentes, dos 276 que o sindicato então possuía.

Em Setembro, são eleitos os primeiros dirigentes da época democrática. Preside à nova direcção José Ferreira Soares. Roberto Maria da Paz Lopes dirige a Assembleia Geral e Silvestre Manuel Raposo Garcia o Conselho Fiscal. Em Março de 1976, prepara-se a regionalização sindical açoriana. Subitamente, em Maio, demite-se a direcção e manda-se proceder a inquérito aos sócios que ameaçaram os colegas que trabalhavam para além das 17 horas.

Em Julho desse mesmo ano, Manuel Alberto de Sousa é eleito presidente do Sindicato, Silvestre Garcia da Assembleia Geral e José Valdemar Alves Pereira para o Conselho Fiscal. Foi no seu mandato que ocorreu o facto histórico que julgo ter sucedido pela primeira vez na História dos Açores. Um dirigente sindical açoriano participou activamente numa sessão plenária da Organização Internacional do Trabalho, em Londres. Dos conhecimentos que daí trouxe muito haveriam de beneficiar os trabalhadores portuários, designadamente na retribuição do carregamento da pedra pomes e nos direitos sindicais. Depois dessa reunião que reuniu trabalhadores de vários continentes, as coisas nunca mais foram iguais e eu sou testemunha porque lá estive a assessorá-lo, de que Manuel Alberto de Sousa honrou a classe com a sua capacidade de trabalho e inteligência dos problemas técnicos do seu sector.

José Ferreira, porém, iria regressar em força à presidência porque a sua base de apoio era esmagadora e depois de presidir a uma direcção provisória, é eleito em 1977, com José Manuel Miguel e Manuel de Almeida e depois em 1980 com Marino Raposo Furtado e Sidónio Vieira em 1983, 1986 e 1989 com Júlio Pacheco no Conselho Fiscal.

Foi um longo mandato de 14 anos que só por si dá um livro, tantas foram as conquistas para a classe que muito contribuíram para o seu prestígio. A nível nacional não conheço dirigente que se possa gabar de ter governado nessa altura tão conturbada uma classe tão difícil com tanto sucesso. José Ferreira cai devido à reestruturação do sector feita pelos governos Cavaco Silva e a sua saída antecipada reacende a luta pelo poder.

É eleito então, em Julho de 1991, para presidente do Sindicato, Pedro Altino Martins Ribeiro, com Jordão Raposo na Assembleia Geral e Zeferino Viveiros no Conselho Fiscal. Foi o homem certo no lugar e na hora certas. Frio e ponderado, rodeado de prestígio entre todos os colegas, de poucas e boas palavras, a sua autoridade não teve contestação. No seu mandato foi deliberado fundar a associação de gestão da mão de obra portuária. Começava a modernização.

Em 1994, reestruturado o sector com imensas dificuldades técnicas e humanas, sobe ao poder José Manuel Pimentel Inácio Cezília, com José Joaquim da Câmara na Assembleia Geral e António Manuel Couto Pereira Duarte no Conselho Fiscal; em 1997, Pedro Manuel Subica da Silveira é eleito presidente da Assembleia Geral já com os novos estatutos aprovados por 80% dos seus 16 sócios. José Jacinto Silva Arruda preside ao novo Conselho de Fiscalização e José Manuel Cezília mantém a confiança dos seus pares.

É ainda cedo para historiar o valor da actual direcção cujo presidente vai com dez anos de altos serviços prestados à classe, hoje dispondo de pessoas no geral com grande cultura geral se compararmos com os tempos da escravatura que Joaquim Garcia denunciou com coragem em tempos tão perigosos.

As festas que culminam com este aniversário celebrado perante o respeito das altas entidades públicas e privadas que nos acompanham neste momento de júbilo, são a prova de que a caminhada, apesar de difícil, valeu a pena que os Açores só serão terra rica quando os seus trabalhadores o forem em saber, bem estar e progresso.
Carlos Melo Bento
12 de Maio de 2004

[1] Foi o autor destas linhas.
[2] Trata-se do dr. Silvestre Sousa.

JUSTIÇA DA POVOAÇÃO

Trabalho publicado, a primeira vez, in Insulana, LIV- 1998
pp. 283 a 302



A História que eu vou contar baseia-se nas referências que a propósito da descoberta e povoamento de S. Miguel o imortal Gaspar Frutuoso faz duma ocorrência muito curiosa, cuja apreciação aprofundada do ponto de vista jurídico se realiza aqui e agora pela primeira vez.
Quem foi Gaspar Frutuoso todos o sabemos. Este ilustre sacerdote micaelense, formado entre I549 e 1565, pela Universidade de Salamanca, em vários cursos e graus académicos, nasceu na então vila de Ponta Delgada em 1522, tendo vivido entre nós como pároco na Vila da Lagoa e na então ainda Vila da Ribeira Grande onde faleceu em 1591[1].
A sua categoria era tal que chegou a ser convidado para Bispo, dignidade que não aceitou num século de Igreja Triunfante e de Contra -Reforma.
Não resistindo como tantos ao apelo da ilha, viveu e morreu em S. Miguel e escreveu a mais bela e preciosa História dos Açores, subindo ao limbo dos divinos escritores, cujo estilo fascinante tem prendido gerações e gerações de leitores apaixonados.

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* Conferência proferida na Vila da Povoação a convite da Câmara Municipal presidida pelo Dr. Carlos Ávila, em 4 de Julho de 1996




Ele próprio escreveu de si e das suas preocupações. De si, para explicar porquê o seu escrever sobre S. Miguel era mais rico: " Por ser ao presente minha morada, de que sei mais particularmente, hei-de dizer muitas miudezas “[2] “que somente pertencem aos naturais desta ilha “[3]. Das suas preocupações ou até. melhor, das suas exigências de investigação fê-lo ao dizer que procurou os “fundamentos” “verdadeiros” "pelo melhor modo que me foi possível saber”[4] (4).
Depois esclareceu o leitor sobre o método que usou na investigação, distinguindo expressamente:
a) Muitas inquirições, isto é, interrogatórios, a pessoas determinadas, sobre assuntos e questões já estudadas e investigadas por ele.
b) Perguntas, com o que parece querer dizer: questionar esta ou aquela personalidade sobre determinada dúvida.
c) E vigílias, ou seja, o estudar pela noite fora os apontamentos, os manuscritos e os livros que ele cita em profusão, como é o caso dos próprios "Lusíadas " cuja primeira publicação é de 1572, quando o nosso maior Historiador tem 50 anos de idade e vive neste fim do mundo! Mas, acrescenta Frutuoso: - Nunca deixei de falar a verdade sabida por receio de quem quer que fosse ( “sem ter aceitação de pessoa , para deixar de falar a verdade sabida”) [5]
Mas que pessoas inquiriu Frutuoso?
a) Os contemporâneos que viram e ouviram.
b) Alguns antigos, dignos de fé, desta ilha que ele directa e pessoalmente ouviu[6] sobre as coisas que eles, por sua vez, ouviram dos já falecidos.
E como relatou ele tudo?
- Com o rosto descoberto sem pejo, nem empacho[7] . E o que relatou?
A verdade, reprovando fingimentos e ditos fora de propósito e fora de razão e aprovando os razoáveis[8].
Do descobrimento em especial ele próprio afirma que se utilizou de "memórias e escritos dos antigos e por tradição deles, que de mão em mão, ou de memória, veio ter às mãos e à lembrança dos moradores presentes que nela agora vivem” [9]

DESCOBERTA DE S. MIGUEL
Das muitas coisas que se discute c provavelmente se discutirá ainda por muitos anos e bons é a data do descobrimento dos Açores em geral e de S. Miguel em especial.
Tenho subscrito sistematicamente a versão frutuosiana devido talvez a este meu açorianismo radical e à tal história de que os naturais destas ilhas aqui residentes sabem mais particularidades e miudezas delas que os outros.
A verdade é que apesar dos documentos entretanto aparecidos, os grandes historiadores como Damião Peres continuam a afirmar que a tese de Frutuoso é igualmente defensável [10].
Assim, para o nosso homem. S. Miguel foi descoberta em 1444 durante o reinado de D. Afonso V ainda criança, sob a regência do famoso e autoritário Duque de Coimbra, o Infante D. Pedro, o das Sete Partidas, que trouxe ao nosso primeiro Donatário seu irmão, D. Henrique, o Navegador, os mapas de que este se serviu para conduzir as "descobertas" açorianas.
Quando Gonçalo Velho foi aqui mandado pelo infante, de Sagres (ou de S. Vicente)[11], navegou primeiro entre Santa Maria e S. Miguel sem atinar com esta; é curioso notar que Gonçalo Velho se fazia acompanhar dum piloto que talvez fosse Vicente[12] ou o Diogo de Sines ou Silves da carta do catalão Valsequa.
A propósito, diga-se que não há memória de serem atribuídas as descobertas a pilotos, simples (e indispensáveis) técnicos, a quem não era dado o comando de expedições cuja componente militar é permanente. Isto para dizer, de passagem, que a célebre tese do descobrimento dos Açores em 1427 não exclui em caso algum o comando de Gonçalo Velho pois esse não era piloto e sim um fidalgo. categoria social que na época. teve o monopólio absoluto da chefia das expedições oficiais.
Os descobridores de S. Miguel com Gonçalo à cabeça, chegaram aqui em 8 de Maio de 1444, dia do aparecimento do Arcanjo S. Miguel. E, curiosamente, o povoamento desta nossa ilha começa a 29 de Setembro do mesmo ano, dia da dedicação do mesmo Arcanjo que por coincidência era então patrono de Portugal, qualidade que manteve até 1640, e ao que parece era o Santo da especial devoção do Infante D. Pedro, Regente do Reino nessa data.
Os primeiros descobridores que aqui se demoraram poucos dias (13) “ desembarcaram” entre “ duas frescas ribeiras de claras, doces e frias águas, entre rochas e terras altas, todas cobertas de alto e espesso arvoredo de cedros, louros, ginjas e faias” (14) tudo formando “espesso mato”.
Fora um preto da Guiné que, num dia de Verão, vira pela primeira vez esta ilha, da Serra do Norte da de Santa Maria. Isto senão acreditarmos na tese cartaginense ou na do tal grego que setenta anos antes de Gonçalo Velho aqui estivera com carneiros que lançara na Lagoa mas que, infelizmente, não sobreviveu muito tempo, à experiência zoológica.

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10) História dos Descobrimentos Portugueses, Vertente, 3ªed. 1983, p.71,
11) id. p. 63
12) Saudades da Terra, Livº. IV, vol I, p. 9
13) id. p.10
14) id. p.9



A segunda expedição, ou seja a de Setembro de 1444, que não se sabe bem quem comandou, trouxe gado e aves e sementes de trigo e legumes, e outras coisas necessárias.
Só que o piloto que marcara S. Miguel por dois grandes picos, um a ocidente e outro a oriente da ilha, ficou desnorteado porque o do ocidente se fora, deixando no seu lugar as Sete Cidades e, pelo mar, espalhados, pedra - pomes e troncos de árvores. Mas essa é matéria da área específica do Professor Doutor Victor Forjaz em que por razões telúricas (e outras de menor proporcionalidade mas igualmente óbvias) me escusarei de penetrar.
Apesar disso, a segunda expedição conseguiu reencontrar as marcas que a primeira deixara entre as duas ribeiras onde se fundará, pouco tempo depois, a primeira “povoação de gente” (15) que erguemos aqui nesta ilha e que, para diferençar das outras, se passou a chamar “ Povoação Velha”, orgulhoso toponímico que marca o início da grande aventura micaelense no seio do Povo Açoriano. Foi junto onde esteve a Igreja de Santa Bárbara, onde foi dita a primeira missa seca que em S. Miguel se rezou (16).
Assim, em 29 de Setembro de 1444 chegaram os primeiros “habitadores” (17).Vale a pena saber quem foram esses heróis que tiveram a coragem de para cá vir, construindo as raízes da frondosa árvore micaelense que tantos serviços e tão bons vem prestando a toda a humanidade civilizada.
Foram eles, Jorge Velho e sua mulher África Anes, Pedro de S. Miguel e sua mulher Aldonça Roiz, João de Ródes e João de Arraiolos ou de Araújo.
Eram estes nossos seis avós naturais de África e criados do Infante D. Henrique. Criados no sentido de pessoas criadas ou educadas em sua casa e não no sentido actual de empregados domésticos. A estes chamou Frutuoso mouriscos (18) e cavaleiros fidalgos de África, os quais vieram provavelmente na companhia de gente de sangue limpo, os nobres fidalgos, também da casa do Infante, ou sejam: Gonçalo Vaz Botelho, o Grande, fundador da Povoação Velha e de muitas outras, nesta ilha e sua mulher (19), Afonso Anes do Penêdo e Rodrigo Afonso, Afonso Anes, o columbreiro, Vasco Pereira, João Afonso d´Abelheira, Pedro Afonso, João Pires, Gonçalo de Teves Paim que foi Almoxarife, ou seja o Director de Finanças da época, e seu irmão Pedro Cordeiro que era ao mesmo tempo Escrivão do irmão e Notário Público, ou Tabelião como então se dizia (20). Há porém quem diga que este grupo de Gonçalo Vaz só veio 5 anos mais tarde que o dos mouriscos. Quem era esta gente?
Gonçalo Vaz Botelho filho do Comendador - Mor da Ordem de Cristo (senhor espiritual desta ilha), era o mais velho e o mais importante de todos, pois chegou mais tarde a primeiro Ouvidor do Secular pelo Rei, e portanto o chefe da expedição colonizadora, que Frutuoso considera dos principais povoadores desta ilha de S. Miguel (21); ficou conhecido por O Grande por o ser em tudo, nos filhos, em obras de virtude, no exemplo e nos bens.
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15) id . p.12
16) Famílias Antigas da Povoação, ed. Câmara Municipal da Povoação, 1945, p.124
17) Saudades da Terra, Livº. 4º, p. 12.
18) id. p. 16 e 17
19) id. p.18
20) id. p. 15
21) id. p.129 e 132



Gonçalo de Teves Paim era francês natural de Paris e o Infante deu - lhe grandes poderes para distribuir terras, o que o colocava, em importância, logo a seguir ao capitão do Donatário, nesta altura, o próprio Gonçalo Velho Cabral (22).
Jorge Velho era sobrinho do Rei de Fez e era afilhado de baptismo de Gonçalo Velho (23). Pela proximidade das datas convenço-me que este príncipe árabe, depois casado com África Anes nas primeiras núpcias dela, tinha servido de moeda de troca com o infante D. Fernando, que morreu cativo em Fez, depois do desastre de Tânger, em 1439. Escrevi ao Cronista - Mor do Reino de Marrocos e ao Prof. Dr. Abdel Hadi Tazi (24) e ainda aguardo a confirmação desta minha suspeita.
África Anes era filha de Gonçalo Anes natural de Salamanca, e enviuvou muito nova deste nosso primeiro povoador de quem teve dois filhos que deixaram nesta ilha larga geração de apelido Jorge.
Afonso Anes do Penêdo: viveu depois em Vila Franca e seu filho João, na Ribeira Grande. Frutuoso considera-os fidalgos (25). A saída desta gente da Povoação resultou também das primeiras sementeiras de trigo não darem fruto mas apenas grossos caules, pelo que a Povoação Velha foi “enjeitada por estéril “ tornando-se porém depois ironicamente no celeiro da ilha (26).
Afonso Anes Cogumbreiro era descendente dum Anes da Costa que vivia na Raposeira do Algarve e que o Infante D. Henrique seu amigo pessoal, cognominou de cogumbreiro pela razão de ter muitos filhos como os cogombros.
Era casado com uma Fuã (ou fulana) Carneira (ou Carneiro como diríamos hoje) natural do Porto, estabeleceu-se depois em Ponta Garça e deixou larga descendência.
Pedro Cordeiro era Notário de Vila Franca do Campo (a primeira capital), e de toda a ilha, e tinha 4 filhas muito formosas e virtuosas, deixou também larga descendência; era como vimos , irmão do Almoxarife, conforme o testemunho que Frutuoso invoca, nem mais nem menos do que o de Pedro Soares Albergaria filho do capitão de Santa Maria (27) que morreu na Índia.
Este Pedro Cordeiro fazia escrituras em pergaminho e eram “breves e de poucas regras, rematadas com palavras mui judiciais e discretas” (28).
Quando estes primeiros povoadores chegaram a S. Miguel, porém, não estavam sozinhos nesta ilha. E aqui começa a história que nos vai ocupar hoje.
É que, algum tempo antes, tinham chegado ao lugar da Povoação Velha, fugidos de Santa Maria, num pequeno barco bem aparelhado, uma mulher e dois homens.
Quem eles fossem ao certo não no-lo quis dizer Frutuoso, tão prolífero sempre na identificação dos seus personagens.

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22) id. p.58. Será pôr via deste francês, de seu irmão Pedro Cordeiro e da sua larga descendência que deriva o nosso “ú”?
23) id. p. 63.
24) Membro da Academia do Reino de Marrocos
25) Saudades da Terra, vol. I, p.235
26) id. vol. I, p. 262
27) id. p. 59
28) id. Livº 2º, p. 19



Trata-se dum caso passional de que ele dá nada menos que sete versões, naturalmente registadas do contar dos tais antigos que ele particularmente consultou, como se disse.
As linhas gerais dessa história são no entanto estas: em Santa Maria, um jovem e uma jovem apaixonaram-se loucamente, mas as regras sociais então em vigor não permitiam que se casassem.
Por uma das várias versões recolhidas, pode-se concluir que eles não podiam casar porque o rapaz pertencia a classe social inferior e o pai da rapariga não consentia no casamento desigual, que aliás é então proibido por lei, já que as Ordenações Afonsinas, concluídas desde 28 de Junho de 1446, na Vila de Arruda e elaboradas, por João Mendes e Rui Fernandes, impediam tais casamentos, sob penas graves, se não fossem autorizados por quem de direito.
Bastava ainda que, sendo ela cristã, o namorado fosse mouro ou judeu para tal casamento lhe ficar também interdito.
A outra versão recolhida dá a mulher por casada com outro. Neste caso, o adultério era castigado com a morte de ambos (29).
Fosse para fugir ao pai ou ao marido, o certo é que o jovem (antes dos 25 anos não se atingia a maioridade legal) conseguiu um cúmplice para a sua aventura.
Parece realmente que foi este amigo quem facilitou a pequena embarcação, por certo à vela, dizendo até alguns que foi ele quem concebeu o plano e convenceu os outros.
São duas as versões de adultério. Numa, o marido da jovem fora assassinado pelo amante, obrigando-se este a fugir para escapar da Justiça, o que torna a fuga precedida de homicídio; na outra o marido enganado acaba por reaver a irrequieta consorte.
Numa ou noutra versão, a circunstância da organização policial estar muito no princípio e sem meios explica a facilidade com que fugiram de Santa Maria e se mantiveram em S. Miguel sem serem incomodados senão por eles próprios, como veremos, mas depois de entre o espesso arvoredo terem construído pelo menos duas pequenas choupanas em que viviam.
Quando os primeiros povoadores, digamos, oficiais, desembarcaram, ficaram maravilhados com os rastos e sinais de gente que encontraram na terra e na areia. Aqui também as diversas versões variam ligeiramente.
Uma delas afirma que foi a mulher de Gonçalo Vaz que, ao caminhar por entre o feno alto que havia junto da ribeira do oriente junto onde esteve a ermida de Santa Bárbara encontrou, sobressaltada e cheia de medo, o cadáver de um homem com que ficaram pasmados todos os outros que chamou aos gritos.
Alvoraçados com esta inesperada aparição, os homens e as mulheres recolheram aos navios e (30) no outro dia, voltaram mas já armados até aos dentes e assim andaram vários dias até descobrirem o que se passara.
E afinal o que foi que realmente aconteceu?
Bom, é que o amor é uma coisa louca e os açorianos viriam a ter fama universal de grandes amorosos. O companheiro do amante da jovem e bela Dulcineia acaba por se apaixonar por ela, ou ela e ele um pelo outro.

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29) Ordenações Afonsinas, ed. da Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, livro V, título XII
30) Saudades. da Terra, Livº. 4º, Vol. I, p. 16



E esta nova paixão vai dar lugar a novo homicídio. Um dos rapazes é assassinado pelo outro e, pelos vistos, ali deixado ao Deus - dará, sem se preocupar em dar-lhe sepultura, a não ser que o crime ou a luta tivessem tido lugar, por incrível coincidência, no próprio dia da chegada dos Mouriscos, ou de Gonçalo Vaz ou de todos.
É curioso ainda tentar saber qual dos mancebos foi morto pelo amigo e qual deles foi enforcado, pois ainda aqui a história diverge.
Para uma das versões foi o namorado cego de ciúmes que matou o amigo por este lhe querer roubar o amor de mulher fatal. Para a outra, foi o companheiro que matou o amante, para poder desfrutar dos amores da irresistível filha de Eva.
Qual das versões é a verdadeira não sei, porque o cronista não dá elementos suficientes. Deixo por isso à vossa imaginação este enigma dos primórdios do nosso povoamento.
Dúvidas também surgem quanto a saber como foram descobertos os sobreviventes.
É que, para alguns, foi a mulher, enfadada e farta do jovem amante e dos trabalhos que a sobrevivência dos três naquela terra erma e destituída de todos os confortos da civilização implicava, quem se entregou aos colonos e contou tudo.
Para os outros, porém, não foi nada disto que se passou. Quando os homens da expedição oficial iam trabalhar e montear, as suas cabanas eram assaltadas, e até queimadas, roubando-se-lhes roupa e comida. Por isso, armaram uma esparrela. Fingiram que se embarcaram todos num batel ou nos próprios navios, deixando porém, pelo menos dois espias dentro das cafuas ou choupanas. O jovem apaixonado, não desconfiando da artimanha, foi apanhado em flagrante delito.
Ainda outra versão diz que o homem se entregou voluntariamente e contou toda a sua tragédia, mas a mulher cheia de vergonha fugiu para as bandas do Nordeste onde depois a encontraram muito “disforma, negra e descorada “, junto duma ribeira que por essa razão ainda hoje se chama a “Ribeira da Mulher”.
Se seguirmos porém uma preocupação jurídica deste fascinante capítulo da nossa história, vamos acreditar naqueles que contam que o homicida foi apanhado e dados os furtos e os incêndios e a situação suspeita em que se encontrava, Gonçalo Vaz mandou pô-lo a tormentos (31) para lhe arrancar a confissão, considerada então a rainha das provas, e o desgraçado confessou tudo direitinho, tim-tim por tim-tim.
E é neste ponto que o pobre homem, assassino por amor, é julgado sumariamente, condenado à morte e executado por enforcamento numa das muitas árvores ali existentes, um Zimbro, uma Faia ou Ginja ou outra qualquer(32), num alto duma baixa rocha, junto da ribeira que fica do lugar para a parte poente.

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31) O tormento podia ser por açoites mas a confissão arrancada por tormentos tinha que ser ratificada pelo réu, longe da sala e dos instrumentos do tormento, sob pena de ser nula. Os tormentos deviam ser dados três vezes até à confissão e deles estavam livres os companheiros do Rei em certas batalhas, excepto em casos graves (Ordenações, Livº. V, tit.87) . Do despacho que ordenava o tormento podia apelar-se suspensivamente (id. Livº.V, tit. 88)
32) Saud.Terra, ibidem, p. 263



E como reagiu o homem quando foi condenado? - Alegou defesa !!! - diz Frutuoso ao relatar uma das versões (33). E é neste preciso momento que começam as tropelias à rigorosa lei do processo penal então em vigor. Gonçalo Vaz ou Jorge Velho, conforme se acreditar que foi “o grande” ou o regente mourisco a ditar a sentença, mandou as Ordenações Afonsinas às urtigas e ditou e executou a sentença de morte de imediato. A pena de morte apesar de abranger uma área muito vasta que ia desde o crime de lesa majestade contra o Rei, passando pelo adultério (34) até à sodomia, nunca podia ser aplicada do pé para a mão, sem respeito pelo direito da defesa, com inquirições escritas das testemunhas da acusação e defesa, com libelo acusatório e principalmente com recurso (35) que no caso dos Açores, era obrigatório para o próprio Rei, passando pelo Infante Donatário. O Rei tinha proibido expressamente que o próprio Gonçalo Velho pudesse aplicar tal pena e a de talhamento ou corte de membro ( mão ou língua) sem esse recurso obrigatório. E a questão não era meramente teórica como veremos.
Para já, os nossos primeiros“habitadores“ foram obrigados, imediatamente após o enforcamento, a eleger entre si, juiz, escrivão e alcaide, o que significa que o Infante os mandou um pouco desorganizados apenas dando carta com regimento a Jorge Velho como Regente dos Mouriscos e provavelmente entregando a chefia da expedição a Gonçalo Vaz, pois talvez partisse do pressuposto que a organização judicial mariense fosse então mais que suficiente, ou que funcionasse supletivamente, já que a autoridade máxima, o capitão era pessoa capaz de governar, além da sua ilha de Santa Maria, uma pequena expedição colonizadora pelo menos na sua fase inicial. O que é estranho é que tendo eles eleito juiz, escrivão e alcaide, não tivessem feito logo o que eram obrigados por lei a fazer, ou seja, elaborar o auto, ou devassa ou corpo do delito, proceder á inquirição das testemunhas, do réu e eventualmente da co-ré, tudo rodeado do cerimonial costumeiro (36) e ordenado, nesse tempo extremamente solene (com pregão obrigatório ao som dos tambores), do essencial da sentença rigorosa (37). Que eles tinham pressa em executar tal sentença , não há dúvida, porque o fizeram, justificando-se por quanto ele lhes havia queimado as primeiras casas cobertas de palha, ramo ou feno que fizeram, facto que teria enfurecido sobremaneira os “ julgadores “.
E aqui nova lei foi violada duas vezes. É que, por um lado, eles foram juízes em causa própria. Só por isso, e se lhe tivessem dado direito de defender-se, o que aliás o Réu pediu como vimos, este poderia ter conseguido a anulação do julgamento. Além disso, a pena de morte era rodeada de cautelas tais que, a que era decretada pelo próprio Rei, só podia ser executada 20 dias depois de lida (38), para prevenir os casos em que o julgador por qualquer sentimento de fúria ou outro que perturbasse a serenidade necessária, se precipitasse. Mas os julgadores povoacenses alegariam que tinham “suspeitas e receios” e aqui a coisa ficou preta para o nosso homem. Não se esqueçam de que este tinha roubado a mulher a outro a quem matara, e“cesteiro que faz um cesto faz um cento “... E a verdade é que a sentença que contra ele foi proferida, assentou no adultério (39), crime que só depois da Revolução de 25 de Abril de 1974 deixou de existir em Portugal.
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33) id. p. 12
34) Ordenações, Lº , tit. XII
35) Id. Livº.V, Tit. 4º
36) Saud.da Terra, ibidem.
37) “Foi sentenciado que o enforcassem”.Id. I . 13.
38) Ordenações, Lº V, Tit. 70
39) Saud. da Terra, vol. I , p.13



A reacção do pobre homem foi “ alegar defesa “ e por certo o fez até que a corda acabasse com os seus dias. Só que depois da execução da sentença, aquele grupo de cidadãos portugueses, tementes a Deus e fidelíssimos vassalos do seu Rei, por quem arriscavam desde há muito as suas vidas, perceberam que tinham cometido um grave desacato, já que ninguém no Portugal de quatrocentos podia impunemente fazer justiça por suas próprias mãos. Alguns anos depois, quando D.João II quis matar por traidor, o seu cunhado D. Diogo, Duque de Viseu, e Senhor desta ilha, mandou-o julgar pelo seu Supremo Tribunal ou Casa da Suplicação, e porque não havia no Reino pessoa de tão elevada categoria como a do Réu, irmão da Rainha e cunhado do Rei que pudesse executar a sentença foi este que teve de matar o cunhado à punhalada, que aos juizes apenas coube segurar o Réu para não poder desacatar o real algoz.
Mas Gonçalo Vaz saiu-se com um despacho sem apelação (40). Julgo que foi Gonçalo Vaz o juiz deste pleito porque mais tarde foi-lhe dado o cargo de Ouvidor do Rei, que exercia funções judiciais superiores, talvez numa forma de salvar posteriormente as aparências, ratificando o processado... O escrivão do processo foi por certo o Pero Cordeiro, que além de o ser da Fazenda era notário público.
Num despacho sem apelação! Ainda hoje se diz duma decisão logo cumprida, que não teve apelo nem agravo. Trata-se de dois tipos de recursos: aquele interpõe-se da sentença final e o agravo, em regra, dos erros processuais.
Depois da execução, houve discussão entre os expedicionários porque acabaram por concluir “que tinham mal feito “.É que, diz o cronista, “ o enforcaram logo sem mais forma nem figura de juízo “(41) depois de “consultarem todos juntos entre si “.
Mas a verdade é que, feita tal justiça, perceberam que quem ia ficar mal na fotografia eram eles todos pelo crime (também grave) de abuso e usurpação de poder, pelo qual podiam perder os ofícios, os bens e as cabeças conforme desse na real gana, como se pode ver no livro 2º título 3º das Ordenações Afonsinas.
Santa Maria não estava tão longe que o homem não pudese ser amarrado a bordo de um dos navios e enviado para as suas Justiças e lá, uma vez instaurado e instruído o processo, como devia ser, e enviado ao Desembargo do Paço ou à Casa da Suplicação, aí confirmariam as culpas e a pena máxima ... ou não!
Todos tinham sido culpados daquele disparate. Os próprios Mouriscos tinham gritado: “ Forcate, Forcate e depois tirate inquiricione”. Fora de questão estava o encobrimento, isto é, enterrar o homem e esquecer o caso. Nem as suas consciências de crentes o permitiam. Pelo menos os chefes sempre se trataram à lei da nobreza e, quer se acredite quer não, eles tinham uma lei diferente da dos outros cidadãos, e a mentira e a desonra não estavam nos seus costumes.



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40) id.vol. I. p.14.As Ordenações consagravam casos daqueles sem Apelação ( livro 5º, tit. XXXVI,p.141)
41) id. I, 16. As Ordenações admitiam certos processos sem “ ordem, nem figura de juízo “, nos casos de esbulho violento de propriedade (tit.XXXVI, do livro 5º), a fim de apressar os processos, o que hoje corresponde à restituição provisória de posse. As Ord. impunham ainda neste caso que o feito fosse julgado no lugar do crime, para aí se poder melhor saber a verdade (2º Vol, tit.56)



Daí, embora às avessas, o processo foi finalmente instaurado: “ fizeram autos de suas culpas “, tiraram “devassa “ em que todos testemunharam (42). Não sei é como conseguiram instaurar um processo decente com o próprio Juiz, o Ministério Público e o Escrivão a deporem como testemunhas! Não me consta na História do Direito Português que alguma vez tivesse acontecido tal coisa. E por isso, este caso chegou, como não podia deixar de chegar, aos ouvidos do Rei. É que os autos, uma vez feitos, jurados e assinados, seguiram viagem até Gonçalo Velho; estando ou não em Santa Maria ele era a máxima autoridade açoriana, no executivo e no judicial já que leis só os Reis e em casos muito especiais as podiam fazer.
Gonçalo Velho não deve ter gostado da coisa. O Rei tinha sido expressamente desobedecido contra Regimento passado e as Ordenações violadas. Ele próprio fora desautorizado, pelo seu imediato inferior hierárquico. Gonçalo Velho era Comendador da Ordem Militar de Cristo o que equivale porventura ao cargo de general hoje em dia. A Ordem de Cristo tinha ao tempo sede em Tomar e era a herdeira da maldita Ordem do Templo, mas não deixava de ser a mais importante e poderosa Ordem Militar; talvez se lhe aproximassem a de Santiago de Espada, com sede em Palmela, mas a de Avis e a do Crato, eram-lhe, a meu ver, menos importantes.
Gonçalo Velho era porventura um dos braços direitos do Infante que o mandara buscar à costa de África, para além do Bojador, onde andava em cata de Preste João e, quem sabe, da sonhada Índia.
Aliás, estas ilhas eram consideradas já como necessárias à torna viagem das descobertas de África e não é gratuitamente que D. Henrique enviara Gonçalo Velho a descobrir os Açores, de cuja existência o Navegador tinha a certeza, nem é impunemente que à primeira ilha se dá o nome da Mãe de Deus como se fizera à consagrada Mesquita de Ceuta.
Gonçalo Velho não se deve ter contentado muito com a Justiça da Povoação. Pelo contrário. O processo foi enviado ao Infante, que por certo abriu a boca de espanto perante a afoiteza do Mourisco e/ou Gonçalo Vaz. Sentenciarem à morte e executarem a sentença sem lhe darem conhecimento prévio nem sequer lhe pedirem licença!
O Infante não era pessoa de grandes sorrisos ou diplomáticas cortesias. Perante ele os vassalos sentiam um pavor incontrolável. Quem olhar a estátua do Infante que se encontra na fachada sul dos Jerónimos e que foi feita 60 anos depois da sua morte, compreenderá esta referência dos cronistas ao carácter do príncipe que nada teve a ver com a efígie que se consagrou da Crónica da Guiné da Biblioteca de Paris.
Henrique era guerreiro; desde os 16 anos que matava gente e acima dele só existia o Rei. E os reis que ele conhecera foram o Pai que o amava, o Irmão que o estimava como poucos e o pequeno sobrinho que D. Pedro, o Regente representava.
Este Pedro era o outro irmão que lhe trouxera os mapas da Europa. Henrique jogava em casa com o famigerado enforcamento da Povoação.
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42) “ Bem sabedes como por mim é mandado, que em todos os feitos de morte, que aconteceram em vossos julgados, façam inquirições devassas, tanto que essas mortes fossem feitas, para se saber a verdade, por qualquer forma que essas mortes foram feitas”. Ord. L. 5º, tit.. 34

Ainda assim, a casa do Infante, em S. Vicente, junto de Sagres, não teve poder de arquivar o processo e este foi enviado a Lisboa para o Rei menino, representado por seu tio D. Pedro, legalista e autoritário, cioso dos poderes centralizados do Rei, que seu pai tivera que desbaratar, e que só teve uma alternativa: ordenar a prisão de todos! Nem outra posição era possível legalmente. Os justiceiros da Povoação tinham que ser apresados e levados a ferros a Lisboa.
Os do conselho do Rei, da sua Casa da Suplicação, ou seja o Supremo Tribunal de Justiça a que o Rei presidia, não podiam aconselhar outra coisa.
Gonçalo Velho deve ter ouvido a sentença, sem pinga de sangue. E agora? Agora, foi montar a cavalo e ir pedir a intervenção directa do Infante!
É que o precipitado Gonçalo Vaz Botelho também ele muito da casa do Infante, era nem mais nem menos que filho do Comendador - Mor da Ordem de Cristo, ou seja uma espécie de Vice - Chefe de Estado Maior do Exército de hoje.
O Infante, ao receber a notícia de que o Regente ordenara a prisão de Gonçalo Vaz e de Gonçalo Teves Paim e dos outros nobres encarregados de povoarem a nova ilha descoberta, alguns deles “privados” de Reis, isto é que privavam com eles, terá ficado muito preocupado, pois não lhe estava a ser fácil conseguir gente boa para povoar as ilhas desertas e perdidas em Mar Oceano.
Pôr outro lado, a mulher de Gonçalo Vaz estava grávida, argumento que não terá deixado de ser usado; grávida do que viria a ser Nuno Gonçalves o primeiro micaelense.
Se aquele grupo escolhido a dedo e conseguido a custo de promessas, aventuras e riquezas sem conta, fosse preso, toda a colonização dos Açores se teria gorado ou transformado.
As primeiras espigas de trigo não tinham dado certo, os vulcões faziam das suas, enchendo a terra de cinzas e pedras pomes, e os ouvidos com estrondos terríveis e aterrorizadores. Já sem processos de Justiça, todos se queriam vir embora, o Infante é que não consentia porque a terra dava legumes e estes se multiplicavam com facilidade. Agora, meses e talvez anos de trabalho (que a Justiça naquele tempo era tão rápida como hoje) se iriam perder. O Infante com 48 anos, e sempre solteiro, montou a cavalo e zarpou para Lisboa “falar” com os outros irmãos; a muito custo lá conseguiu convencê-los de que o enforcado tinha mesmo que ser condenado à morte pelos crimes que cometera e que não fazia sentido prender-se gente importante só por questões processuais.
D. Henrique por si perdoava, só que não era a ele que isso competia e sim ao Rei na pessoa do Regente que entretanto até já mandara prender os usurpadores. Os outros infantes todos advogaram a causa dos nossos primeiros povoadores, o que mostra que o caso deu que falar e muito na Corte do Rei.
A questão não deve ter sido fácil de resolver.
Mas D. Pedro, talvez convencido por tão pragmática argumentação, para mais ainda muito afectado pela prisão do irmão Fernando em Fez e no auge do seu poder que então ninguém na Corte se atreveria a disputar, acabou por mandar arquivar o processo, depois de perdoar as penas.

Penso ser desnecessário discursar sobre o efeito que o perdão real teve nos nossos primeiros povoadores. Deve-se talvez ao acto de clemência soberana do príncipe D.Pedro em nome do seu real sobrinho, o Senhor Rei, o mui alto e poderoso D.Afonso V, o estarmos hoje aqui nesta sala.



Gaspar Frutuoso ao escrever sobre a Justiça da Povoação tem estas palavras que por certo não deixarão de nos fazer meditar!

“ Foi tão violenta neste princípio, nesta terra, a justiça que não pôde nela durar muito” ( Saudades da Terra, Livro IV, Volume I, página 12 ).




















[1] Rodrigues, Rodrigo, Notícia Biográfica do Dr. Gaspar Frutuoso, ed. I.C.P. D., 1091

[2] Saudades da Terra, edição do Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1971, Ivro 4º, volume I, página 5.
[3] Idem. Ibidem.
[4] Id. ib.
5 id.. ib
6 id. p.6
7 Id. ib. Usado com o significado de impedimento.
8 id. ib.
[9] Id. p. 8
10História dos Descobrimentos Portugueses, Vertente 3ª. Ed. 1983, p. 71


11 Id. p.63
12 Saudades da Terra, Livº. IV, p.9